FILMAR O SEXO
por Jean-Claude Brisseau


Quando você se colocou concretamente essa questão de filmar o sexo pela primeira vez numa rodagem?

Na realidade a partir de A Vida Como Ela É, filme em 16 mm. realizado em 1978. Porque era um caso um pouco particular, penoso, e que exigia reflexão: uma cena em que uma pequena árabe devia beijar um jovem. Ela era incapaz de fazê-lo. Gérard Blain teve exatamente o mesmo problema no seu filme Pierre et Djemila. Eu, que fui professor, sabia quais eram as questões implicadas. E fui obrigado, pela primeira vez, a mergulhar na questão. Não havia outra escolha. Eu trabalho, portanto, com isso após mais de vinte anos. Sempre colocando-me questões muito concretas sobre como filmar o sexo com naturalidade mas estilizando-o a fim de que isso faça nascer emoções estéticas - não tenho medo da palavra, nem da sua proximidade com o sexo - em mim e no espectador, que eu considero nesse domínio como um prolongamento de mim mesmo e da minha experiência. No geral faço isso com poucos meios. Se eu possuísse mais meios isso seria mais fácil e eu teria menos problemas.

Na ocasião do seu primeiro filme profissional, Um Jogo Brutal, você chegou a realizar ensaios eróticos?

Não realmente. Porque em Um Jogo Brutal eu precisava apenas que a garota, que é deficiente, descobrisse visualmente na sua rival, que por sua vez é perfeita, um tipo de prazer que ela não terá jamais, o que evidentemente provoca um choque nela. Era necessário, portanto, que a segunda garota tivesse um corpo excitante, exuberante. Fiz um casting no qual simplesmente quis ver como as meninas eram. Eu pedi para que tirassem a roupa e as filmei por um instante, no escritório ou em minha casa. Mas eu não lhes solicitava na ocasião nenhuma carícia, nenhum gesto erótico. Simplesmente ficar nuas “como na realidade”.

Quando e como você aprendeu a trabalhar o sexo com atrizes?

Um clique. Foi o encontro com uma garota que, vinda para ensaios eróticos, durante a preparação de Anjo Negro, disse-me: “Antes destes ensaios eu tive a vontade de fugir, eu tinha medo, e, no entanto, eu experimentei ao fazê-los diante de você um prazer inesperado.” Para encurtar a história, era a primeira vez que ela havia gozado. Ao passo que eu, enquanto metteur en scène, não havia lhe pedido isso! Eu queria apenas que as garotas fossem um pouco excitantes, não que elas gozassem na minha frente. Dito isto, eu a deixei prosseguir, e foi uma experiência incômoda, interessante, não muito evidente porque havia um verdadeiro mal-estar, mas que acabou por me persuadir que se tratava de um bom tema cinematográfico.

Houve algum outro clique para o seu desejo de filmar o sexo?

Eu tive, na mesma época, por volta de 1993, um projeto interessante com Emmanuelle Béart, um filme sobre a vida de Béatrice Saubin[1]. No roteiro havia uma seqüência de sexo entre duas garotas, numa prisão para mulheres. À época havia um razoável número de filmes sobre as prisões para mulheres e automaticamente sempre havia uma cena desse tipo. Essa cena lésbica era um clichê, filmada como um fantasma masculino. Mas eu não queria filmá-la assim. Coloquei-me a questão de saber o que poderia se passar na realidade, e minha preocupação era que até então eu nunca havia visto duas garotas fazendo sexo juntas. Discuti isso com Lisa, que me perguntou: “Vejo onde você quer chegar: você me dirá que quer fazer duas garotas trepar diante de você apenas para saber onde se coloca a câmera?” Eu respondi: “Sim, exatamente, será necessário fazê-lo mais cedo ou mais tarde.” E ela então me disse: “Quando você filmou uma seqüência de assassinato em Um Jogo Brutal, você não pediu para alguém matar uma pessoa diante de você para saber onde colocar a câmera...” “É verdade”, eu concedi, “mas eu havia me inspirado nos meus grandes predecessores, Hitchcock e Fritz Lang.” Enquanto que para o sexo, sobretudo entre duas garotas, existe apenas o filme pornô, isto quer dizer o grau zero da escrita cinematográfica. Foi nesse momento que adquiri a consciência de que quando se está fazendo amor nunca há uma câmera que nos filma. Se você quer exprimir aquilo que sentiu, pode consegui-lo com as palavras, eventualmente com a música também, mas com uma câmera é muito mais delicado porque é necessário filmar os corpos.

Nota:

[1] Jovem de 20 anos que em 1980 foi presa na Malásia por porte de heroína. Condenada à morte e depois, sob apelo, à prisão perpétua, seu caso se tornou célebre à época. Foi libertada apenas no início dos anos 1990 (n.d.t.).

(L’ange exterminateur: Entretiens avec Antoine de Baecque, Éditions Grasset & Fasquelle, 2006, pp. 110-112. Traduzido por Bruno Andrade)

 

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