AS VISTAS CINEMATOGRÁFICAS
O cinematógrafo
O princípio do cinematógrafo é conhecido por todo mundo hoje; assim, não é necessário descrevê-lo em detalhes. Será suficiente lembrar que o aparelho é construído de forma a fotografar objetos ou personagens em movimento, fixando, numa película que se desenrola atrás de uma lente, as diversas fases do movimento, numa série de imagens sucessivas tomadas a intervalos extremamente curtos. Em geral, as imagens são tomadas numa velocidade de 12, 16 ou 18 por segundo, conforme o caso, ou seja, de acordo com a velocidade que anima o objeto a ser fotografado. O aparelho se manuseia com a ajuda de uma manivela; fazemos ela girar mais ou menos rápido para obter mais ou menos imagens por segundo. Se se tratar de objetos quase imóveis, uma velocidade pequena é suficiente. Se for o caso, ao contrário, de objetos, personagens ou animais atravessando o quadro em grande velocidade, é necessário girar mais rápido e tomar um número maior de imagens a fim de evitar os arrastos e os borrões que fatalmente se produziriam na fotografia. Se o objeto que atravessar o quadro estiver muito perto do aparelho é preciso girar ainda mais rápido. Tudo isso é uma questão de prática. A película sensível, que fica trancada numa caixa hermeticamente fechada sobre o aparelho, se desenrola com a ajuda de um mecanismo especial e passa por trás de uma pequena janela retangular localizada atrás da lente. Ela não se desenrola de maneira contínua, mas por solavancos sucessivos. Ela para e volta a se mexer de 12 a 18 vezes por segundo, de acordo com a velocidade colocada na manivela. A cada parada, a película é deslocada de alto a baixo de uma altura de dois centímetros; e quando está parada, um obturador se abre automaticamente para permitir a impressão da fotografia sobre a banda. Esse obturador se fecha logo depois, até a parada seguinte da película. Resulta disso uma série de fotografias de dois centímetros de altura e dois centímetros e meio de comprimento, de uma ponta à outra da banda de película que, depois de preenchida, automaticamente se enrola numa segunda caixa também fechada hermeticamente contra os raios de luz. Se observarmos as imagens obtidas após todo esse processo, veremos que um gesto qualquer, como o de uma personagem levantando o braço, é representado por cinco ou seis imagens diferentes nas quais o braço em questão ocupa posições cada vez mais elevadas. O movimento é decomposto e reproduzido em suas fases sucessivas. Se a película desfilasse de maneira contínua, sem paradas e sem o obturador servindo para mascarar seus movimentos de descida, em vez de imagens nítidas, no lugar ocupado pelo braço em movimento seria obtido um arrasto. Quanto à parada da película e seu retorno à marcha, essa função pode ser obtida, a depender do aparelho utilizado, seja por um came, seja por uma cruz de Malta, seja por garras animadas por um movimento de vai-e-vem vertical e horizontal, as quais agarram e conduzem a película, cujas bordas, do início ao fim, são providas de perfurações regulares. É inútil entrar aqui nos detalhes dos mecanismos dos diversos aparelhos que se pode usar. Seja qual for a maneira como é produzido o desenrolar da película e o sistema para obter a parada, o princípio permanece o mesmo: produzir, em intervalos muito próximos e regulares, um número determinado de fotografias sucessivas do objeto em movimento.
Eu vou me abster de toda a descrição técnica do cinematógrafo em si, pois já existem inumeráveis obras abordando todos os aspectos necessários, e minha tarefa é estudar não o cinematógrafo, mas sim as vistas cinematográficas.
Os diferentes gêneros de vistas cinematográficas
Existem quatro grandes categorias de vistas cinematográficas ou, ao menos, todas as vistas podem se enquadrar em alguma dessas categorias. Há as vistas chamadas “ao ar livre”, as vistas “científicas”, os “temas compostos” e as vistas de “transformações”. Eu estabeleço, de propósito, essa classificação na ordem mesma em que as vistas cinematográficas se sucederam desde as primeiras exibições. No começo, as vistas eram exclusivamente feitas de temas tomados da natureza; mais tarde, o cinematógrafo foi empregado como aparelho científico, para se tornar depois um aparelho teatral. Desde o começo, o sucesso foi enorme; sucesso decorrente da curiosidade pela aparição da fotografia animada. No entanto, quando o cinematógrafo foi colocado a serviço da arte teatral, o sucesso se transformou em triunfo. Desde então, a moda do maravilhoso instrumento só fez aumentar a cada dia em proporções prodigiosas.
