VIKINGS, OS CONQUISTADORES
por José María Palá





Em relação aos filmes anteriores, Vikings, os conquistadores é precisamente o maior passo na evolução de Fleischer. Na linguagem de números da última página de Film Ideal, é cronologicamente seu primeiro cinco estrelas, que será seguido pelas de Fama a qualquer preço e Estranha compulsão. Mas existe um perigo ao se assistir a Vikings, os conquistadores e chegar a apreciá-lo plenamente, que é o seu enorme envoltório exterior. Envoltório que vemos nos artifícios técnicos depuradíssimos, no roteiro muito bonito e eloquente, na estruturação sinfônica das cenas (não me refiro aos grandes instantes musicais) dentro do filme, num conjunto de mitos como os da “besta” do viking Kirk Douglas, do filme mais lindamente cruel da história do cinema, da lenda poética... Um exemplo: a bruxa Kitala diz a Tony Curtis que em seu futuro há uma mulher; Tony Curtis levanta-se e se apoia em um tronco, olhando para o infinito. Ele ocupa a direita da tela. Mudança de plano: Janet Leigh olhando para o infinito, localizada à esquerda. A música entoa continuamente, pela primeira vez no filme, a melodia do tema atribuído a Tony Curtis e Janet Leigh.

Mas há duas coisas que não escapam nem em uma primeira visão: 1) A descoberta contínua de que é o filme de alguns ambientes, alguns climas, uma geografia, algumas civilizações, algumas manobras navais, algumas cerimônias, uma vegetação, alguns costumes, alguns ares. Tanto é assim que qualquer pessoa que tenha visto Vikings, os conquistadores uma vez em sua vida não poderá pensar, falar, escrever ou filmar nada sobre os navegantes bárbaros da Idade Média sem basear-se em Fleischer ou ser sempre influenciado por ele, consciente ou inconscientemente. É um calafrio contínuo, tudo o que vejo é pela primeira vez, e é vital para mim.

O primeiro amanhecer ensolarado com o navio viking aproximando-se da costa. Lord Egbert de pé no meio da popa com os braços cruzados. O amainar da vela e um homem que desce com ela. O movimento simultâneo de baixar os remos. Os remos tocando a água pela primeira vez, todos ao mesmo tempo, muito agilmente. O barco em movimento, o céu, o mar e as montanhas. Tudo pela primeira vez. O contato brilhante dos remos com a água é uma revelação, há uma alma nisso. Nunca um simples movimento e choque de duas matérias inanimadas se revelou de maneira tão profunda e ampla. Porque parece uma passagem de tempo ilustrando algo (penso no que seria um documentário convencional com uma voz off sobre os vikings) de forma mais ou menos bonita, e o transcorrer do tempo nesses impulsos e colisões com a água não é assimilável a nada estabelecido. Em cada um dos seus instantes, Vikings, os conquistadores é o mais completo dos testemunhos já filmados.

2) O CinemaScope. Uma visão superior de tudo que a câmera capta, de modo que as pessoas, seus olhares, seus gestos, seus movimentos etc., aparecem com uma nudez maior, são mais verdadeiros. Antes se falava de uma câmera no seu lugar exato; aqui se supera toda noção de precisão. A câmera é onipresente; está à frente, atrás e sobre todas as coisas. É uma espécie de majestade. Algo muito difícil de explicar se não com alguns exemplos: Tempestade sobre Washington (Advise & Consent, Otto Preminger, 1962) e Exodus (Otto Preminger, 1960), Meu pecado foi nascer (Band of Angels, Raoul Walsh, 1957) e Esther e o rei (Esther and the King/Ester e il re, Raoul Walsh, 1960), momentos constantes em King Vidor mesmo sem a tela larga; constitui o mais interessante de A cidade dos desiludidos (Two Weeks in Another Town, Vincente Minnelli, 1962) e Eva 63 (Pedro Lazaga, 1963). Mas onde o vemos melhor é comparando Vikings, os conquistadores, Fama a qualquer preço ou Estranha compulsão aos Fleischer anteriores. Em Entre o Céu e o Inferno está no plano que há durante os títulos de crédito, no desembarque, na aparência dos soldados americanos em silêncio saindo dos canaviais, na destruição do posto de tiro, na descida de Robert Wagner para o acampamento. Em Vikings, os conquistadores, o momento mais físico é o plano em que os vikings começam a se mover em solo inglês, entre árvores de um prado ondulante, fazendo o sol brilhar nos escudos dos soldados mais à frente. Está na luz, nos atores, nos objetos, na planificação, na grama, nos sons, na colocação da câmera, nos contatos das matérias, em tudo.


