A REGRA DO JOGO, Jean Renoir, 1939
por Jean-Claude Brisseau


De Renoir prefiro de muito longe os filmes de antes da guerra e, entre esses, aqueles que Fritz Lang refilmou, A Cadela e A Besta Humana. Revendo recentemente A Regra do Jogo, fiquei surpreso de não perceber mais o lado “leve” que inspirou Truffaut quando fez Atirem no Pianista. Essa ausência de leveza tem a ver em parte, creio eu, com a presença de atores que quase podemos dizer que atuam como amadores, Roland Toutain, por exemplo, ao contrário dos atores americanos da mesma época. À imagem do seu pai, que não chegava a desenhar ou tomar corretamente as linhas e contornos dos seus personagens, Renoir não parece capaz de fazer um projeto preciso tecnicamente, em todos os sentidos do termo, o que vale também para a narração, para a mise en scène também, e é isso paradoxalmente o que faz hoje a força de A Regra do Jogo. Do mesmo modo, é o “amadorismo” dos últimos dez minutos de Boudu que redimensiona o restante do filme. Renoir possuía, no entanto, os meios: há muitos movimentos de câmera e, como o filme se desenrola essencialmente à noite ou em interiores, a luz é bem cuidadosa. Contudo, tem-se às vezes a impressão de um tipo de improviso. “É um filme de amador realizado com meios profissionais”, me diz Lisa Heredia e, de fato, o filme não é tão claramente “controlado” como pôde ser dito.

Uma das características de Renoir era suceder, nisto inclusas tramas lineares como A Besta Humana e A Cadela, em reforçar a tragédia, apesar do lado “naturalista” delas. Aqui há muito mais personagens cujas intrigas se entrecruzam, mas o sentido da tragédia faz-se bizarramente ausente. Renoir tinha essa frase que parece ser uma linha diretriz: “Como todo mundo mente, inclusive os políticos, como querer que os outros não mintam?” Ela remete assim a um tipo de estado quase degenerado da sociedade que se encontra no lado grave do filme, em contradição completa com o seu início que convida o espectador a tomar as relações amorosas como simples galanteios rejubilantes. O único que é verdadeiramente sincero nessa história é o couteiro, desajeitado e tímido, que não faz nada além do trabalho ordenado pelo marquês e que será indiretamente a vítima. Não é nada certo, porém, que ele possui a completa simpatia de Renoir, mesmo se ele o filma num dado momento em vias de chorar atrás de uma árvore. Sobre esse ponto, eu acho que falta um verdadeiro recuo crítico neste filme considerado feroz na pintura das classes sociais. Mas felizmente há o personagem de Carette, um pouco Boudu pelas bordas, e podemos nos perguntar se Renoir não está finalmente mais do lado dele, que parece dizer que nada daquilo que se passa é grave desde que se esteja “fora da sociedade”. O que seria uma hipótese quanto à maneira como Renoir concebera A Regra do Jogo, sem a qual o fundo do filme permanece ainda inacessível aos meus olhos.

(Cahiers du Cinéma nº 482, julho-agosto 1994, pp. 68-69. Traduzido por Matheus Cartaxo)

 

VOLTAR AO ÍNDICE

 

 

2014/2015 – Foco