As vistas ao ar livre
Todos cuja ocupação é a cinematografia começaram a filmar ao ar livre; todos também, independentemente do gênero especial a que se consagraram, continuaram a fazê-lo, até o momento. Essas vistas consistem em reproduzir no cinematógrafo as cenas da vida cotidiana: são vistas feitas nas ruas, em lugares públicos, no mar, na margem dos rios, de barco, sobre trilhos; vistas panorâmicas, de cerimônias, desfiles, cortejos etc. etc. É, em suma, a substituição da fotografia documental, feita em outro momento por todos os aparelhos fotográficos portáteis, pela fotografia documental animada. Os operadores, depois de terem no início registrado temas muito simples, que impressionavam apenas pela novidade do movimento em registros fotográficos outrora sempre imóveis, chegam hoje, viajando por todas as partes do mundo, a nos dar espetáculos muito interessantes em que nos mostram, sem nos incomodar, países que nós provavelmente jamais teríamos visto, com suas roupas, seus animais, suas ruas, suas populações, seus modos, tudo isso com uma fidelidade... fotográfica. As paisagens das Índias, do Canadá, da Argélia, da China, da Rússia; as cachoeiras, os países cobertos de neve e seus esportes; as regiões enevoadas ou ensolaradas, tudo foi registrado para o deleite dos olhos das pessoas que não gostam de ser incomodadas. Os operadores que se especializaram nesse gênero são incontáveis pelo motivo de esse ser o mais fácil. Ter um instrumento excelente, ser um bom operador fotográfico, saber escolher os pontos de vista, não ter medo de se deslocar e de mover céus e terras para obter autorização é frequentemente necessário, mas essas são as únicas qualidades requisitadas nesse gênero da indústria. Já é muito, incontestavelmente, mas veremos mais adiante que isso não passa da infância da arte. Qualquer fotógrafo pode realizar vistas cinematográficas da natureza, mas nem todos podem fazer cenas compostas.
As vistas científicas
No início, depois da aparição da fotografia animada, houve quem tivesse a ideia de empregar o cinematógrafo para fixar sobre a película estudos anatômicos do movimento nos homens e nos animais. O Sr. Marey, que antes da invenção do cinematógrafo propriamente dito foi bem-sucedido em fotografar decompondo o movimento, com a ajuda do aparelho fotográfico com muitas lentes se desencadeando sucessivamente, do voo de um pássaro ou do galope de um cavalo, obteve um resultado bastante extraordinário. Hoje, graças ao cinematógrafo, o aparelho automático por excelência, isso não passa de um passatempo ao alcance de todos. Outros adicionaram um microscópio ao cinematógrafo e nos deram a agitação, muito curiosa ao ser projetada, daquilo que é infinitamente pequeno; outros, enfim, se serviram do cinematógrafo para registrar e reproduzir, diante de um público especial de estudantes, operações cirúrgicas executadas por um mestre, ou para colocar sob os olhos lições de várias coisas, trabalhos de vidro, peças de máquina a vapor ou elétricas em movimento, trabalho de cerâmica, indústrias diversas de todos os tipos. Este gênero especial da cinematografia poderia até entrar na categoria das vistas ao ar livre, porque o operador age aqui como lá, registrando o que se passa diante dele, salvo os estudos microscópicos, que necessitam de aparelhos e conhecimentos especiais. De todo modo, era necessário não deixar de falar dessa especialidade cinematográfica.
Os temas
Chegamos agora aos temas compostos, ou cenas de gênero. Nessa categoria podem ser encenados todos os temas, sejam quais forem, em que a ação é preparada como no teatro e interpretada por atores diante do aparelho. As variedades, nesse tipo de vistas, são inumeráveis, desde cenas cômicas, hilárias, burlescas, até dramas sombrios, passando por comédias, camponeses, perseguições, palhaços, acrobacias, números de danças graciosas, artísticas ou excêntricas; os balés, as óperas, as peças de teatro, as vistas religiosas, os temas escabrosos, as poses plásticas, as cenas de guerra, as atualidades, as reproduções de notícias, acidentes, catástrofes, crimes, atentados etc. O que mais? Aqui, o campo do cinematógrafo não conhece fronteiras e tudo o que a imaginação pode lhe fornecer de temas lhe serve e ele os utiliza. Foram sobretudo este gênero e o seguinte que tornaram o cinematógrafo imortal, porque os temas ligados à imaginação são variados ao infinito e inesgotáveis.
As chamadas vistas de transformações
Chego, finalmente à quarta categoria de vistas cinematográficas. Esta foi denominada pelos exibidores de “vistas de transformações”, mas eu considero essa designação inapropriada. Acho que posso, pois fui eu mesmo que criei este gênero especial, dizer aqui que na minha opinião o nome “vistas fantásticas” seria muito mais exato. Porque, se um número destas vistas comportam, de fato, mudanças, metamorfoses, transformações, há também um grande número entre elas em que não existe transformação alguma, mas sim truques, a maquinaria teatral, a mise en scène, as ilusões de óptica e toda uma série de procedimentos cujo conjunto não pode receber outro nome senão “trucagem”, nome pouco acadêmico mas que não tem seu equivalente na linguagem escolhida. Seja qual for, o campo desta categoria é o mais extenso, pois ele engloba tudo, desde as vistas ao ar livre (não preparadas ou trucadas, pois tomadas da natureza) até as composições teatrais mais importantes, passando por todas as ilusões que podem produzir a prestidigitação, a óptica, as trucagens fotográficas, a decoração e a maquinaria teatral, os jogos de luz, os efeitos de fusão (dissolving views, como chamam os ingleses), e todo o arsenal de composições fantasiosas abracadabrantes que deixam loucos os mais intrépidos. Sem intenção alguma de rebaixar as duas primeiras categorias, eu vou agora falar exclusivamente das duas últimas, pela razão muito simples de que nelas eu estou inteiramente no meu domínio e que assim eu poderei dissertar com todo o conhecimento de causa. Desde o dia, e isto já faz dez anos, em que inumeráveis editores de vistas cinematográficas se lançaram na confecção de vistas ao ar livre e de temas cômicos, excelentes, bons ou ruins, eu deixei de lado os temas simples e criei a especialidade dos temas interessantes por sua dificuldade de execução, aos quais eu me dediquei exclusivamente; foi isso o que proporcionou, de resto, a visita de M. Roger Aubry, que me pediu para expor, aos leitores desta Annuaire, a gênese e os procedimentos das vistas cinematográficas artísticas. Eu o farei com um prazer ainda maior por amar apaixonadamente a arte extremamente interessante à qual me consagrei inteiramente; ela oferece uma tal variedade de pesquisas, exige uma quantidade tão grande de trabalhos de todos os tipos e reclama uma atenção tão dedicada, que eu não hesito em proclamá-la, de boa-fé, como a mais atraente e a mais interessante das artes, porque ela utiliza um pouco de todas. Arte dramática, desenho, pintura, escultura, arquitetura, mecânica, trabalhos manuais de vários tipos, tudo é empregado em doses iguais nessa extraordinária profissão, e a surpresa desses que puderam por acaso assistir a uma parte de nossos trabalhos me causa sempre uma satisfação e um prazer extremos.
