VIOLÊNCIA E PAIXÃO, Luchino Visconti, 1974
por Louis Skorecki


Quando este filme saiu, os Cahiers deixaram-no passar em branco. Injustamente. Violência e Paixão é, de ponta a ponta, um filme apaixonante e bastante atual.

Um filme apaixonante. O título francês não é, afinal de contas, tão estúpido como alguns disseram: ainda há de se chegar a um acordo sobre o sentido dessa violência e a natureza de tal paixão. Fala-se muito de paranóia nas nossas sociedades de vigilância, sem se especificar qual a parte de violência e qual a parte de delírio que a compõem, isto é, sem se tomar partido. Visconti toma partido, e isso é raro: significa que ele situa sua narrativa de maneira explícita como a versão maníaca de um apanhado de fatos delirantes vistos pelos olhos de um personagem igualmente delirante. O professor vê o que lhe acontece com paixão e terror, um terror calmo, interiorizado e insustentável. E quem poderia sustentar as agressões inverossímeis, repetidas, violentas das quais ele é objeto? Quem poderia imaginar chegando no apartamento dele, sem se arrepiar, sem tremer, uma horda de bárbaros dourados do tempo presente? “Eles são caricaturais, é uma piada, são delírios caquéticos desconectados das realidades do mundo moderno”, assim é repetida exaustivamente a frase-feita da crítica desconfortável com a decadência genuína tratada por Visconti, uma decadência que se usa como se quiser, e, portanto, uma palavra que se torna nada mais do que isso, um logotipo plano, e falso nisso. Seria melhor dizer: são casos de danças (des cas de danses) ou de cadências. Ou seja, um balé de obsessões, metódico, ritmado, um balé que encena dançarinos imóveis, exclusivamente preocupados com o próximo passo que devem fazer, com o próximo número que têm de executar. Tudo isso se passa na cabeça deles, tudo se passa diante dos nossos olhos. Visconti nos dá a ver, com a mais extrema precisão, com a mais louca nitidez - a da loucura, sim - o que acontece quando os olhares se desviam para outras margens. Ele diz: ninguém é louco sem razão; quando uma pessoa se torna, é porque há todas as razões para sê-lo. Ao olhar demais para a dança de uma chama corremos o risco de aniquilar a vista, sim, mas também, assim que o olhar volta-se a uma outra direção, podemos então perceber febrilmente o que ordinariamente nem se nota. E é esse o caso do velho professor, há tanto tempo trancado na sua cobertura, habituado após muito tempo ao silêncio reconfortante dos seus livros e de suas pinturas. Durante o desembarque da tribo vociferante que fez voto de invadi-lo ele está ainda melhor posicionado para vê-los chegar, pois parece desde toda a eternidade ter velado seus olhos diante do espetáculo dos seus contemporâneos. Ele os vê chegar: quem é aquele lá? O que faz este aqui? Nunca param de telefonar. Posso telefonar? Sim, claro, como não... Eles vão parar? Quais os laços que ligam os filhos dessa tribo, que aberrantes incestos cometem sob o meu teto?

Um filme atual. O fantasma. Eis a palavra de ordem do cinema praticado hoje em dia sob a etiqueta de “autor”, um cinema mais amplamente viscontiano do que se imagina, mas raramente à altura do original. Palavra-chave e palavra alguma. O fantasma é o que geralmente permite que se assuma o lugar do ponto de vista. Obtemos posições do tipo: lá é um sonho, então você pode interpretar a situação como quiser, esse personagem não sou eu, ainda que me represente em certa medida, todas as obras são autobiográficas, onde está a realidade, onde está a fantasia, cabe ao espectador desembaraçar os fios.

Nada disso em Violência e Paixão. Trata-se verdadeiramente da reconstrução sintética da verdade do mundo. Ambição altiva, outro propósito: por detrás dos personagens particularizados ao extremo; das situações que condensam, até chegarem a um inchaço incrível, uma soma inverossímil de gestos e atitudes estereotipados, uma atmosfera e um clima (no sentido meteorológico) de classe destronada, a aristocracia nômade daqueles que se escondem atrás dos nomes; por detrás dessa tela frenética delineia-se a acuidade da sensação, a verdade do delírio. Raramente uma colagem imaginária alcança essa gravidade documental: não seria absurdo imaginar que o filme de Visconti, tendo em vista as infrações de todos os tipos que nele são cometidas, tenha sido patrocinado por uma companhia de seguros, ou por uma marca de fechaduras, ferrolhos e cadeados. Não há lugar algum em que possamos nos proteger, nos esconder? E quantas fechaduras mais sofisticadas estão lá na porta do professor, quando ele se tranca em seus domínios?

Mas cuidado! A porta, uma vez aberta, não volta a se fechar como antes. Uma vez entrevisto o espetáculo do outro, do corpo do outro, do proletário disfarçado como efebo, uma vez ouvidos os gritos, escutadas as queixas e compartilhados os sonhos, uma vez atravessada a ponte, não há mais como voltar. O professor o aprende às suas próprias custas, ele que já não pensa mais como antes. Ele que não pensa em mais nada. De excessivamente pensador ele se transformou em topa-tudo. E quando tu tocas o corpo do delito, mesmo em pensamento, tu morres.

(Cahiers du Cinéma nº 297, fevereiro 1979, pp. 60-61. Traduzido por Victor Bruno)

 

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