NOTAS SOBRE LUC MOULLET
por Louis Skorecki


1. Se este texto é escrito na primeira pessoa, é que ele vem de um lugar muito particular onde vivo após quase vinte anos: fora do cinema, longe dele... o mais longe possível.
2. Havia um país onde vivi por muito tempo, um país que gosto de chamar “o país do cinema”, ele não existe mais para mim, eu acabei insensivelmente, e quase a despeito de mim, exilado.
3. Esse país não existe mais, mas certos habitantes seus - cineastas, espectadores - me enviam regularmente suas notícias. Sinceramente, não sei nem se eles me enviam qualquer coisa, mas essas notícias, eu as recebo.
4. Luc Moullet me escreve com frequência, mesmo que não o saiba.
5. No momento de terminar a terceira parte de um filme, Les cinéphiles, que eu havia começado há vinte anos atrás, em 1987, eu escrevi um pequeno artigo sobre Les sièges de l’Alcazar, que passou na televisão em uma das grades programadas pelo amigo Bruno Deloye. Eu havia me dado conta, e escrevi talvez imodestamente, mas não me importo, de que era, junto com Les cinéphiles 3, a única ficção que lidava de frente com a cinefilia, uma coisa besta e maravilhosa, idiota e aventurosa, que havia, sem que percebêssemos - com o auxílio onipotente da digitalização e do DVD -, passado por um embrutecimento mercantil.
6. Les sièges de l’Alcazar, como tantos outros filmes de Moullet - do longa-metragem repentino ao curta imprevisto -, comprova o gênio discreto e singular de um realizador estranho, o único cineasta desses últimos trinta anos (com Brisseau) digno da denominação de cineasta - que é uma denominação controlada. Quem a controla? Eu.
7. Não falo de autor, distinção sinistra que não possui mais sentido há muito tempo. Falo apenas de cineasta. Quase contemporâneo de Godard, Moullet vem como ele dos Cahiers du Cinéma. Como ele, Moullet também saiu da revista (mesmo escrevendo nos Cahiers de tempos em tempos, ele não faz mais parte da revista, nem fisicamente, nem intelectualmente, nem artisticamente). Sob seus ares de Tati (inabilidade dissimulada, ingenuidade calculada, gênio do plano), Moullet ousa ficções oblíquas, durações inéditas, gags que caçoam Keaton.
8. A propósito, o Alcazar é um cinema. Nele confrontam-se dois cinéfilos rivais, possivelmente apaixonados (com os cinéfilos não se sabe jamais). Jeanne faz parte da Positif, Guy faz parte dos Cahiers. Isso se passa em 1955, mas por comodidade, Moullet filma isso (é o presente da gravação) em 1989. À força de chegar ao essencial, à força da elipse, o filme não dura mais do que 52 minutos. Quem pode reclamar? Eu não.
9. O rapaz e a garota discutem por causa de Cottaffavi. Quem ainda discute por causa de Cottaffavi? Quem conhece Cottaffavi? Você sabia que o último longa-metragem de Moullet fala sobre a morte de Godard? Aquele que não ri está morto. Você, no fundo da sala, você não ri? Pan! Você está morto.
P.S. Eu falei pouco sobre aquilo que ainda se chama aqui e ali de “cinema”. Sejamos francos: tudo isso me cansa. Ainda tenho mais duas ou três coisas a dizer sobre esse E.T. maravilhoso chamado Luc Moullet. A um jovem cinéfilo que desejava saber mais sobre Moullet e que não tinha visto quase nada exceto Barres - ou as diferentes maneiras de burlar alegremente o Estado e a RATP -, eu respondi: “Tente ver sua trilogia pessoal (para não dizer ‘autobiográfica’, um termo que não cabe bem a Moullet), uma trilogia que não é realmente uma: Anatomie d’un rapport, Ma première brasse, Genèse d’un repas. Você verá, tudo é simplesmente sublime de humor, de simplicidade, de gênio tímido e deslocado... Ele também fez, em 26 minutos, a mais bela adaptação de Henry James (que vale a obra completa de James Ivory), Le fantôme de Longstaff, que peguei uma noite aleatoriamente em uma programação ‘surpresa’ da Canal Plus... Nem mesmo foi anunciada.” Eu me cito, é pretensioso, mas não posso fazer muito melhor do que isso.
P.S.2: Há uns bons trinta anos o jovem Moullet disse a um jovem jornalista que quando se deparava com um problema de narrativa (de mise en scène, diga-se, dentro do que esse termo possui de central e de incógnito), ele se perguntava o que Mizoguchi faria no seu lugar... e ele o fazia. Ele se inspirou bestamente, categoricamente, genialmente, nos conselhos indiretos, inesperados, do mais misterioso cineasta que pôs os pés sobre nossa terra de imagens e de sons. Eu pensei na época que ele exagerava, ou que se tratava de mais uma piada para distrair a galeria de bobos e idiotas. Hoje sei que era verdade. Ninguém além dele pode dizer isso. Ninguém.

(7 de janeiro de 2009. Traduzido por Matheus Kerniski)

 

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