UM MANIFESTO
por Luis Buñuel
1. Em nenhuma das artes tradicionais há um abismo tão grande entre as possibilidades e os fatos como no cinema. Os filmes agem diretamente sobre o espectador; oferecem a ele pessoas e coisas concretas; isolam-no, através do silêncio e da escuridão, da habitual atmosfera psicológica. Por causa de tudo isso o cinema é capaz de instigar o espectador como talvez nenhuma outra arte. Mas, como nenhuma outra arte, é capaz também de entorpecê-lo. Infelizmente a grande maioria dos filmes de hoje parece ter exatamente esse propósito; eles exultam o vazio intelectual e moral. É neste vazio que os filmes parecem prosperar.
2. O mistério é um elemento básico de todas as obras de arte. Ele geralmente está em falta na tela. Roteiristas, diretores e produtores ocupam-se muito bem em evitar qualquer coisa que possa nos incomodar. Eles conservam a janela maravilhosa do mundo libertador da poesia fechada. Eles preferem histórias que pareçam dar continuidade às nossas vidas comuns, que repetem pela enésima vez o mesmo drama, que nos ajudam a esquecer as horas difíceis do nosso trabalho diário. E tudo isso, é claro, cuidadosamente vigiado pela moral tradicional, pela censura governamental e internacional, a religião, o bom gosto, o humor branco e outros gracejos rasos da realidade.
3. A tela é um perigoso e maravilhoso instrumento, se usado por um espírito livre. É o modo superior de expressar o mundo dos sonhos, das emoções e dos instintos. O cinema parece ter sido inventado para a expressão do subconsciente, visto que está tão profundamente enraizado na poesia. Apesar disso, quase nunca persegue esses fins.
4. Raramente vemos bom cinema em produções gigantescas ou em trabalhos que receberam elogios dos críticos e do público. A história particular, o drama íntimo de um indivíduo, não pode interessar - acredito - a ninguém digno de viver em nosso tempo. Se alguém na platéia compartilha as alegrias e tristezas de um personagem na tela deve ser porque esse personagem reflete as alegrias e tristezas de toda a sociedade e, conseqüentemente, os sentimentos pessoais daquele homem na platéia. O desemprego, a insegurança, o temor da guerra, a injustiça social etc., afetam todos os homens do nosso tempo e, deste modo, também afetam o espectador individual. Mas quando a tela me diz que o Sr. X não é feliz em casa e encontra divertimento com uma namorada a quem ele finalmente abandona para se reconciliar com a sua fiel esposa, acho isso tudo muito moral e edificante, mas me deixa completamente indiferente.
5. Octavio Paz disse: “Mas se um homem acorrentado tapasse os seus olhos, o mundo explodiria.” E eu poderia dizer: mas se a pálpebra branca da tela refletisse a sua luz particular, o Universo entraria em chamas. Mas por enquanto podemos dormir em paz: a luz do cinema está convenientemente dosada e vedada.
(Film Culture nº 21, 1960, pp. 41-42. Traduzido por Felipe Medeiros)
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