A mesma frase retorna invariavelmente à boca: “Realmente, é extraordinário! Eu nunca tinha percebido que era preciso tanto espaço, tanto material, e que se demandasse tanto trabalho para fazer essas vistas! – Eu nunca tinha me dado conta da maneira como isso era feito.” – Infelizmente! E não costuma ser possível ir além disso, porque é preciso ter colocado, como se diz, as mãos na massa, e por bastante tempo, para conhecer a fundo as inumeráveis dificuldades a se superar em um trabalho que consiste em realizar tudo, mesmo aquilo que parece impossível, e conferir a aparência de realidade aos sonhos mais quiméricos, às invenções mais inverossímeis da imaginação. Enfim, não há o que se dizer: é preciso absolutamente realizar o impossível, fotografá-lo e dá-lo a ver!!!
Para o gênero especial que nos ocupa, foi preciso criar um atelier disposto ad hoc. Em duas palavras, é a junção de um atelier fotográfico (em proporções gigantes) e um palco teatral. A construção é em ferro envidraçado; numa ponta se encontram a cabine do aparelho e o operador, enquanto no outro extremo se encontra um piso construído exatamente como o de um teatro, dividido como esse em quarteladas, ruas e calhas. Da mesma forma, de cada lado do palco se encontram as coxias, com seus depósitos de decoração e, por trás, camarins para os artistas e a figuração. No piso do palco, esconde-se um elevador necessário para fazer aparecer ou desaparecer as divindades infernais nos espetáculos; as ruas falsas, por onde desaparecem as fazendas nas mudanças de cenário, e uma grelha colocada embaixo com os tambores e os guinchos necessários às manobras feitas utilizando força (personagens ou carruagens voadoras, voos oblíquos de anjos, fadas ou nadadores etc. etc.). Tambores especiais servem para movimentar telas panorâmicas; projetores elétricos servem para clarear e dar forma às aparições. Em resumo, esta é uma pequena imagem bastante fiel do teatro de feeria. O palco tem cerca de dez metros de comprimento, mais três metros de coxias à esquerda e à direita. A largura do conjunto, do proscênio até o fundo, é de dezessete metros. No lado de fora, cabanas de ferro para a construção de objetos de carpintaria, praticáveis etc., e uma série de depósitos para os materiais de construção, os acessórios e os vestuários.
Iluminação pelo dia e luz artificial
O teto do atelier tem uma parte envidraçada com vidro fosco e outra feita com vidro comum. No verão, assim que o sol brilhasse sobre os cenários através dos vidros, o efeito seria desastroso, as sombras dos ferros do telhado marcariam violentamente as telas do fundo. Por isso, um conjunto de persianas móveis acionadas por fios, os quais permitem abri-las ou fechá-las simultaneamente em um piscar de olhos, resolve esse inconveniente. A frente dessas persianas é coberta por telas de desenho que servem para os arquitetos desenharem seus planos, o que permite que, quando fechadas, haja uma luz difusa, semelhante à dos vidros foscos. A regularidade da luz é muito difícil de obter durante a execução de uma cena que leva, às vezes, quatro horas consecutivas ou mais, para um tema que, na projeção, durará de dois a quatro minutos. É por isso que, em tempos nublados, quando as malditas nuvens negras têm prazer em passar constantemente sobre o sol, amigo do fotógrafo, a exasperação não demora a se manifestar entre diretor, operadores, ajudantes, maquinistas, atores e figurantes. É preciso uma paciência a toda prova a fim de esperar que o dia retorne, fechar as persianas se há muita luz ou reabri-las se não há suficiente, e tudo isso sem perder de vista os milhares de detalhes do trabalho em curso. Se eu não fiquei louco até agora, não ficarei nunca mais, porque os céus encrespados, nublados ou brumosos colocaram minha paciência a duras provas... e causaram, em minha carreira, inumeráveis fracassos, acompanhados de custos enormes, porque toda cena reiniciada ou impossível de fazer devido ao mau tempo dobra, triplica ou quadruplica de preço, pois isso perturba os atores, forçando com que a recomecemos dois, três ou quatro dias depois. Eu vi cenas serem filmadas oito dias depois, entre outras o balé de Fausto, que dura dois minutos e meio e custou 3200 francos. Havia motivos para se enraivecer.
