GRANDEZA E SOLIDÃO DE UMA ECONOMIA CINEMATOGRÁFICA:
Para Debra Paget e Arlene Dahl
Para Edward Ludwig
Allan Dwan é talvez o único cineasta a ter conseguido, com certa constância e força, aliar as restrições econômicas e temporais e a escolha limitada de décors e de atores a uma exuberância formal e estética tão grande; o único a ter conseguido regularmente (diferentemente das errâncias de um Edgar G. Ulmer, por exemplo) transformar em motor da criação os substratos que devem muito ao acaso e à chance, à falta de meios e ao pragmatismo (da produção como da realização).
Por que, em um fim de carreira suntuoso e tocante, privilegiar Homens indomáveis? Dwan realizou filmes com ainda menos meios (Guerreiros em luta [The Restless Breed, 1957]) ou ainda mais aspereza (O último milagre [Angel in Exile, codireção Philip Ford, 1948]), mais sensuais (O poder do ódio [Slightly Scarlet, 1956], com Rhonda Fleming e Arlene Dahl) e mais cruéis (Matar para viver [The River’s Edge, 1957]), divertidos (A audácia é a minha lei [Tennessee’s Partner, 1955]) ou trágicos e crepusculares (O mais perigoso dos homens [Most Dangerous Man Alive, 1958-1961]), filmes cuja interpretação é unificada pela mesma graça (Matar para viver, com Debra Paget, Anthony Quinn e Ray Milland), pela heterogeneidade (O maior ódio de um homem [Enchanted Island, 1957-1958], com Dana Andrews e Jane Powell) ou ainda dominada por uma figura forte (Barbara Stanwyck em Montana, terra do ódio [Cattle Queen of Montana, 1954]). Por que então privilegiar Homens indomáveis? Por razões ao mesmo tempo históricas e estéticas: trata-se da primeira colaboração de Dwan com uma equipe à qual permanecerá fiel e que dará nascença às futuras obras-primas, as quais se tornaram credenciais para cinéfilos (de Jacques Lourcelles ou Simon Mizrahi a Jean-Claude Biette...), que são A audácia é a minha lei ou Montana, terra do ódio. Esta equipe reúne o produtor Benedict Bogeaus, o fotógrafo John Alton, o decorador Van Nest Polglase e o compositor Louis Forbes. Além disso, Homens indomáveis concentra muito nitidamente a beleza e a amplitude desse gesto próprio à série B. Limitá-lo, portanto, a um modo menor, sob o pretexto da falta de meios, é falso e esquemático. Em um pequeno espaço e com uma grande ambição, ele propicia, ao contrário, questões essenciais de ordem ao mesmo tempo política, estética e existencial.
Dwan consegue transfigurar os elementos de base (personagens, cores, afetos) para sublimá-los, articulando a qualquer custo, sobre um plano formal, um tema muito amplo com a pobreza do material e, sobre um plano ontológico, a lei com o desejo. O que é que funda a autoridade da lei, como estabelecê-la, como impedir que ela seja subvertida desde o seu interior e como se defender dela? Como viver em uma sociedade que finge aceitar o indivíduo para em seguida melhor rejeitá-lo? Como viver com uma mulher, como respeitá-la e ser respeitado, como olhá-la e como tocá-la? Como representar essas questões em uma economia restritiva (de gênero, de orçamento), com um casting heteróclito, pouco dinheiro, pouco tempo? A essas interrogações, que regem todos esses filmes de uma maneira ou de outra (algumas vezes uma aparece mais estimulada que a outra: a política aparece pouco em Matar para viver, o afeto é tratado de um modo menos lírico em Iwo Jima – O portal da glória [Sands of Iwo Jima, 1949]), Homens indomáveis oferece precisões exemplares e brilha como um emblema na filmografia de Dwan; foi, aliás, esse filme que Martin Scorsese escolheu em Uma viagem pessoal pelo cinema americano (A Personal Journey with Martin Scorsese Through American Movies, 1994-1995) para ilustrar a arte de Dwan e as façanhas da série B (com os filmes de Boetticher), celebrando esta estética do contrabando.
