EM BUSCA DE BRISSEAU
“... na verdade, há o nascimento, o grande buraco negro do fim,
e, no meio, a tragédia da vida.”
Wadek Aslanian, Anjo Negro
Do ser ao nada. Um ser afunda no buraco negro do fim. Repentinamente, em um salto. Repercussões de uma existência - ele se suicida. As razões do seu ímpeto não lhe fazem falta. Tudo desemboca ao redor dele. Sua razão é a razão de sua própria vida. Sua vida se entrega à sua razão. Eis como Brisseau surgiu para nós. Uma mulher se atirou pela janela. Seu sangue escorre pelo pátio de uma cidade. Um garoto pedala de bicicleta ao redor do seu cadáver. A Vida Como Ela É esboça a sua crônica. Aqui reside o estilo de Brisseau, traçado a partir da tragédia do pensamento humano. A maior harmonia possível entre os seus planos: ele filmará o nosso sofrimento ou a inteligência ilusória entre conhecer e viver - a vida. Acordo em vão que coloca Agnès em farrapos. Seu sangue seca, por sua vez, ao pé do mesmo imóvel. Círculo do desespero, negro, mas não tão negro. Ela queria aprender, crer em alguma coisa, lia A Gravidade e a Graça; ela age (defende os seus direitos). Brisseau salva a sua quintessência. Não sendo possível desaparecer, subsiste nela uma percepção que resiste à sua perda. Sua fé vital.
Sua formação de cineasta, a qual ele ainda legitima, é preciso dizê-lo, se impregna daquilo que ele impregna em seus alunos. Época da vida que penetra nele, perfura seu coração. Ele era livre e menos desencantado. Não mais transmitir, diretamente, no corpo a corpo, lhe faz falta de verdade. “Eu quero ajudar na formação de jovens espíritos. Ensinar, para mim, é criar.” Essa colocação do professor Dadier, Brisseau poderia tomar para si, e Dadier poderia de olhos fechados confiar sua turma a Brisseau[1]. Durante vinte anos, todas as manhãs, na sua bicicleta (de marca Lejeune), Brisseau vai labutar em classes de perfectionnement[2] e em colégios - Clichy, Bagnolet, Aubervilliers. Postos de trabalho “distantes”, aventurosos, e que não lembram em nada certos Bora-Bora pedagógicos. Jean-Claude se dedica ao seu trabalho, todos os seus filmes fazem eco disso. A escola - suas aulas de recreação - concentra a céu aberto, para quem souber observar, as inconseqüências de nossa sociedade. O aluno, sobretudo o adolescente que Brisseau enquadra numa encruzilhada de ambições, por sua vez já destruídas, o que torce a narrativa, esse adolescente cristaliza conflitos familiares, políticos e sociais; o aluno, tomado em tormenta pelos seus desejos nascentes - brasas que queimam em seu ventre -, e pelas severidades que o cercam - abusivas ou incompreensíveis. Jean-Claude ama ensinar. Apaixonadamente. Seguindo de perto a vida em sua escola, participando de discussões, aquecendo-se nas suas contradições, jamais fazendo nada pela metade, ardendo na vida como nos seus filmes. Não esperemos dele arrebatamentos brandos ou arranjos cômodos. Nós o vimos durante esses anos abrindo as portas do décimo quarto andar do HLM[3] onde morava, construído nas alturas de Belleville; à imagem do poeta de Platão, vertendo de fúria tudo o que lhe vinha à boca. Ainda me lembro dele como uma gárgula profética dominando Paris. Ao longe, à noite, a rua de Turbigo avermelha-se com seus sermões. O fogo que arde nele incendeia seus personagens - saliência de suas almas, lesão de suas chagas. Jean-Roger (O Som e a Fúria, 1988) queima os tapetes da escadaria do prédio, incendeia um carro de polícia com um coquetel Molotov, acende com seu bando uma fogueira para queimar seu irmão; dispara tiros contra o próprio pai (que o ameaça). Ferraud encharca de combustível o assassino de sua filha (seu contrato), lança-lhe um tecido aceso: “Ele queima rápido como uma tocha, numa grande chama.” O décor some no fim. Tudo queima[4]. Fogo purificador, regenerador, sexual, diabólico. Um Jogo Brutal traz um biólogo dos mais brilhantes de seu tempo. Quando espiões unem-se contra ele, pelo menos na sua imaginação, ele deixa o Instituto Pasteur. Pai ideal para sua filha paralítica de nascença - uma selvagem que ele não conhecia, a quem redescobre e transforma através de uma educação sem concessões (uma professora se encarrega disso) -, ele esquarteja as crianças que saquearam sua casa. Seis enviados do Diabo para malograr os planos de Deus. Governado por uma lógica paranóica, ele se apressa - com Deus guiando seu pensamento - a cumprir sua monstruosa missão[5]. Tudo deve se cumprir. Ninguém é inocente. Os tempos nos confirmaram que não há nada de incoerente na sua conduta. O homem é um assassino armado de uma disposição moral (sua natureza, afinal de contas).
