A REALIZAÇÃO
Faço a maior parte dos meus filmes com pouco dinheiro; há, portanto, uma limitação econômica. Eu mesmo organizo tudo: o casting, a interpretação com os atores, as pesquisas de locação, a mise en scène, o estabelecimento das posições de câmera, os enquadramentos, a montagem - enfim, com Lisa - e a mixagem. É isso o que me permite controlar o meu filme. Eu jamais deixaria um assistente dirigir os atores ou o fotógrafo posicionar a câmera no meu lugar. E para o casting e os testes é a mesma coisa: não quero ninguém comigo porque é a parte mais íntima e a mais crucial da pesquisa. Nesse momento é indispensável estar face a face, sozinho, com um ator ou uma atriz. Isso também me permite trabalhar rápido e, portanto, por mais tempo: não há testes a mais, não há ensaios a mais. Planejo e preparo muito, o que me permite rodar rapidamente e montar rapidamente.
Eu utilizo métodos que não se encaixam com os da maior parte dos outros cineastas, ao recusar os assistentes e os diretores de casting. E é algo freqüentemente bastante criticado no meio. Certas pessoas da profissão e eu discutimos bastante sobre essa questão. Diziam-me: “Um filme se faz com toda uma equipe, é uma catedral, e o metteur en scène é como um arquiteto: ele organiza mas não realiza todas as tarefas...” Seguindo essa concepção, o cineasta está acima de todos, é um tipo de papai para a equipe do filme. Christine Gozlan, antiga diretora de produção e atual produtora, disse-me um dia a mesma coisa, acrescentando o seguinte: “Há no cinema francês um sistema de hierarquia destinado a proteger o metteur en scène. De todo o mundo. Porque os problemas vêm de todas as partes, então colocam-se fusíveis em todas as partes.” Compreendo essa idéia de cinema mas ela não é a minha, porque para mim se tudo se passa assim não é o metteur en scène que faz o filme, é a equipe. O metteur en scène diz “sim/não”, dá grandes conselhos, mas não é ele que faz o filme. Mas talvez isso não possa se aplicar aos filmes que têm uma grande amplitude financeira. Neste caso é necessário delegar muito; ora, essa não é a minha maneira de fazer cinema. Em um filme quero poder mudar as coisas no último instante, quero conhecer verdadeiramente cada membro da equipe, dos atores aos técnicos, e não quero que um ou mais assistentes escolham no meu lugar os atores, os figurantes, os décors, os posicionamentos. Porque os assistentes fazem uma triagem em função dos seus próprios gostos. Se eu próprio caminho no interior de um décor eu posso modificar tudo em função de um detalhe que me interessa. O que mais me enerva é o desperdício que tudo isso representa freqüentemente. Porque esse sistema de cinema visa a despesa: sempre lhe propõem um excesso de coisas. Vi inúmeras vezes grandes décors que foram construídos, custaram uma fortuna, e que o filme não utilizou por um segundo. Vinte milhões jogados na sarjeta para construir décors inúteis! Ao passo que bastava refletir só um pouquinho. Esse sistema, em que o metteur en scène é ao mesmo tempo super-protegido, super-rodeado e assistido, conduz à derrota do pensamento. Ele não se coloca mais as boas questões: se ele pára de se colocar a si mesmo em dificuldades, um cineasta se incrusta. Para Céline, por exemplo, a cena de levitação, bastante espetacular, custou nada, a não ser a locação de uma empilhadeira Fenwick. Isso porque eu simplesmente me coloquei algumas questões de cinema. Ao passo que na mesma época uma cena idêntica em um outro filme francês custou uma pequena fortuna à produção.
(L’ange exterminateur: Entretiens avec Antoine de Baecque, Éditions Grasset & Fasquelle, 2006, pp. 146-147/156-157. Traduzido por Bruno Andrade)
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