A série B como gesto político
O delegado McCarty (Dan Duryea) vem a Silver Lode no dia da festa de independência prender Ballard (John Payne): ele o acusa de ter matado seu irmão durante uma partida de pôquer e de ter-lhe roubado uma quantia em dinheiro. Ballard, que refez a sua vida e estava prestes a se casar, deverá contar apenas consigo, bem como com duas mulheres benevolentes, para se defender contra o delegado. Esta prisão oculta uma vingança, McCarty utilizou a mediocridade dos habitantes e subverteu o substrato democrático.
Em Homens indomáveis, o afrontamento entre o bom e o bandido se coloca imediatamente sobre um terreno político: com a festa do 4 de julho, que indica a natureza alegórica da narrativa, e o nome da personagem que orienta a vontade polêmica e partidária. O vilarejo simboliza evidentemente o Estado americano contaminado pela fúria macartista. Isso permite a Dwan analisar a disfunção da sociedade democrática e desmontar cada uma de suas engrenagens. Realçam-se três contradições que se referem primeiramente aos dois protagonistas, em seguida aos comportamentos dos cidadãos, e enfim à essência da lei.
A primeira contradição define a natureza da oposição entre as duas personagens masculinas, Ballard e McCarty. O combate entre o bem e o mal é complexo: em Matar ou morrer (High Noon, Fred Zinnemann, 1952), enquanto os aldeões são tomados pela covardia, o representante da lei está sozinho para instalar a ordem. Aqui, o símbolo maléfico não está situado fora das esferas da lei: ele as absorve. Ballard, instalado em Silver Lode há apenas dois anos, possui na cena inicial a confiança dos cidadãos que falta ao segundo, estrangeiro na região. A situação se inverte muito rapidamente: se McCarty encarna a legitimidade da lei, Ballard é pouco a pouco descrito como um indivíduo sem passado, nem memória, nem raízes. A zona de sombra que recobre sua história se expande, inquietante e misteriosa aos olhos dos habitantes. O comitê de defesa, constituído muito cedo, é assim, quase desde a origem, desintegrado. As acusações de calúnia desaparecem em prol de uma dúvida tenaz: Ballard, inocente a priori no início do filme graças ao seu pertencimento à comunidade, se tornará culpado a priori quando este laço perde sua força.
A segunda contradição altera o comportamento dos cidadãos. Fritz Lang havia mostrado em Fúria (Fury, 1936) como uma opinião pública, contaminada pela raiva, torna-se uma máquina assassina, inteiramente governada por suas pulsões. Dwan insiste menos sobre a pulsão de morte do que sobre o mecanismo da infecção, sobre a transmissão da dúvida como um vírus que dilacera as aparências e os ritos sociais, revelando a servidão das almas. O outro já não tem mais que ser domado: a conservação da ordem comunitária passa pela destruição de tudo que possa emperrar o seu funcionamento e desfazer as hierarquias que ela construiu. O que importa ao cineasta é menos a mediocridade (opção Duvivier) ou as fúrias reprimidas (opção Lang) do que o instante de vacilação no qual os homens se descobrem, deixando o herói totalmente sozinho.
A terceira contradição não afeta nem os protagonistas, nem os cidadãos, mas as regras que unem os homens entre si. Dwan descreve como um único indivíduo confisca a vontade geral para exprimir interesses particulares: o desaparecimento do interesse geral transforma uma construção democrática em fundamento de um governo despótico e ilegítimo, arruinando os princípios que haviam sido instituídos, como atesta a oposição cruel entre o discurso da criança que proclama com uma voz mecânica a força do cimento nacional, e as ações reais dos habitantes que o filme explicita em seguida. Dwan toma nota do defeito dos poderes e dos contrapoderes (governante, advogado, juiz, proprietários) que deveriam sustentar as vontades republicanas. Esta ambiguidade se reflete também, e sobretudo, na interpretação de textos que estabelecem a lei: ao lado do direito frequentemente evocado figura a Bíblia, que irriga a obra em momentos-chave. À chegada de McCarty, o pastor se refere à parábola bem conhecida segundo a qual aquele que é golpeado na face direita deve oferecer a face esquerda; o delegado lhe retruca citando a lei de talião: o texto permite duas condutas morais possíveis, que o filme opõe ao invés de mostrar os pontos de inflexão ou os pontos de tangência. Pior: a advertência da igreja do mandamento “Não matarás” é vã, não protegendo nem do assassinato, nem da falsificação dos fatos que McCarty pratica.
