BODA BRANCA
por Jean Collet


(Noce blanche). 1989. Les Films du Losange/La Sorcière Rouge/La Sept Cinéma/Sofica Investimage - Investimage 2/Centre National de la Cinématographie (92 minutos). Produção: Margaret Ménégoz. Roteiro: Jean-Claude Brisseau. Fotografia: Romain Winding (Eastmancolor). Som: Georges Prat, Dominique Hennequin. Música original: Jean Musy. Cenografia: Maria-Luisa Garcia. Montagem: Maria-Luisa Garcia. Elenco: Vanessa Paradis (Mathilde Tessier), Bruno Cremer (François Hainaut), Ludmila Mikaël (Catherine Hainaut), François Négret (Carpentier), Jean Dasté (o porteiro), Véronique Silver (a orientadora pedagógica), Benoît Muracciole, Arnaud Goujon, Pierre Gabaston, Philippe Tuin (não especificados).

Uma escola de província. François Hainaut, cinqüenta anos, dá sua aula de filosofia sobre “o inconsciente”. François é Bruno Cremer. Nesse dia Mathilde, dezessete anos, chega atrasada, sem desculpas após já contar com uma ausência. Mathilde é Vanessa Paradis. François a expulsa pela porta. Depois da aula, voltando para casa de carro, ele percebe uma aglomeração sobre a calçada e reconhece Mathilde, desmaiada sem consciência. Ele a leva para a casa dela, descobre que ela vive só. Pais separados; pai psiquiatra em Paris, enquanto sua mãe tenta refazer a vida após duas tentativas de suicídio. Nós nunca os veremos.

François Hainaut é casado. Sua esposa, Catherine, trabalha numa livraria e é bela. É Ludmila Mikaël. Eles moram numa bela casa no campo. François escreveu um livro sobre “a mística de Simone Weil”.

O tema de Boda Branca poderia ser a ligação trágica de um professor com sua aluna. Nós nos lembramos do caso Russier que inspirou um filme de Cayatte. No entanto, se Boda Branca é uma grande obra, não é por causa de seu tema, contrariamente aos dois filmes anteriores de Brisseau (Um Jogo Brutal, O Som e a Fúria). Deixando de lado a pintura dos meios sociais desfavorecidos, a violência das periferias, ele vai direto àquilo que lhe é essencial desde que faz filmes: como o sofrimento extremo provoca o vazio em nós. Como, através do vazio, nós aprendemos a ver. É aqui que o cineasta se une a Simone Weil. O que é ver? Questão comum ao filósofo, ao místico e ao artista.

Ver, para o cineasta, é desembaraçar-se dos clichês. Em Boda Branca cada plano, cada gesto, cada réplica nos trazem abaixo pela evidência da verdade, por essa justeza fervilhante despida de todos os pesos da linguagem, por esse frescor que se chama “a graça”. Grande lição de cinema que ultrapassa o cinema, com certeza; nos ajuda a abrir os olhos, ao sair da sala, sobre um mundo que não podemos mais reduzir a explicações preguiçosas e ilusórias (as correntes sociais, psicológicas, morais e outras...).

Impossível, portanto, separar os personagens, a narrativa, do estilo de Brisseau: esse olhar desnudado, nítido, avesso a toda demagogia, toda complacência, movido por uma vontade de luz. Colocar sob a luz: o título já evoca essa busca pelo “branco”, abertura ao vazio, à imensidade e à harmonia secreta da criação (o branco, sabemos, “conjuga” a totalidade das cores).

Filme trágico, porém. Mathilde morrerá de amor. François, que lutou de todas as formas para evitar o naufrágio, encontra-se só, perdido como a garota no começo da história. Ela deixou uma última mensagem no muro do seu quarto: “O oceano, François. Há o oceano!”. O filme começava com uma tela uniformemente azul de onde emergia pouco a pouco, como fundo para os créditos, a paisagem, o céu e a cidade. Ao término da tragédia, François aparece, sozinho, numa praia imensa (pensamos no final de A Estrada da Vida, outra história de um amor perdido). O oceano, o espaço. Abrir os olhos sobre o vazio, o além, o que não tem nome[1]. O que é antes de qualquer explicação, e que nós podemos conhecer quando estamos doentes de amor, quando já não temos nada a perder. “Eu não tenho mais orgulho, mais nada...”, diz Mathilde, acompanhando sem o saber Simone Weil, que escrevia: “Deus espera como um mendigo que se coloca em pé, imóvel e silencioso, de frente a alguém que vai talvez lhe dar um pedaço de pão”.

Sim, que filme imenso, onde um ar muito rarefeito é respirado, a uma altitude onde tudo se clareia numa radiosa simplicidade, tão longe das trilhas esburacadas.

Nota:

[1] A mãe de Mathilde, perto de morrer, disse a ela: “É belo como um oceano imenso... Eu estava prestes a me juntar àquilo, era doce...”

(Études, novembro 1989, pp. 503-504. Traduzido por Matheus Cartaxo)

 

VOLTAR AO ÍNDICE

 

 

2014/2015 – Foco