O próprio Brisseau atiça certos paradoxos. Conciliar Deus e Marx. Despertar dois contrários, mas resistindo a toda superação dialética: um desejo movido por esses extremos força uma antítese que dura. Detemo-nos neste conflito que aqui segue: Don Juan provoca a estátua do Comandante, que o pune. Don Juan se endireita, mais rápido do que nunca. Um contraria o outro que por sua vez o contraria. A oposição deles permanece sem conciliação ternária. Os Anjos Exterminadores (2006) traz desde o início essa antinomia. Morta há dez anos, uma avó - trata-se de uma aparição - adverte seu neto, que prepara um filme sobre as relações entre o gozo e o proibido, para que não venha a “acionar a máquina infernal”. Ele ignora. Bastante insano de sua parte. Um desejo mais forte que tudo o conduz a saber. Uma punição brutal condena os tormentos desse conhecimento saciado e culpado. Por mais ferido que esteja, o aprendiz de feiticeiro cede ainda à sua inclinação, enfrentando dois processos. Platão e Hegel são cão e gato. Nada adocicará jamais um personagem de Brisseau. Ele trava sua guerra espiritual, sopra sobre suas brasas, consome-se, vive. Uma parte dele luta contra sua ponderação - um empecilho; a outra contém mal seus desejos e sentimentos - armadilhas invencíveis, espelhos da sua libertação. Não mais que o próprio cineasta, essas partes não admitem um meio termo. Trâmite recusado pela suas filosofias do “tudo ou nada”.
Nascida Zoé Pitot no HBM (sem banheiros nem elevador) onde seu irmão Marcel é zelador[6], mesmo endereço onde, em julho de 1944, com a RAF sobrevoando, o criador de ambos veio ao mundo, 251, rua Marcadet - braoum!, Céline (Louis-Ferdinand) vai lhe narrar aquela féerie de bombas, “as horas esmagadoras... logo abaixo de nossa casa, lá, mais abaixo, da cratera Marcadet, elevam-se chamas mais altas que as nuvens, a alturas que nunca se vê!...[7]” - Stéphane Feuvrier (Anjo Negro, 1994) também escala o muro da Antítese. Transgride. Amante e cúmplice de Wadek Aslanian[8], insurgente libertário, Robin Hood dos tempos modernos, em guerra contra a polícia e os magistrados, ela casa com um presidente do Tribunal Criminal, proprietário do Château Marbuzet, em Saint-Estèphe. Ela morre. Zoé Pitot se torna Stéphane Feuvrier para ser admitida no palácio de justiça: para libertar Aslanian. Ponto de não-retorno: ela não voltará a cruzar a barra que separa os contrários. A sombra que gerou, sua filha Cécile, tão negligenciada, vinga-se (tal mãe, tal filha) da sua liquidação física de Aslanian - reação passional de uma mulher devastada que descobre sua desgraça. Aslanian a abandona em troca da excitação da carne de sua carne - eles irão se casar. Cécile abate o anjo negro (cena de uma garra que lembra Cocteau) com a mesma raiva e a mesma arma que arruinaram sua mãe na abertura do filme[9]. A primeira bala mata; as outras quatro a seguir - após um breve atraso do gesto assassino - esbravejam uma fúria crucificadora, ardente e gélida. Destinos cruzados, caros a Brisseau: apagando Aslanian, a mãe - seu crime a impede de pretender isto para si - interdita também a sua filha de saltar - ao inverso - sobre o fosso da Antítese. Figura da oposição eterna, do inexpiável; Roland Barthes o aponta em S/Z (Seuil, 1970). Relações irascíveis. Retroação bloqueada.