Essas três antinomias suscitam o regime alegórico de uma obra que se insere no gênero western apenas para melhor propor uma modelação heurística das derivas da democracia americana no tempo do macartismo e denunciar a traição do ideal americano por suas próprias instituições e seus próprios representantes. O gênio de Dwan é ter sabido se servir das próprias limitações impostas ao filme (tanto no nível dos meios como dos códigos) para acentuar a concisão e a secura de modo alegórico, catalisando a eficácia da demonstração, colocando em tensão os códigos formais, inventando diversos achados estéticos.
Economias estéticas, estética da economia
Dwan soube efetivamente reutilizar as limitações orçamentárias a seu favor. A lógica imposta pela produção serve maravilhosamente a uma estética da contenção, tanto de um ponto de vista narrativo quanto formal. O cineasta reforça a tensão dramática criada pela prisão arbitrária de um homem, a traição dos cidadãos que deveriam defendê-lo e as instituições democráticas, desrespeitadas, que deveriam salvá-lo. Esta eficácia formal enxuga ainda mais a narrativa, exprimindo-se em três domínios distintos: o tempo, concentrado; o espaço, entre saturação e isolamento; o plano, sempre surpreendente, com variações e múltiplas invenções.
Como aliar a necessidade de um tempo de filmagem limitado a uma condução da narrativa que não tem o direito de se retardar? Como converter essas limitações em princípios estéticos? Por um lado, Dwan estabelece um clima trágico, fundado sobre a regra das três unidades (tempo, espaço, ação), aqui quase respeitada. Ballard, que tem efetivamente apenas duas horas para provar sua inocência, deve se precipitar de um ponto da cidade a outro, explorando cada um dos seus lugares estratégicos: igreja, tribunal, saloon, posto de telégrafo, grande fazenda ligeiramente distante. É menos a disposição desses lugares entre eles que sua varredura sistemática o que importa, desenhando uma topografia do poder e da autoridade. Por outro lado, esta rapidez reincide sobre o vigor da narrativa, que dispõe informações em uma cena, em uma frase. A televisão em O poder do ódio ou o jornal em O mais perigoso dos homens conseguem ocasionar uma continuidade da ação: eles reduzem certos planos ao estrito mínimo narrativo e aceleram a velocidade da exposição; aqui é o rumor e a polifonia dos aldeões que instalam esta rapidez. As visitas se sucedem abruptamente (primeiro ao juiz, depois do juiz a Ballard), as cenas são reduzidas ao mínimo, comportam apenas a informação necessária à condução da narrativa com uma grande secura formal (no telegrafista, três planos, dois eixos, com redução do campo na segunda vez para transformar a discussão em uma luta verbal entre Ballard e McCarty). Mesmo o dinheiro participa neste engendramento de fluxo: falar é comprar; não é tanto uma crítica da economia quanto um meio de despir a ação de seus ouropéis.