Assim, depois de muitas tentativas e de ver a coisa ser com frequência declarada impossível, eu consegui organizar, com uma instalação elétrica especial, composta de herses, traînées e portants, como nos teatros, uma iluminação artificial que dá absolutamente o resultado de luz do dia e que me colocou, enfim, no futuro, distante das difíceis provas do passado. Deus seja louvado! Eu não ficarei louco... ao menos por causa das nuvens... A luz difusa é obtida com a ajuda de um grande número de lâmpadas a arco voltaico e de tubos a vapor de mercúrio convenientemente combinados. Essa luz artificial se emprega concomitantemente com a do dia e pode variar em intensidade de acordo com as necessidades.
Composição e preparação de cenas
A composição de uma cena, de uma peça, drama, feeria, comédia ou cena artística demanda, naturalmente, o estabelecimento de um roteiro tirado da imaginação; depois, a busca por efeitos que agirão sobre o público; o estabelecimento de croquis e maquetes dos cenários e figurinos; a invenção da atração principal sem a qual nenhuma vista tem chance de sucesso. Por se tratar de ilusões ou de feerias, a invenção, a combinação, os croquis dos truques e o estudo preliminar de sua construção exigem um esmero todo especial. A mise en scène é igualmente preparada com antecedência, assim como os movimentos da figuração e a disposição do pessoal. É um trabalho absolutamente análogo ao da preparação de uma peça de teatro, com a diferença de o autor precisar saber combinar tudo ele mesmo no papel e ser, por consequência, autor, metteur en scène, desenhista e, com frequência, ator, se quiser obter um todo que se sustente. O inventor da cena deve ele mesmo dirigi-la, porque é absolutamente impossível ser bem-sucedido nela se dez pessoas diferentes se meterem. É preciso antes de tudo saber o que se quer e dar mastigado, para todos, os papéis que eles deverão desempenhar. Não se pode perder de vista que não se ensaiará por três meses como no teatro, mas um quarto de hora no máximo. Se se perde tempo, o dia acaba... e adeus, fotografia. Tudo deve ser previsto, até e sobretudo as armadilhas a serem evitadas no decorrer da execução e, nas cenas maquinadas, elas existem aos montes.
Os cenários
Os cenários são feitos a partir da maquete adotada; eles são construídos em marcenaria e tela, em um atelier adjacente ao de instalação, e pintados com cola, como na decoração teatral; somente a pintura é exclusivamente executada em grisalha, passando por toda gama de cinzas intermediários entre o preto e o branco puros. Isso os assemelha a decorações fúnebres, causando um efeito muito estranho em quem os vê pela primeira vez. Os cenários coloridos resultam horrivelmente mal. O azul se torna branco, os vermelhos e amarelos se tornam pretos, assim como os verdes, ao que se segue uma destruição completa do efeito. É então necessário que os cenários sejam pintados como os fundos das fotografias. A pintura é extremamente esmerada, como no cenário teatral. O acabamento, a exatidão da perspectiva, o trompe-l’oeil habilmente executados e religando a pintura a objetos reais como nos panoramas, tudo é necessário para dar aparência de verdade a coisas inteiramente fictícias, as quais o aparelho fotografará com uma precisão absoluta. Tudo o que é mal feito será reproduzido fielmente no aparelho, logo é preciso abrir os olhos e executar tudo com um cuidado meticuloso. É tudo o que sei. Nas questões materiais, o cinematógrafo deve fazer melhor que o teatro e não aceitar o convencional.
Os acessórios
Os acessórios são fabricados em madeira, lona, papelão, massa, cartolina, argila. Pode-se empregar objetos usuais, mas se se quer obter um bom resultado fotográfico, o melhor é preferir os objetos especialmente fabricados, sejam cadeiras, lareiras, mesas, tapetes, móveis, candelabros, pêndulos etc., todos pintados igualmente em diversas tonalidades de cinza, graduados com cuidado, seguindo a natureza de cada um. Podendo os filmes ou películas cinematográficas importantes serem com frequência colorizados à mão antes da projeção, torna-se impossível colorizar os objetos reais fotografados, os quais, se são em bronze, acaju ou têm forros vermelhos, amarelos ou verdes, aparecem num preto intenso, logo sem transparência, sendo impossível dar o tom real translúcido necessário para a projeção. Eis uma das coisas que o público em geral ignora, sem se dar conta do tempo e do cuidado que há na confecção de todos os acessórios que parecem ser simplesmente objetos naturais.
Os figurinos
Pela mesma razão, a maioria dos figurinos deve ser fabricada especialmente nas tonalidades que fotografam bem e suscetíveis de depois serem coloridas. Daí a necessidade de ter à disposição um enorme acervo de figurinos de todos os tipos, de todas as épocas, de todas as nacionalidades e de todas as condições, com seus acessórios, sem contar a variedade de chapéus, perucas, armas, bijuterias, desde as dos grandes senhores até as dos mais ignóbeis bandidos. O acervo de figurinos, não importa quão grande seja, é sempre insuficiente. Com dez mil figurinos da moda corrente, não é raro ser preciso, de tempos em tempos, tomar emprestados figurinos de teatro para completar os pelotões, posto que são necessários numerosos figurinos semelhantes – principalmente nos desfiles ou cortejos com numerosa figuração. Naturalmente, costureiros e operários são necessários para reparos e manutenção, tanto para roupas de baixo e maiôs como para calçados e equipamentos.
