TORMENTO, Mikio Naruse, 1964
Em alguns filmes de Mikio Naruse há uma espécie de letargia que toma conta da narrativa nos seus momentos finais. Quando os conflitos atingem uma massa crítica, o movimento dramático parece cessar. Mas longe de estagnarem a narrativa, esses momentos servem como sua própria justificativa. A passagem do tempo, a mudança dos costumes e sentimentos que tanto assombra os personagens, ao ter seu andamento diminuído, tem seu significado transformado. Tudo ocorre como se a aceitação do inevitável levasse a um estado além das garras da causalidade. É fundamental que isso se dê através de uma continuidade que afasta uma possível ruptura, preparando o terreno para algo que é menos o desdobramento lógico que o desabrochar repentino, a revelação de um novo organismo. Como em Kafka, deve-se atingir o ponto em que não se pode mais seguir em frente, pois este é precisamente o ponto em que o sentido mais profundo vem à tona.
A viagem do casal para a ilha, em Nuvens Flutuantes (Ukigumo, 1955), faz com que a tensão que os acompanhava dê lugar a uma resignação que se adensa conforme aumentam a chuva e a distância da cidade. Não há mais vida fora daquela relação, mas a vida dentro dela também não é suficiente. Resta apenas a espera inconsciente pela separação, como uma dimensão subjacente aos planos, se alimentando das elipses, até tomar forma na morte de Yukiko (Hideko Takamine), abatendo o personagem de Masayuki Mori com a mesma violência da tempestade que o cerca. Existe a intensidade, mas não o choque ou a surpresa. Todos os elementos já estavam dados no início da viagem; o que presenciamos é a reação de suas propriedades isoladas e concentradas.
A última cena de Correnteza (Nagareru, 1956), com as gueixas reunidas para um número musical, mostra a sutileza do tratamento de Naruse para as consequências dessa espera. Observamos a convergência das personagens num mesmo ritual, os corpos marcados pelo cansaço, os olhares de Rika (Kinuyo Tanaka) em cumplicidade silenciosa. No andar de cima da casa, Katsuyo (Takamine) mantém o ruído constante da máquina de costura, a contraparte do shamisen de sua mãe. Reconhecemos essas mulheres, fomos apresentados a elas e seguimos suas trajetórias, mas de alguma maneira a unidade inicial havia sido dispersa na evolução da narrativa. A conclusão funciona não como uma inversão, mas como o coalescimento das partes pela sugestão, o fechamento de um círculo cujos contornos foram dados apenas por algumas tangentes. O mistério reside nessa quantidade mínima de referências, na diminuição do fluxo dramático que termina por reforçá-lo.
O exemplo mais precioso, e que representa mais claramente o quanto as preocupações de Naruse se dão no domínio do tempo, é o final de Tormento (Midareru), sua última colaboração com Takamine. O filme conta a história de Reiko, que durante 18 anos se dedicou à loja de sua sogra e à memória do marido, morto na guerra. A modernização do comércio é a catalisadora dos conflitos: é o que aproxima Reiko de seu cunhado, o que converte essa proximidade em paixão, e o que leva a reticência da personagem aos seus limites. Assim como a pequena loja parece não suportar a aceleração das mudanças, Reiko não suporta o peso da nova relação e decide se afastar. Esse afastamento é ao mesmo tempo físico e dramático, pois é na viagem de trem que ela se retira da cidade e das preocupações com a família. Ela se descobre acompanhada pelo cunhado, que a seguiu até o trem, e ambos são direcionados para uma área mais remota, intocada pelo contexto urbano.
A regularidade é a chave da condução do filme. Todas as cenas, mesmo as que demonstram algo de novo sobre os personagens, são tratadas com a mesma postura. Naruse prioriza uma iluminação moderada e movimentos lentos. A largura da tela, envolvida pela arquitetura japonesa em sua simplicidade usual, parece se refletir em cada espaço, no interior da casa, nas ruas estreitas, nos vagões do trem. É sob essas diretrizes que os eventos se acumulam e a engrenagem do progresso se movimenta, o que torna ainda mais evidente a angústia de Reiko: o tempo para ela é sempre destrutivo, sempre uma força que exerce uma pressão insuportável, que a obriga a se posicionar e não apenas resistir.
A fuga da cidade, nesse sentido, é a fuga do tempo, e os momentos seguintes guardam alguma semelhança com o que cientistas chamam de “terra branca”, um modelo climático em que os continentes e oceanos são cobertos por neve e gelo. Essa terra reflete a radiação solar, permanecendo extremamente fria; a troposfera é apenas uma fina camada, e as tempestades são praticamente inexistentes. Por ser um estado de equilíbrio, a terra branca é pouco receptiva à dinâmica da vida, e apenas uma influência externa pode criar alguma alteração significativa.
O casal de Tormento parece, por um breve período, atingir tal estado. O equilíbrio entre eles não é a resolução dos conflitos (Reiko segue reticente quanto ao cunhado), mas seu congelamento, sua adaptação e solidificação. Ao se isolarem nas montanhas, se isolam também do cenário que dava sentido ao drama. E ao recusarem as influências externas, fazem com que o desequilíbrio só possa surgir do interior.
Quando a paixão é reacendida pelo cunhado, Reiko resiste mais uma vez e o equilíbrio é quebrado. Ele deixa o hotel visivelmente abalado, investindo contra o cenário. Mais tarde, Reiko, que ainda espera seu retorno, observa pela janela a agitação de algumas pessoas em relação a um corpo sendo carregado; não é possível aferir a identidade por estar coberto por uma manta. Ela corre até a rua, em direção às pessoas que carregam o corpo, num intervalo que parece tomar minutos, até que finalmente suas energias se esgotam e ela permanece ofegante, o olhar fixo, em close, no último plano do filme.
A tragédia é o resultado de uma cadeia de circunstâncias deformadoras, de uma entrega da plasticidade do mundo à erosão constante. O destino é a imagem mítica da entropia, e parte das narrativas trágicas se debruça sobre a fisicalidade desse encadeamento, a atração violenta da matéria pelo vácuo da causalidade. Mas a violência que atinge o filme de Naruse nada mais é que o fato incontornável, já descrito por Borges, de que o tempo é a própria substância da qual somos feitos.
O plano do rosto de Takamine é a súbita percepção dessa condição que pareceu guiar todas as cenas anteriores, a sublimação de toda a matéria que sustentava o drama sem que este se precipitasse, como se a solidez da descrição fosse mantida, controlada em cada plano, até o ponto final que elimina as fundações, mas faz com que o espectador permaneça no ar, atraído apenas pela irradiação de um olhar. Contemplamos Reiko, que contempla a tragédia e a si mesma, e é nessa triangulação que o tempo deixa de ser uma categoria de percepção para se tornar um portal para o conhecimento. No momento em que reconhecemos a condensação de toda uma trajetória, a revelação projetada no olhar da protagonista adquire os ares de uma epifania, na síntese em uma única imagem da qual a narrativa é o início e o fim.
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