MACHORKA-MUFF, Jean-Marie Straub & Danièle Huillet, 1963
por Jacques Rivette & Karlheinz Stockhausen


Este curta-metragem de 15 minutos, livremente inspirado em Heinrich Böll, realizado por um jovem francês exilado na Alemanha já há alguns anos, não seria simplesmente o primeiro (pequeno) filme de autor de toda a produção alemã do pós-guerra? A ambição do autor era filmar um “caráter” (no caso, de um ex-oficial superior nazista reencontrando o seu lugar, pouco a pouco, na sociedade adenaueriana), ou seja, mais que um retrato, a “descrição feita do exterior, do caráter de uma pessoa”; e para, junto com Jean-Marie Straub, seguir a citação (de Marmontel): “Quando se pinta uma espécie de homens, como o avarento, o ciumento, o hipócrita, o puritano, o frívolo, não se trata mais de um retrato, mas sim de um caráter; e é isto o que distingue a sátira...” Esta era a ambição de Straub, e ela se encontra aqui completamente concretizada, com uma densidade e um equilíbrio das relações internas que imediatamente solicitam metáforas musicais. É um músico, pois, que toma aqui a palavra: é, numa carta ao autor, Karlheinz Stockhausen, um dos três grandes, com Pierre Boulez e Luigi Nono, da música contemporânea. - Jacques Rivette

“Você sabe muito bem que escolheu o caminho difícil. Eis por que eu lhe escrevo: para que você saiba que realizou um bom trabalho. No domínio do espírito a abundância não conta, mas sim a verdade e a eficácia criativa.

“O assunto é tomado do nosso presente. Ele é verdadeiro, preciso, universalmente válido. Os que reclamam da extrema agudeza nada sabem da necessidade artística de aguçar uma idéia ao extremo a fim de que ela seja verdadeiramente tocante. Dê a esses resmungões alguns dramas gregos ou Shakespeare para lerem.

“O que mais me interessou no seu filme foi a composição de um tempo especificamente cinematográfico - como existe um tempo musical. Você alcançou as proporções certas para as durações entre as cenas em que os acontecimentos quase não contêm movimentos - como é espantoso, num filme de duração relativamente curta, a coragem de fazer pausas e tempos lentos! - e aquelas em que os acontecimentos são extremamente rápidos - é cintilante a escolha de trechos de jornais dispostos em todos os ângulos na verticalidade da tela. Além disso, a relativa densidade das mudanças nos tempos variados é justa... Deixar que cada elemento venha num momento insubstituível, que seria impensável suprimir; nenhum ornamento. ‘Tudo é essencial’, diria Webern nestes casos (mas com cada coisa no seu tempo, deveríamos acrescentar). Também aprecio a franqueza, a reflexão que se prolonga na cabeça do espectador, a renúncia a qualquer ato de abertura e o ato final. Eu ainda poderia afirmar muita coisa: nada de ‘pedagogia’, para-melhorar-o-mundo, iludindo, simbolizando, falsamente se-fosse-assim: você não sentiu necessidade disto e, ao invés, utilizou os fatos; não os de uma pálida reportagem, mas precisamente por essa agudeza, esse comportamento estranhamente fulgurante da câmera nas ruas, no hotel (muito bom o fato de vermos longamente as paredes vazias do quarto de hotel, de cuja nudez não podemos nos desprender), à janela... E também a condensação ‘irreal’ do tempo, sem que nunca se tenha pressa. É nesta cortante aresta entre a verdade, a concentração e a agudeza (que penetra e queima na percepção do real) que o progresso será possível. E só aqui. Nós sabemos muito bem que atualmente até mesmo a ilusão fragmentada não passa de ilusão. Você não quer ‘mudar’ o mundo, mas sim inscrever nele o traço de sua presença e através disto dizer que você viu, que você abriu uma parte desse mundo, pela forma como essa parte do mundo se apresentou a você. Isso me agradou.

“Espero com impaciência seu trabalho vindouro.”

Colônia, 2-5-63 - Karlheinz Stockhausen

(Cahiers du Cinéma n° 145, julho 1963, pp. 36. Traduzido por Antônio Rodrigues e Bruno Andrade)

 

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