Os atores e a figuração
Contrariamente ao que se costuma acreditar, é muito difícil encontrar bons atores para o cinematógrafo. Um ator excelente no teatro, até mesmo uma estrela, pode não valer absolutamente nada numa cena cinematográfica. Com frequência, até os mímicos profissionais ficam mal ali, porque eles fazem a pantomima com princípios convencionais, tal como os atores de balé se comportam de uma forma que se reconhece imediatamente. Esses artistas, muito superiores na sua especialidade, ficam desconcertados diante do cinematógrafo. Isso é decorrente de a mímica cinematográfica exigir todo um estudo e qualidades especiais. Pois não há mais público ao qual se endereçar, seja verbalmente, seja com mímica. Apenas o aparelho é espectador e, ao atuar, nada é pior do que encará-lo e dele se ocupar, como invariavelmente sentem, nas primeiras vezes, os atores habituados ao palco e não ao cinematógrafo. É preciso que o ator perceba que ele deve se fazer compreender, ainda que esteja mudo, pelos surdos que lhe assistem. É preciso que a sua atuação seja sóbria, muito expressiva, de poucos gestos, mas gestos muito afiados e muito claros, assim como são indispensáveis expressões fisionômicas perfeitas e atitudes muito justas. Eu vi muitas cenas interpretadas por atores conhecidos: eles não eram bons, porque o principal elemento do seu sucesso, a palavra, lhes fazia falta no cinematógrafo. Habituados ao bem-dizer, no teatro eles empregam o gesto apenas como acessório da palavra, enquanto que no cinematógrafo a palavra não é nada e o gesto é tudo. Alguns, no entanto, fizeram boas cenas, entre eles Galipaux. Por quê? Porque ele está habituado à monomímica nos seus monólogos e porque é dotado de uma fisionomia das mais expressivas. Ele sabe se fazer compreender sem falar e seu gesto, mesmo voluntariamente exagerado, o que é necessário em pantomima e sobretudo em pantomima fotografada, é sempre da maior justeza. O gesto muito justo de um ator, quando acompanha sua palavra, deixa de fazer sentido quando ele faz a mímica. Se você diz “tenho sede” no teatro, você não trará seu polegar com a mão fechada à boca para simular uma garrafa. É perfeitamente inútil, pois todo mundo ouviu que você tinha sede. Porém, em pantomima, você será evidentemente obrigado a fazer esse gesto.
Isso, no entanto, é bem simples, não é? Mesmo assim, nove em cada dez vezes isso não ocorre a alguém que não tenha o hábito de fazer mímica. Nada se improvisa, tudo se aprende. Cabe também levar em conta o que o aparelho capta. Quando, numa fotografia, as personagens são colocadas umas próximas às outras, é preciso máxima atenção para sempre pôr na frente as personagens principais e moderar a empolgação das personagens secundárias, sempre inclinadas a gesticular mal. Caso contrário se produzirá na fotografia uma confusão de gente se agitando. O público não saberá para quem olhar e nada mais se compreenderá da ação. As fases devem ser sucessivas e não simultâneas. Daí a necessidade de os atores estarem atentos e agirem somente na sua vez, no momento preciso em que se fizer necessário. Há ainda outra coisa que eu com frequência acho difícil fazer os artistas compreender, sempre tentados a se colocar em evidência e se fazer notar, em detrimento da ação e do conjunto: geralmente, eles têm boa vontade demais. E que luvas se deve utilizar para manusear toda essa boa vontade sem magoá-la! Por mais estranho que pareça, cada artista da numerosa trupe que eu emprego foi escolhido entre os vinte ou trinta com os quais eu ensaiei sucessivamente sem obter o que era preciso, apesar de todos serem artistas muito bons nos teatros de Paris dos quais eles fazem parte.
Nem todos têm as qualidades necessárias e a boa vontade não as substitui, infelizmente. Os que possuem estofo adentram rápido, os outros nunca. Entre as artistas mulheres, sobretudo, as boas mímicas são bastante raras. Muitas são adoráveis, inteligentes, belas mulheres, portam bem os figurinos e vestimentas, mas, quando se trata de fazer a mímica numa cena um pouco mais difícil, decepcionam! E como decepcionam! Quem não viu o suor daquele que dirige não viu nada. Apresso-me em dizer que, felizmente, há quem seja exceção e atue muito graciosamente e muito inteligentemente. Conclusão: formar uma boa trupe cinematográfica é coisa demorada e difícil. Só quem não se preocupa com a arte se contenta com os primeiros a chegar para fazer uma cena confusa e sem interesse.
