PSICOSE, Alfred Hitchcock, 1960
por Jean-Claude Brisseau


A virtuosidade da mise en scène em Psicose sempre me fascinou. Eis porquê tive que ver o filme umas cinqüenta ou sessenta vezes. Recentemente consegui obter uma cópia do roteiro anterior à montagem e me dei conta de que as declarações de Hitchcock eram em parte falsas. Nas entrevistas com Truffaut, por exemplo, ele se mostra orgulhoso por ter feito um filme sem grandes personagens. É verdade que o filme é assaz abstrato e que é o trabalho de câmera que fez espectadores do mundo inteiro gritarem. Mas Hitchcock o compreendeu somente na mesa de montagem, cortando-o em função de um problema da construção após o desaparecimento de Janet Leigh.

Quando se vê o filme terminado, é fácil de explicar que sua cena da morte no chuveiro é tão forte que posteriormente tememos pelos personagens, mesmo que estes não sejam muito desenvolvidos.

Ora, à leitura do roteiro, descobre-se que o diretor fez de tudo para tentar dramatizar o Detetive Arbogast e favorecer uma identificação com o casal Vera Miles-John Gavin.

A seqüência em que Arbogast investiga o hotel dos Bates era muito mais longa; no roteiro original, ele se encontrava numa espécie de vai-e-vem na estrada sem ver o local, e não era até finalmente ficar engarrafado no tráfego que ele o localizava.

Quanto aos personagens de Gavin e Miles, havia também mais coisas. Perguntávamo-nos, por exemplo, onde eles dormiriam, já que teriam de ficar no motel... Na cena em que Vera Miles visita o quarto de Anthony Perkins, deveríamos também vê-la enojada com a descoberta de um livro pornográfico.

Tudo isso está no roteiro, mas foi suprimido durante a montagem porque não funcionava mais.

Depois que deixamos Janet Leigh e Anthony Perkins, a situação é tão potente que não nos interessamos mais pelos personagens que surgem em seguida.

Podemos imaginar também que se Hitchcock teve que tanto cortar na segunda parte do filme, ele o fez para que o espectador não tivesse tempo para refletir.

De fato, ele corre o risco de construir um whodunit no qual a lista de culpados possíveis se limita a dois personagens, sendo que um está morto há quinze anos.

Ora, toda a parte final do filme, com Vera Miles no casarão, funciona sobre o fato de que uma jovem garota deambula indefesa em locais em que ronda uma misteriosa assassina psicopata.

Se já compreendemos quem é o assassino, já que Perkins está preso em outro lugar por John Gavin, o suspense vem a baixo e o medo só retornará, na melhor das hipóteses, quando a garota desce as escadas em direção ao porão.

É também para dramatizar esse final que Hitchcock filmou o famoso movimento de grua que mostra Perkins à procura de sua mãe no quarto dela para conduzi-la novamente ao porão.

Falou-se de metafísica, mas tratava-se primeiramente de lógica e de construção dramática.

Para que o espectador duvidasse de uma única coisa, o diretor precisava absolutamente mostrar Perkins e sua mãe no mesmo plano.

Mas onde colocar a câmera?

Ele não podia deixá-la embaixo da escada nem coloca-la em frente à porta do quarto, pois então veríamos muito claramente a senhora Bates.

A câmera também não poderia permanecer nas costas de Perkins: o espectador deduziria que tentavam lhe esconder o rosto da mãe.

A única possibilidade consistia então em elevar a câmera no momento em que Perkins sobe a escada de maneira que o público não se surpreende, ao fim do plano, com o plongée zenital sobre os degraus.

A partir dessas questões de “cozinha” (que a crítica tão freqüentemente ignora), compreendemos melhor a extraordinária performance da mise en scène, que permaneceu por um bom tempo para mim como um enigma.

Com um tempo de filmagem relativamente curto, Hitchcock passou entre dez a quinze dias filmando o assassinato no banheiro, a morte de Arbogast e o famoso movimento de câmera sobre Anthony Perkins e sua mãe.

Com isso, há dois minutos de filme e lhe resta mais ou menos uma hora e quarenta e cinco minutos a filmar (cerca de seiscentos planos com sessenta mudanças de cenário).

Isso significa que em seguida Hitchcock trabalhou numa velocidade de deixar qualquer um perplexo.

Quando vemos o filme, reparamos com atenção algumas más mudanças de luz, algumas instabilidades aqui e ali e algumas iluminações em Janet Leigh impensáveis em um filme hollywoodiano tradicional (há um plano em que vemos todos os pêlos dos seus braços), mas isso não importa. O propósito de Hitchcock em Psicose era amedrontar o espectador e ele o conseguiu como virtuose.

Dito isto, como todos os grandes filmes, penso que Psicose ultrapassa as análises que podemos fazer sobre ele.

Mesmo quando se acredita já se ter dito tudo sobre a mise en scène, sempre haverá de permanecer uma parte de mistério.

(Positif nº 400, junho 1994, pp. 16-17. Traduzido por Victor Bruno)

 

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