METAFÍSICA DE ORDET
por Carl Theodor Dreyer


A última edição da Film Culture traz um artigo do Sr. Guido Aristarco sobre o Festival de Veneza. No seu artigo o Sr. Aristarco menciona meu filme Ordet compreensiva e detalhadamente. Entretanto, suas considerações finais são de que “ainda assim, é desconcertante ver que Dreyer, nessa era atômica sintetizada pelas equações de Einstein, rejeita a ciência pelos milagres da religião”.

Eu felizmente posso provar que o Sr. Aristarco está errado. Já em Setembro de 1954, quando o filme ainda não tinha sido terminado, eu fui entrevistado pela Estação Dinamarquesa de Rádio, e, naquela ocasião, tive o seguinte a dizer.

Perguntado sobre quando tive a idéia de filmar Ordet, respondi:

Aconteceu numa tarde há vinte e dois anos, quando presenciei a primeira apresentação de Ordet no Teatro Betty Nansen. Eu fui profundamente tocado pela peça e tomado pela audácia com a qual Kaj Munk apresentou os problemas em relação uns aos outros. Não pude senão admirar a perfeita simplicidade com a qual o autor colocou seus pensamentos paradoxais. Quando deixei o teatro, convenci-me de que a peça tinha possibilidades maravilhosas como um filme.

Quando perguntado sobre quando o manuscrito tinha sido redigido, eu respondi exatamente:

Não aconteceu até aproximadamente vinte anos depois. Eu então vi as idéias de Kaj Munk sob outra luz, já que tanto havia acontecido nesse meio tempo. A nova ciência que seguiu a teoria da relatividade de Einstein havia estabelecido que, fora do mundo de três dimensões que podemos apreender com os nossos sentidos, há uma quarta dimensão - a dimensão do tempo - assim como uma quinta dimensão - a dimensão psíquica que prova ser possível viver eventos que ainda não aconteceram. Novas perspectivas foram abertas, que nos fazem perceber uma ligação íntima entre a ciência exata e a religião intuitiva. A nova ciência nos traz um entendimento mais íntimo do poder divino e está inclusive começando a nos dar uma explicação natural para as coisas sobrenaturais. A figura de Johannes em Kaj Munk pode agora ser vista por outro ângulo. Kaj Munk já havia sentido isso, em 1925 quando escreveu sua peça, e afirmou que o louco Johannes talvez fosse mais próximo de Deus que os cristãos que o cercavam.

Conforme pode ser visto pelo que se lê acima, eu não rejeitei a ciência moderna pelo milagre da religião. Pelo contrário, a peça de Kaj Munk tomou um novo significado para mim, pois os pensamentos paradoxais e as idéias expressas na peça haviam sido provadas pela recente pesquisa psíquica, representadas por pioneiros como Rhine, Ouspensky, Dunne, Aldous Huxley, e assim por diante, cujas teorias, da maneira mais simples, explicaram os acontecimentos aparentemente inexplicáveis da peça, e estabeleceram uma coesão natural entre as ocasiões sobrenaturais encontradas no filme.

(Film Culture nº 7, 1956, p. 24. Traduzido por Lucas Baptista)

 

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