As despesas
As despesas ocasionadas pelas vistas cinematográficas variam muito e dependem essencialmente do tema executado. A película cinematográfica custa hoje em torno de 0,50 francos o metro para os negativos e o mesmo para os positivos. Decorre disso que, como matéria-prima, uma banda de 20 metros sai por 10 francos para o negativo e 10 francos para o positivo, 20 francos ao todo, aproximadamente. Isso não é nada, vale dizer. Se se trata de ir filmar na Índia, na América ou em outra parte, são sobretudo despesas de viagem que aumentam consideravelmente os custos do tema ao final. Se se tratam de temas compostos, o valor dos 20 metros pode variar ao infinito, conforme as despesas ocasionadas para a obtenção do negativo. Alguns farão cenas de quatro ou cinco personagens com artistas de segundo escalão e executadas simplesmente na rua, num jardim, numa estrada, numa fazenda etc. Nesses casos, os custos são pouco relevantes, mas em outros será empregado um pessoal numeroso, incluindo artistas que cobram cachês elevados, e serão utilizados cenários, acessórios e figurinos custosos, o que aumenta formidavelmente as despesas. A título de simples ilustração, uma grande peça histórica ou feérica, uma ópera, pode comportar de trinta a quarenta quadros, demandando de dois meses e meio a três meses de preparação, exigindo de vinte a trinta sessões de pose, com uma equipe de vinte a trinta artistas, cento e cinquenta a duzentos figurantes, cerca de vinte maquinistas, além de dançarinas, figurinistas, cabeleireiros, costureiros etc. Certos quadros, sobretudo os que incluem truques, podem ser recomeçados muitas vezes antes de ficarem perfeitos. Em resumo, a peça uma vez terminada vai ter custado 12, 15 ou mesmo de 18 a 20.000 francos em despesas de todo tipo, para um total de 400 metros de película, resultando num tempo de projeção de 22 a 23 minutos. O público que paga 0,50 francos ou um franco por sua cadeira está longe de suspeitar desse detalhe importante. Essa é também a razão pela qual o preço de impressão de películas cinematográficas necessariamente varia muito, segundo os editores ou o tipo de trabalho. Costuma-se ignorar também que os cachês pagos aos bons artistas são tão vultosos que a maior parte deles ganha mais, todo mês, nas casas que os empregam para fazer as poses cinematográficas do que nos teatros a que eles são ligados. É uma nova e excelente oportunidade para os artistas, aos quais o cinematógrafo trouxe uma sorte inesperada e um suplemento salarial bastante apreciado.
Os truques
É impossível nesta explanação, já longa, explicar em detalhes a execução dos truques cinematográficos; seria preciso, para isso, uma publicação especial, e ainda assim somente a prática poderia fazer compreender o detalhe dos procedimentos empregados, os quais incluem dificuldades incríveis. Eu posso, sem me gabar, posto que todos os profissionais querem conhecê-los, dizer aqui que fui eu mesmo que sucessivamente descobri os procedimentos ditos “misteriosos” do cinema. Todos os editores de vistas compostas seguiram, uns mais outros menos, os caminhos abertos, e um deles, chefe da maior casa cinematográfica do mundo (sob o ponto de vista da grande produção comercial), me disse: “É graças a você que o cinema pôde se manter e se tornar um sucesso sem precedentes. Ao aplicar ao teatro, isto é, a temas infinitamente variáveis, a fotografia animada, você a impediu de tombar, algo que teria rapidamente acontecido com os temas ao ar livre, que fatalmente se assemelham entre si e teriam logo fatigado o público.” Eu admito, sem falsa modéstia, que essa glória, se há alguma, é de todas a que me deixa mais feliz. Vocês querem saber como me ocorreu a primeira ideia de fazer truques com o cinematógrafo? Muito simplesmente, minha fé. Um travamento em um aparelho do qual eu me servi no início (aparelho rudimentar no qual a película se desfazia ou se prendia frequentemente e recusava avançar) produziu um efeito inesperado, num dia em que eu fotografava prosaicamente a Place de l’Ópera: um minuto foi necessário para desbloquear a película e colocar o aparelho de volta a rodar. Durante esse minuto os transeuntes, ônibus, carros, mudaram de lugar, obviamente. Ao projetar o filme, voltando ao ponto onde se produziu a ruptura, eu vi subitamente um ônibus Madeleine-Bastille se transformar em carro funerário e os homens se transformarem em mulheres. O truque por substituição, chamado “truc à arrêt”, foi encontrado e dois dias depois eu executava as primeiras metamorfoses de homens em mulheres e as primeiras desaparições súbitas, as quais fizeram, no começo, um grande sucesso. Foi graças a esse truque muito simples que eu executei as primeiras feerias: Le manoir du diable, Le diable au couvent, Cendrillon etc. etc. Um truque leva a outro. Diante do sucesso do novo gênero, eu me empenhei em encontrar novos procedimentos e imaginei sucessivamente as trocas de cenários fundidos, obtidas com um dispositivo especial do aparelho fotográfico, e aparições, desaparições, metamorfoses obtidas por sobreposição de fundos pretos ou partes pretas reservadas nos cenários. Depois, as sobreposições sobre fundos brancos já marcados (coisa que todos declaravam impossível antes de a terem visto) e que se obtinham com o auxílio de um subterfúgio do qual não posso falar, senão os imitadores penetrarão todo o segredo. Depois viriam os truques de cabeças cortadas, de duplicação de personagens, de cenas atuadas por uma só personagem que, se duplicando, termina por representar, só ela, até dez personagens semelhantes, fazendo troça umas com as outras. Enfim, ao empregar meus conhecimentos especiais das ilusões que vinte e cinco anos de prática no teatro de Robert-Houdin me conferiram, eu introduzi no cinematógrafo os truques de maquinaria, de mecânica, de óptica, de prestidigitação etc. etc. Com todos esses procedimentos misturados uns com os outros e empregados com competência, eu não hesito em dizer que hoje, no cinematógrafo, é possível realizar as coisas mais impossíveis e inacreditáveis.