Esta redução do tempo é acompanhada de um jogo sutil sobre o espaço, que oscila entre dois postulados opostos, a saturação e o isolamento: eles liberam uma respiração no coração do filme que lhe permite alternar cenas intimistas e cenas de multidões, furor público e tormentos privados, raiva e sensibilidade. Assim, graças aos figurantes, Allan Dwan chega a criar uma falsa impressão de transbordamento. Trata-se aqui de utilizá-los o mínimo possível. Com efeito, eles custam caro. O cineasta só pode empregá-los em pequeno número e deve reutilizá-los: Dwan deve igualmente fazê-lo de modo com que o espectador não possa reter os rostos dos figurantes. Além disso, a direção de uma multidão demanda muito tempo e paciência. O cineasta deve dissimular essas limitações ao mesmo tempo em que cria um sentimento de transbordamento e de excesso. Durante a abertura, enquanto os quatro estranhos cavaleiros[1] desfilam diante de algumas mulheres e depois diante de um grupo de homens, a multidão parece forçar o quadro a se expandir, a se dilatar, criando uma impressão de estreiteza e de exiguidade. Ela participa de um movimento de amplificação que compreende o filme. Os pontos de vista são sutilmente modulados, a tonalidade das vozes é rearranjada, os rumores então se propagam, progredindo, se emancipando das bocas de onde eles irrompem. No celeiro, por exemplo, três personagens desconhecidas defendem diante de Ballard três ideias diferentes (o massacre, a confiança, o apoio). Um discurso, que representa exatamente o que é por essência uma opinião pública, começa a se proliferar, sem ancoragem determinada (os corpos dos atores), e sua diversidade conta mais que seu bom fundamento ou sua pertinência. A um grupo composto por indivíduos anônimos, Dwan opõe cenas com duas ou três personagens, em tons dramáticos, melodramáticos ou trágicos, como aquelas que reúnem Rose e Ballard, ou os mesmos dois e o pai de Rose. Entre o pai, a filha e o futuro marido, Dwan privilegia uma construção geométrica que prefigura os triângulos de O poder do ódio (entre Ted de Corsia, John Payne e Arlene Dahl ou entre Payne, Dahl e Fleming). Ela chega a apurar o plano, local de cruzamento de linhas ideais. A tonalidade, no entanto, é particularmente áspera durante as interações entre John Payne e Dan Duryea. Esta alternância entre planos calcados sobre princípios opostos cria uma diástole e uma sístole, arejamento e asfixia, facilitando a imersão do espectador no filme. Mas as limitações econômicas não afetam apenas a representação espacial e temporal; elas excitam a própria imaginação do cineasta, compelindo-o a invenções figurativas, tão precisas quanto poéticas.
Os achados tiram leite de pedra. As mudanças de escala participam disso: do close ajustado aos afetos das personagens ao plano americano no qual Ballard se torna invisível, da dimensão de um ponto, única figura geométrica que lhe assegura a paz; as luzes são submetidas a uma discreta bipartição entre os espaços mergulhados na escuridão, privados e benevolentes, e os lugares claros, públicos e maliciosos, que o colocam à mercê do castigo popular; os movimentos de câmera são induzidos pelo movimento da fuga, como atesta o famoso travelling lateral que segue Ballard detrás das fachadas das casas, reinventando os lugares, como o quarto da prostituta, revelando por uma panorâmica de baixo para cima e um contre-plongée o esconderijo em cima do armário. Acrescenta-se uma direção apropriada dos atores, que reforça suas características de interpretação para sublimá-las: John Payne, o corpo duro como granito, mineral, um pouco menos ambíguo que nos outros filmes de Dwan, faz de seu rosto uma zona opaca e inexpressiva; Dan Duryea exagera o papel de imundo, todos os seus sentimentos se leem imediatamente nos seus olhos (o que as crianças percebem desde a cena liminar), como em um filme mudo. Todos os dois dão assim corpo a personagens alegóricas, facilitando ao máximo uma leitura política do filme. O achado mais estranho tem lugar na segunda parte do filme: McCarty inspeciona o apartamento da prostituta sob o refrão de uma caixa de música. Os sons são abafados e contrastam curiosamente com os arranjos de Louis Forbes, instalando uma pequena fissura que reforça o clima opressor. A violência, mesmo o estupro, circundam tanto que o diálogo entre o homem e a mulher vibra de uma atmosfera sexual; talvez mesmo, por que não, George Romero tenha se lembrado disso no início de A noite dos mortos-vivos (Night of the Living Dead, 1968), já que os zumbis começam a atacar apenas quando uma pequena caixa de música para de tocar. O mais notável sem dúvida não reside, entretanto, na maneira (única) com a qual Dwan reutiliza essas limitações sem as perverter, para enobrecê-las. Dwan se submete sempre à lei do gênero como seus heróis respeitam a lei do estado: assim, em A audácia é a minha lei, mesmo em uma população possuída pela febre do ouro, a Duquesa (Fleming) deseja que Tennessee (Payne) se renda ao xerife. O notável reside antes na orquestração dessas figuras com uma temática muito pessoal, servida pela política sem se dissolver, transfigurada pela estética sem se limitar a um simples jogo formalista.
