PSICOSE, Gus Van Sant, 1998
por Jean-Claude Brisseau


1.

Para os cinéfilos, o remake de Psicose realizado por Gus Van Sant é uma mina de ouro, ainda que seja um mau filme - ou justamente por causa disso. É a primeira vez na história do cinema que um filme retoma noventa por cento o original, incluindo os mesmos planos, os mesmos diálogos, a mesma música. Mas um tem uma força impressionante, e o outro é praticamente uma nulidade. Eu, que sempre pensei que somente as questões de construção e mise en scène importavam, descobri ao comparar Psicose (Psycho, Alfred Hitchcock, 1960) com sua cópia que o casting e a maneira de dirigir os atores são de uma importância crucial. Se você se engana nesse domínio, o filme cai. Mesmo os elementos que parecem pertencer à ordem do detalhe, como a rapidez de um movimento de câmera ou a qualidade da mixagem da música, têm um papel essencial. Para o Psicose de Gus Van Sant a música foi mixada de um jeito redondo, moderno, em estéreo, ao passo que no filme de Hitchcock a música havia sido mixada numa tonalidade estridente, que não incomoda os ouvidos mas que inquieta. Isso muda tudo. Uma cena filmada exatamente do mesmo jeito se desintegra com a música mixada como no filme de Gus Van Sant. O que me recorda a fórmula de Melville, a quem perguntaram qual era a parte mais importante de um filme. Ele respondeu: o elenco é cinqüenta por cento, o roteiro é cinqüenta por cento, a mixagem é cinqüenta por cento, a montagem é cinqüenta por cento, querendo dizer que se qualquer um desses elementos falhasse, todo o resto estaria perdido. Todos os aspirantes a cineasta deveriam estudar as diferenças entre os dois Psicose, que são tão gritantes quanto sutis. Os grandes filmes não são modelos que podemos seguir, ou reproduzir.

2.

O equilíbrio de um filme é sempre algo muito delicado. É por isso que eu tento preparar tudo antecipada e muito minuciosamente, no que diz respeito às escolhas dos atores e dos cenários, no que diz respeito a todas as seqüências do filme. Se meus filmes fossem mais simples, se fossem construídos sobre menos tonalidades diferentes, eu me preocuparia menos com todos os detalhes. Todavia, o equilíbrio dos meus filmes se encontra nesses detalhes: é uma questão de cozinha que resulta de uma dosagem precisa, para que o todo dê liga. Desse ponto de vista, o remake de Psicose por Gus Van Sant é uma mina de ouro cinéfila. Eu aprendi cinema assistindo o Psicose de Hitchcock uma centena de vezes. Eis então pela primeira vez um filme que é no mínimo 95% o remake de outro: como um consegue ser forte e o outro não, uma vez que a construção é a mesma? Tudo tem a ver primeiramente com a escolha dos intérpretes: Anne Heche interpreta de um jeito moderno, do tipo “Eu não dou a mínima para o fato de ter roubado.” Resultado, ninguém se importa, pois não há nenhuma identificação, nenhum interesse por ela. O mesmo com Julianne Moore e a sua mochila e Viggo Mortensen, não há nada que os amedronte! O outro erro absoluto é mostrar Norman Bates prestes a se masturbar, assim ele não possui mais nenhuma razão para matar, o símbolo fálico da faca não tem mais razão de ser, é uma completa estupidez! Todas essas pequenas coisas levam a uma ruptura na fascinação, o que prova que a força de um filme reside nos detalhes, que um ingrediente estragado ou mal dosado pode fazer um filme cair por terra. E que a perfeição na construção do filme não é o suficiente. O casting é também totalmente essencial: Intriga Internacional (North by Northwest, Alfred Hitchcock, 1959) não funcionará se substituirmos Cary Grant por James Stewart ou Woody Allen: não há mais filme! E quanto mais se navega na emoção ou na fascinação, ou no erotismo, mais os elementos são difíceis de se manejar.

(Traduzido por Victor Bruno)

 

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