NEGÓCIOS E PRAZER
O BANDIDO (Bandido). 1956. United Artists (92 minutos). Produção: Robert L. Jacks para D.R.M. Productions/Robert L. Jacks Productions. Argumento e roteiro: Earl Felton. Fotografia: Ernest Laszlo (CinemaScope, DeLuxe). Música: Max Steiner. Cenografia: Jack Martin Smith (a.d.), Ramón Rodríguez (a.d.: México). Montagem: Robert Golden. Elenco: Robert Mitchum (Wilson), Ursula Thiess (Lisa Kennedy), Gilbert Roland (coronel José Escobar), Zachary Scott (Kennedy), Rodolfo Acosta (Sebastian), José Torvay (Gonzalez), Henry Brandon (Gunther), Douglas Fowley (McGhee).
No mesmo ano de 1956 em que rodou Entre o Céu e o Inferno, seu primeiro filme de guerra – o segundo e último será um projeto malogrado de Akira Kurosawa e finalmente estreado em 1970, Tora! Tora! Tora! –, Richard Fleischer filmou O bandido, uma aventura mexicana em tempos de Revolução, de reputação geral nula e parca estima entre os defensores do seu cinema.
Pouco e mal visto (levou muitos anos até aparecer no seu formato original, e ainda circulam várias cópias de exibições televisivas mutiladas e com as cores alteradas), penso que também foi decisivo para explicar sua baixa estima a falta de comédias ilustres na filmografia de Fleischer (fora o muito interessante O amor, sempre o amor, pouco brilho tem a peculiar O fantástico Dr. Dolittle, e menos ainda O mistério de quatro milhões de dólares) e a preferência do seu autor, mesmo no cinema de ação, por filmes com um componente predominantemente dramático e bastante denso. Em todo caso, costuma-se passar ao largo deste aqui, seu filme mais divertido, que acaba categorizado quase sempre como um “veículo” a serviço de um ator como Robert Mitchum, certamente ideal para o filme, porque parecia, pelo menos desde 1944 e até mesmo em suas interpretações mais dramáticas, tão relaxado em relação ao destino que lhe viesse, como no caso deste gringo malandro de camisas brancas e granadas de mão como bagagem.
Qualquer olhar que não seja severo sobre acontecimentos históricos ganha de antemão o adjetivo de “pouco rigoroso”, e o caso é ainda pior quando se trata de uma guerra – e ainda mais de uma guerra civil, como acontece aqui. No entanto, bastaria olhar um mapa ou um livro que narra como se deu essa disputa, fixar-se no respeitoso tratamento dos idiomas ou simplesmente na forma como a câmera desde o primeiro travelling anuncia uma história à contracorrente da “lógica” dos tempos que corriam – é a primeira de muitas cenas em que qualquer ação das personagens principais se opõe fisicamente ao sentido no qual fluem as ações dos coadjuvantes – para reconsiderar a ideia de se qualificar como frívola e inverossímil a coreografia concebida por Fleischer para acompanhar as peripécias desse mexeriqueiro convertido em reticente e casual ícone do povo.
Superada essa ressalva típica, pode-se desfrutar da beleza deste Scope exemplar, um desses filmes que deveriam ter sido uma referência para os espectadores que já naqueles anos viam proliferar as sofisticadas reelaborações dos heróis do cinema clássico, os quais costumavam ser muito frequentemente, e é bom lembrar disso, personagens que podiam ganhar ou perder tudo em meio a uma confusão de mil demônios, e que estariam melhor fazendo nada; um punhado de princípios errantes opostos aos acontecimentos que mudavam suas sortes, com missões que lhes confeririam uma personalidade, com ânsias de glória na cabeça, e não super-homens com etapas a cumprir.
Wilson (Mitchum), apelidado de “Alacrán” (escorpião) por um bando de guerrilheiros bêbados capitaneados por Escobar (um magnífico Gilbert Roland), é basicamente um ingênuo, como tantas personagens do filme noir (incluindo Lemmy Caution) ou de aventuras – os quais, embora não sejam autênticos herdeiros, são sem dúvida alguma filhos de um espírito que se arraiga no cinema mudo, na época em que um protagonista não podia evitar ser digno e justo, ainda que quisesse parecer indolente.
Fleischer o faz caminhar por entre bombas e desprezar o perigo com um saco de dólares por cabeça, para assim ir perfilando vários pequenos gestos nos quais parecerá um “iluminado”, uma boa encarnação daquelas palavras que um bom conhecedor destas plagas, o escritor D. H. Lawrence, escreveu uma vez no poema A Sane Revolution. Para isso, é vital que Fleischer nunca o converta em um monopolizador do que está acontecendo, ainda que esteja várias vezes prestes a se tornar secundário e até mesmo na próxima vítima natural da sua própria inconsciência.
Não é de se estranhar, portanto, que ele caia de amores pela duvidosa Lisa (Ursula Thiess), e que a mise en scène enfatize a oportunidade dele parar definitivamente de buscar missões em circunstâncias impossíveis e não o romance que surge entre ambos – o que reforça o caráter de sua personagem ao invés de enfraquecê-lo, uma vez que o romance não serve como um álibi para que o seu idealismo brote colateralmente, suscitado por sentimentos novos ou esquecidos. Um herói é um vagabundo e ele quer voltar para casa.
Uma posição corporal sua, pouco antes do final, remete a tantos protagonistas de Ford, King ou Borzage, encurvados sobre sua própria vitória, sabendo que chegaram ao início e não ao final.
Fleischer nunca esteve tão perto de Raoul Walsh como em O bandido, tão suave e elegante em sua execução como fulminante em seus impulsos, um bom contraste com aquelas obras mais “irrepreensíveis” mas igualmente magistrais que são Sábado violento, Fama a qualquer preço ou Os novos centuriões, ou ainda com o exultante Vikings, os conquistadores, que é talvez o que melhor conjugue tudo o que foi capaz de dar.
(Traduzido por Valeska G. Silva)
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