Exuberância da solidão
Os filmes de Dwan possuem todos uma esfera de ação iniciática, tomando sua estrutura menos do sonho (à exceção talvez de O poder do ódio) que do conto, com sua morfologia clássica, combinando seu par de adjuvantes a um cortejo de oponentes, uma encarnação legítima da lei aos que a transgridem, os ferimentos às vitórias. Se o contexto ideológico aqui é claro, Dwan, sejam quais forem as contingências políticas ou econômicas, conta incansavelmente a mesma história de reflexos lendários, a de um indivíduo solitário, excluído da comunidade ou não querendo nela se fundir, que deve combater para salvar e transfigurar sua solidão. É assim que os filmes narram frequentemente a união de dois solitários (o casamento de Payne e Fleming encerrando A audácia é a minha lei; aquele de Paget e Quinn iniciando Matar para viver). Mais que sua eficácia narrativa, é seu papel estrutural o que importa, permitindo, como notou Jacques Lourcelles, “tornar os espectadores iguais a crianças”[2]. A inocência perdida dos cidadãos dos filmes de Dwan, corrompidos pelo ódio aqui, perturbados pelo ouro em outros filmes, permite reinventar, paradoxalmente, a crença do espectador em filmes que não aspiram a nada senão a reencontrar um substrato mitológico. A pobreza dos meios permite criar as imagens mais sugestivas. Nesta deterioração ambiente, um alento renasce. No seio de formas narrativas e cinematográficas a priori menores, a ambição de uma narrativa fundadora e lendária ressuscita. As etapas de uma narrativa importam finalmente menos que a transformação do olhar do espectador, reconduzido à infância. As limitações econômicas permitem criar um universo abrupto e mineral: a precariedade orçamentária é transfigurada e permite inventar uma outra relação do espectador com a imagem, e afrouxar as correntes do roteiro.
A solidão do homem serve uma narrativa que se alimenta de heroísmo e de marginalidade. Ela enriquece uma forma cinematográfica contida até o sufocamento, que encontra uma ambiguidade no seio de um percurso que recusa ser edificante. Assim o herói de Guerreiros em luta “aos olhos das crianças passa por um arcanjo, aos olhos dos adultos por um salvador, e aos olhos dos representantes da lei por um desregrado e um dissidente”[3]. Esta descrição vale igualmente para Ballard. Com efeito, quem é ele e qual é o seu passado? É ele um fora-da-lei ou um arrependido, um de nossos semelhantes ou um de nossos inimigos? E quem é a personagem interpretada por Debra Paget em Matar para viver: uma prostituta, uma mentirosa ou uma mulher amorosa, aprisionada e se iludindo? Esta tensão permite mover a narrativa, que hipnotiza o espectador. A economia age como uma restrição (necessidade de concisão) e uma liberdade (todo espectador deve investir um mundo fabuloso e carnal escassamente suscitado pela narrativa): nos seus filmes Dwan sabe variar seu quadro, criar uma riqueza figurativa ao bel-prazer das inversões de situações, ao bel-prazer, sobretudo, das modulações de suas harmônicas. A solidão da personagem (que corresponde também a uma atitude estética e econômica) é indissociável da maneira com que Dwan anula as antecipações do espectador.
Para esses desencantados apesar de si mesmos, o encantamento tão procurado é fornecido pela personagem feminina junto à qual eles encontrarão refúgio e acolhimento. Os polos (antinômicos, contraditórios) que moldam a narrativa e a forma dos filmes de Dwan se encontram até na motivação das personagens femininas, frequentemente ligadas ao seio de um par dissonante: em Homens indomáveis encontramos a garota de boa família e a prostituta, em O poder do ódio a mulher respeitável e sua irmã neurótica e ninfomaníaca.