* * *


Vikings, os conquistadores supõe o alcance de uma plenitude de Fleischer em relação aos atores. Não me refiro a Kirk Douglas, ator de falsa carga interior, de falsos sentimentos secretos, de quem apenas conta para mim o baile dos remos e o primeiro sorriso com cara de besta ao sair ao ar livre, ver a entrada do barco de seu pai no fiorde e gritar: “Ragnar!”. Refiro-me aos olhares tensos da esposa adúltera para Douglas quando ele vai lançar os machados da prova, enquanto em outros momentos seus gestos eram flácidos.

Estou me referindo acima de tudo a Janet Leigh. Richard Fleischer é um inteligente diretor de atores. Sabe conhecer melhor do que ninguém os segredos de suas presenças e seus impulsos físicos mais íntimos; os gestos convencionais lhe importam pouco. Chamo de inteligência o que demonstra o plano de Fama a qualquer preço, em que o rosto de Royal Dano revela um forte estremecimento diante da armadilha imposta a Don Murray na corrida de cavalos. Ou o que demonstra o momento de Barrabás em que percebemos a energia e a fraqueza dos impulsos de Jack Palance, que ridiculariza Anthony Quinn e seu manejo desajeitado das armas de gladiador. Hitchcock em Psicose (Psycho, 1960) não se deu conta do que era Janet Leigh e a dirigiu e planificou como se fosse Cary Grant ou James Stewart. Assassinato. Orson Welles em A marca da maldade (Touch of Evil, 1957-1958) mostrou inteligência, mas ele acreditava que havia coisas mais importantes e dedicou-se a cortar arbitrariamente a vida da personagem de Janet.

Como acontecia com Robert Wagner ou com Joan Collins, o que Fleischer busca nos momentos de plenitude é uma dilatação incoerente de um gesto instantâneo, de um gesto ou um olhar que, geralmente, não é mais que uma transição a outro. Algo novo emerge que perfura a tela. Neste intervalo prolongado, qualquer movimento é distinto. A inteligência de Fleischer reside no seu conhecimento dos recursos físicos do ator e em saber como descobri-lo sem preconceitos. A cabeça de Janet Leigh vira-se para o lado, com um olhar absolutamente petrificado, nas cenas em que se obstina em não opor resistência a Kirk Douglas. O tempo não passa. Kirk Douglas pressiona freneticamente seus lábios nos lábios mortos e deformáveis de Janet Leigh. Janet Leigh luta e morde – no início – com a fúria de uma menina mimada. Grita quando Tony Curtis rasga seu vestido desde a nuca para que possa remar. Usa um lenço na cabeça. O lenço cai da sua cabeça. Apoia-se num bloco de pedra durante a luta final.

Na enseada, a meio da viagem. Tony Curtis desce por entre umas árvores até a margem. Ali está sentada Janet Leigh. Ele é muito maior do que ela; ela olha, penteia o cabelo, assume uma outra compostura. Tony Curtis começa a falar com ela, ela se reclina para trás, descansando uma mão no chão; a câmera avança (olhando-a frontalmente), ela se entrega totalmente e descansa a cabeça no chão. Sucedeu-se.


J. M. P.




(Film Ideal n.º 139, Madri, Espanha, 1.º de março de 1964, pp. 170-171. Traduzido por Valeska G. Silva)

 

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