Eu terminarei dizendo que, para meu grande desgosto, os truques mais simples são os que provocam mais efeitos, e que aqueles obtidos por sobreposições, muito mais difíceis, são apreciados apenas por quem compreende a dificuldade envolvida. Entre outras, as vistas atuadas por uma só personagem, e nas quais a película é exposta, sucessivamente, até dez vezes consecutivas no aparelho de gravação, são de uma tal dificuldade que se tornam verdadeiros quebra-cabeças chineses. O ator, atuando dez vezes em cenas diferentes, deve se lembrar exatamente, a cada segundo enquanto a película se desenrola, de tudo o que ele fez nos mesmos momentos das vezes precedentes e do local exato onde ele se encontrava na cena. É somente sob essa condição que a atuação de dez artistas (que não passam de um só) pode concordar exatamente, por um lado; por outro, se numa das vezes o ator faz um gesto desencontrado, em que seu braço passa diante de uma personagem fotografada na vez anterior, acontecem transparências e borrões que desmascaram o truque. A gente se dá conta então da dificuldade e da raiva provocada quando, após três ou quatro horas contínuas de trabalho e de atenção, um erro que acontece na sétima ou oitava sobreposição obriga a abandonar a película iniciada e refazer tudo, sem qualquer possibilidade de consertar um filme que comporta um erro e no qual a imagem ainda está latente e só pode ser revelada quando a décima e última sobreposição for registrada.
Isso pode parecer “hebraico” para os não-iniciados, mas repito que explicações detalhadas nos levariam longe demais.
Como quer que seja, é o truque inteligentemente bem aplicado que permite hoje tornar visíveis o sobrenatural, o imaginário, o impossível mesmo, e realizar quadros verdadeiramente artísticos que são um verdadeiro presente para aqueles que sabem compreender que todos os ramos da arte cooperam na sua execução.
Dificuldades e inconvenientes
Além dos obstáculos citados acima, ou seja, as dificuldades inerentes à execução desse tipo de cena, há outros que também incomodam o cinematografista: são as variações de luz, as nuvens cobrindo o sol, os acidentes com aparelhos, o travamento da película, o rompimento de um filme muito fino, a falta de sensibilidade de uma emulsão, os arranhões ou pontilhados que se encontram sobre certas películas após sua revelação e que as torna inutilizáveis, os buracos imperceptíveis aos olhos e que se transformam em tijolos na projeção aumentada. Assim, experimentamos um alívio quando constatamos, após a revelação, que o negativo está perfeito. Nunca alguém, entre os profanos, terá a dose de paciência, de perseverança e de vontade necessárias para o sucesso; e eu não posso deixar de rir quando ouço dizer: “Como pode essas vistas custarem tão caro?” Eu mesmo não sei dizer bem, mas como fazer entender alguém que não sabe como o trabalho é feito e que de uma vista só se importa com uma coisa: ela ser barata!
Tomada de vista. O operador
Não é preciso dizer que o operador nesse gênero especial deve ser muito experiente e bem informado acerca de uma série de pequenos procedimentos do trabalho. Uma vista de difícil execução não pode ser feita por um debutante. Ele invariavelmente vai atrapalhar os truques mais habilmente executados se se esquecer da menor das coisas enquanto gira a manivela. Um erro num giro, o esquecimento de um número numa contagem em voz alta durante uma tomada de vista, um nada, um segundo de distração coloca tudo a perder. É preciso um homem calmo, atento, reflexivo, capaz de resistir a todos os aborrecimentos e irritações. Ora, o aborrecimento e a irritação são quase inevitáveis quando se tratam de vistas com inumeráveis dificuldades e surpresas desagradáveis quase contínuas. Estas observações fazem entender por que as tomadas de vistas fantásticas, dependendo ao mesmo tempo do metteur en scène, dos maquinistas, dos atores e do operador que as toma, são tão difíceis. O acordo perfeito, a atenção de todos, a cooperação exata que é incômoda de ser obtida, enquanto, por outro lado, luta-se contra dificuldades materiais de todo tipo.
Isso basta para explicar por que, depois de se lançar no novo gênero, a maioria dos fotógrafos desiste. É preciso ser mais do que um simples operador para tudo aquilo e, apesar de haver inúmeros cinematografistas, os que conseguem se diferenciar dos demais se contam nas mãos e são poucos: apenas um por nação, e olhe lá, porque todos os países do mundo dependem de fabricantes franceses para as vistas artísticas.
As repetições e a execução
Uma palavra agora sobre a execução propriamente dita do tema. Quando um quadro está no ponto, os cenários terminados com seus praticáveis, acessórios, truques, caso haja, os figurinos da cena são preparados nos camarins dos artistas, convocados então para o dia seguinte. Eles devem chegar ao teatro com pontualidade, algo indispensável, o sol não espera. Após explicação sucinta acerca da personagem que eles representarão, os figurinos lhes são distribuídos. Eles se vestem, se maquiam, em suma, preparam a personagem como no teatro. No entanto, novamente, eles não escapam à lei que rege a pintura dos cenários, nos quais apenas o branco e o preto são usados. Aqui, nada de vermelho nas bochechas nem sobre os lábios, sob pena de obter rostos pretos. A maquiagem é feita exclusivamente com branco e preto. Ainda é uma arte especial, que demanda um certo aprendizado, porque há uma justa medida a se observar para obter tipos caracterizados, mas não ridículos.