Ou é graças a essas mulheres que o herói (como aqui) é vencedor, ou são elas que agem, magnetizando a intriga e cristalizando os pontos nodais da narrativa (exemplarmente em O poder do ódio). Elas representam um desafio para dois homens que em tudo se opõem[4] e fascinam o olhar do cineasta, que as valoriza constantemente, tanto as dirigindo como sabendo exaltar sua plástica soberba[5]. Muito longe de serem exclusivamente objetos passivos de adoração, elas provocam a violência daqueles que elas excitam involuntariamente. Socos, humilhações discretas, tentativas de estupros (aqui, contra a prostituta em seu quarto): o catálogo das violências perpetradas contra as mulheres testemunha um misto de fascinação erótica com gestos de dominação e de submissão. A mulher concentra de fato uma questão estética maior: graças ao seu corpo, e na narração, ela dá parte ao insaciável, ela cria o desejo e organiza as saliências da narrativa. É por ela que se elabora uma imagem e que um filme se ergue.
Que descendência atribuir aos filmes de Allan Dwan? Ela existe realmente? Parece-me que a única real se refugia nos filmes de Monte Hellman. Mais que os filmes de Budd Boetticher (e em particular O homem que luta só [Ride Lonesome, 1959], e O rei dos facínoras [The Rise and Fall of Legs Diamond, 1960]), que a presença de Warren Oates evoca ligeiramente, O tiro certo (The Shooting, 1965-1966) ou A vingança de um pistoleiro (Ride in the Whirlwind, 1965-1966) se inscrevem na linha política de Homens indomáveis, abrupta e metafísica de Guerreiros em luta. Jean-Claude Biette, há seis anos, durante uma sessão da revista Trafic no centro de artes Jeu de Paume, ligou, de modo surpreendente, mas merecidamente, ao que me parece, Iguana – A fera do mar (Iguana, 1988), o último filme até aqui de Monte Hellman[6], a O mais perigoso dos homens. Nesse filme, o mais desesperado de Dwan, a jornada do herói, fantástica e monstruosa, anuncia o fim de um modo de produção, ilha formal e artesanal no meio de Hollywood, inundado pela chegada da televisão que se apropria do ritmo, das estruturas narrativas e das exigências econômicas daquilo que foi chamado série B. As telas são onipresentes, aproximando as figuras de sua extinção definitiva. Em Iguana a personagem que uma queimadura no rosto tornou estranha à humanidade procura os traços de alteridade em um mundo contaminado pela crueldade, o mal e o estupro (única relação com a mulher possível). Este itinerário, que evoca a construção de um mito invertido, melancólico e sem esperança, aproxima esses dois filmes crepusculares. Hellman desintegra o esquema narrativo, mantendo apenas as trajetórias irredutíveis à psicologia (próximas nesse sentido às personagens de Samuel Beckett), e segue a personagem principal nas suas errâncias, na sua corrida para a morte. De maneira tão monstruosa e dilacerante como o rosto sáurio de sua criatura (interpretada por Everett McGill), Iguana faz a junção entre os filmes de Allan Dwan e os de Michelangelo Antonioni.
Notas:
[1] Referência ao título francês do filme, Quatre étranges cavaliers. [N.T.]
[2] Dictionnaire du cinéma: Les films, Paris: Laffont, 1992, p. 58.
[3] Id, p. 1260.
[4] Ted de Corsia e John Payne em O poder do ódio, Ray Milland e Anthony Quinn em Matar para viver, o gângster e o monstro em O mais perigoso dos homens.
[5] Não havia à época atrizes mais atraentes que Debra Paget e Arlene Dahl, tão voluptuosas quanto Rhonda Fleming ou Jane Russell, mais determinadas que Barbara Stanwyck.
[6] Se colocamos de lado o indigno Noite do silêncio (Silent Night, Deadly Night III: Better Watch Out!, 1989).
(La voix du regard n.º 14, outono de 2001. Traduzido por André Barcellos) |
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