Os artistas, apressados pelos encenadores, descem para a cena. Lá, o metteur en scène, geralmente o autor, logo explica verbalmente o conjunto da cena a se interpretar, depois faz repetir parcialmente as diversas partes da ação, primeiro a ação principal, depois os episódios acessórios. Ele dirige o andamento, a disposição dos figurantes e é obrigado a interpretar, para cada ator, suas personagens, a fim de lhe indicar seus gestos, entradas, saídas, o lugar que deve ocupar na cena. Ele dedica a maior atenção a definir bem os grupos, para que a pantomima não fique confusa e o espectador acompanhe sozinho e sem cansaço a continuidade da ação principal interpretada pelas personagens. Tudo isso demanda uma habilidade muito grande, uma precisão concisa e absoluta nas explicações, e necessita a colaboração de artistas e companheiros inteligentes, que entendam de primeira o que lhes é pedido.
Não se pode esquecer de que o sol implacável gira e que se tudo não estiver claro, organizado e pronto para fotografar a tempo, vai passar a hora propícia em que a luz se apresenta bem de frente e será preciso adiar para o dia seguinte; despesa em dobro, por consequência. Tudo estando organizado, passa-se ao ensaio geral. Se algo dá errado, conserta-se e reinicia-se. Finalmente, tudo está pronto. Os atores fazem a cena e falam como no teatro, o que lhes dá mais verdade na interpretação. O operador manuseia o aparelho e tudo o que acontece é registrado regularmente. Se um segundo quadro será filmado, muda-se o cenário assim que o primeiro estiver terminado, todo o pessoal sai para os camarins para trocar os figurinos e depois retornam para a cena.
O mesmo trabalho de decifração, de explicação, de repetição recomeça e o segundo quadro é interpretado e fotografado. Quero que se entenda que é preciso se apressar sem se esquecer de nada, porque, exceto no verão, as horas favoráveis do dia são curtas e não se pode perder um segundo. Um quadro complicado necessita às vezes dois ou três dias consecutivos de poses. Não é raro que oito ou nove horas sejam empregadas para executar um quadro que durará dois minutos de projeção. Isso se dá sobretudo nas cenas com transformações e sobreposições, daí seus preços elevados.
Revelação e impressão
Eu disse no começo que não tinha a intenção de entrar em longos detalhes acerca da cozinha técnica do cinematógrafo.
Aqui, é fotografia pura e simples. Bastará dizer, para os não-iniciados, que as películas fotografadas são reveladas de duas maneiras, conforme as casas: seja em quadros, em volta dos quais a película é enrolada, gelatina para fora; seja em tambores ou cilindros, sobre os quais ela é colocada em espiral, da mesma forma. No primeiro caso, os quadros são mergulhados em tanques de revelação ranhurados, onde ficam o tempo necessário. A pessoa que supervisiona o trabalho os retira de tempos em tempos e examina tudo pela transparência, como nas placas comuns. Se a revelação é com os tambores, colocam-se eles em tanques semicilíndricos nos quais giram sobre o próprio eixo. A rotação é produzida por uma manivela a mão, exatamente como nos cilindros para torrar café nas mercearias, ou por um motor elétrico, o que permite a um só homem supervisionar a revelação simultânea de vários tambores.
A lavagem, a fixação, se fazem transportando os quadros ou cilindros de um tanque a outro, contendo água e hipossulfito. Finalmente, a lavagem final se dá, para os quadros, deixando-os sob água corrente como nos quadros fotográficos comuns, e para os tambores, fazendo-os girar rapidamente, em água a todo instante renovada. A lavagem por rotação é muito mais enérgica e rápida, o que é vantajoso para a fabricação. Finalmente, as películas são dispostas em cilindros muito grossos de 1,50 metro de diâmetro que giram eletricamente, a uma grande velocidade. Em cerca de uma hora, as películas estão secas.
Quanto à tiragem de cópias, isso é feito passando uma película sensível virgem aplicada, gelatina contra gelatina, em um negativo. As duas películas passam juntas em um aparelho idêntico àquele que serviu para fazer a vista, mas onde a lente é substituída por uma janela quadrada diante da qual é colocada uma luz artificial. A luz imprime a imagem exatamente como se imprimem os positivos de vidro das placas de projeção.
O cinematógrafo se tornou uma indústria colossal, empregando hoje, nas diferentes partes do mundo, mais de oitenta mil pessoas. É difícil acreditar, porém é a verdade, e o sucesso só faz crescer dia após dia. Por quê? Porque, em todos os países, o espetáculo interessante é uma atração irresistível e porque, seguindo nessa ideia, o cinematógrafo permitiu a exibição de espetáculos soberbos, em países desprovidos de teatro ou distrações similares, e a um preço muito acessível, pois o empresário, uma vez proprietário da peça que comprou, não tem taxas diárias a pagar aos artistas.
Ah! Se pudesse ser assim para os diretores de teatro!!! Mas, voilà, apenas os artistas fotografados e que atuam imperturbáveis e sem falhas nas vistas cinematográficas são de uma tão boa composição. Eles não têm como oscilar, serem bons em um dia e no outro maus. Se são bons na estreia, continuam perpetuamente excelentes. Que vantagem!
(Les vues cinématographiques. Annuaire général et international de la photographie, Librairie Plon, Paris, 1907, pp. 363-392. Republicado em La Revue du cinéma n.º 4, 15 de outubro de 1929, pp. 21-31. Traduzido por Matheus Cartaxo. Revisado por Valeska G. Silva e André Barcellos) |
2016/2021 – Foco |