Como se formou o gênio cinematográfico de Brisseau? Ele aprende ao aprender. Nas suas aulas, repletas de grandes espaços, cavaleiros alucinados vêm ao seu encontro. Bem naturalmente. Ele os chama, eles o acodem. Esses homens instigados, trajando chapéus de aba larga, arremessados em velocidade máxima, não se sufocam nunca pela tela estreita do televisor. Com eles ele abre os olhos de seus alunos, torturando-se até saber que estes experimentam, finalmente, a poesia daquelas imagens - a escolha de um décor, o sentido de uma montagem. Ao filmar La loi qui tarde[10], nós reconstituímos uma sala de aula nas antigas instalações da Maison du Geste et de l’Image. No programa, o começo de O Homem que Matou o Facínora (The Man Who Shot Liberty Valance, 1962), de John Ford. Close-ups de Jean-Claude (em pé) intercalam-se com os de John Wayne e Lee Marvin: “That’s my steak, Valance!” Ele leva o choque. “O herói típico do Oeste, quem ele é para vocês?... John Wayne gosta de Liberty Valance?... É um animal que mata, que rouba, que viola já faz algum tempo; será que alguém já lhe colocou um freio?... Vocês me dizem: é a lei do Oeste. Mas o que é essa lei?... É interessante isso que vocês dizem, é uma forma de moral: John Wayne, que é o único que pode matá-lo, não intervém porque ele só se ocupa com aquilo que lhe diz respeito.” Mais tarde, em sua casa, à noite, Brisseau contém as lágrimas. Da muralha de fitas VHS que o cercam, ele retira, sentado, sem sair do seu lugar, a de Paixão dos Fortes (My Darling Clementine, John Ford, 1946). Deixando o saloon de Tombstone, a batata assando entre Benson e Bisbee, o boêmio que veio recitar Shakespeare - “[...] Pois quem suportaria o açoite e os insultos do mundo, a afronta do opressor, a humilhação da pobreza, as aflições do amor desprezado, as delongas da lei, a insolência do poder [...]” - retoma a diligência. Num close, de perfil, Jean-Claude se derrama em frente a nós: “Eu acho isso magnífico, esses poucos segundos, o teatral faz a sua parte, confere algo de extraordinário a esse velho soldado apesar de ele não ser nada[11]... e esse plano eu considero magnífico[12], esse ângulo baixo, essa imensidão de céu branco, como se brutalmente o mundo se revertesse e nós entrássemos em contato com algo da ordem da metafísica. Com quase nada. Exprime-se ali uma verdade que é a posição fundamental do homem que não é nada, que não tem nada, que espera de forma trágica um nada que ele não terá nunca porque ele está condenado por algum Deus a ser como ele é. [Ele se levanta.] É possível não se estar de acordo com a minha explicação...” Foi durante essa noite memorável que Jean-Claude nos expôs seu “modelo ideológico do cinema americano”.
Ao retornar da escola ele segue com suas experiências de autodidata. Um desafio o atormenta: controlar com elegância as exigências de uma mise en scène: sua grande preocupação. Com o seu primeiro salário, em 1964, ele compra uma câmera 8 mm. Nos filmes de família que ele gravou àquela altura, ele conta os mortos. Mãe, irmão, amigo. Seguem-se três curtas de ficção em que ele imita Hitchcock. Delirantes e muito confusos. O mais bem realizado: Les femmes disparaissent (20 min.). Duas versões: na primeira, muda e em preto e branco, podemos reconhecer o assassino esguio que segura uma mulher que se debate - é o próprio autor; o remake é colorido e sonorizado. Iniciada em Paris, em 1975, perto da Páscoa, a filmagem de La croisée des chemins (85 min.) continua, nas proximidades de Clermont-l’Hérault e do lago Salagou, ao longo do verão. Brisseau consegue, Brisseau está lá. Virada decisiva. Apresentado no Olympic no fim do ano, os irmãos Boni tendo organizado um festival de filmes amadores, La croisée des chemins chama a atenção de Rohmer e Pialat, discretos, porém presentes. Um ou dois meses mais tarde Jean-Claude Funck, seu antigo professor do ensino superior, carrega Brisseau à força até os escritórios da Films du Losange, onde Rohmer o recebe imediatamente. A Losange recebe do INA 3000 metros de película 16 mm. Brisseau filma em Bagnolet, em julho de 1978, durante três semanas, A Vida Como Ela É. Não mixado, montagem inacabada, o filme espera assim ser concluído. Em junho de 1980 Rohmer chama Jean Collet, há pouco tornado conselheiro de programas do INA. Collet cai das nuvens, sem conhecer nada do autor ou do filme. Este andava esquecido. Projeção das mais conclusivas; Jean Collet sai dela estupefato. Sentira ele emoção comparável desde o início da carreira de Eustache[13]? O INA joga o jogo (coloca um pouco de dinheiro) e Jean-Claude conclui o seu filme. Entusiasmado, Collet lhe encomenda o piloto de uma série de “televisão de câmara” (ambiente único, poucos personagens, 16 mm.). Collet tinha em mente a trilogia de Bergman (Através de um Espelho, Såsom i en spegel, 1961; Luz de Inverno, Nattvardsgästerna, 1963; O Silêncio, Tystnaden, 1963). Isso nos valeu uma pérola de Brisseau: As Sombras. Apesar das aparências, não é um filme social como se acreditou de imediato. Pascale Breugnot e Marcel Teulade o relançam: L’échangeur. Esse curta-metragem (30 min.) da série “Les contes pour enfants” foi transmitido pela Antenne 2, no dia 16 de agosto de 1982[14]. Fragmento bruto, ele antecipa O Som e a Fúria, do qual se afasta. Jean-Claude gosta muito pouco dele, mas ele se engana, pois é um dos seus mais belos “trechos selecionados”. “L’échangeur” (t.l.: “a bifurcação”) é o complexo rodoviário da entrada de Bagnolet. Não se sabe ainda, não se quer saber, mas a avenida periférica dá o nó ao redor da capital. O décor fornece o tema. Cercos de tijolos e de asfalto de um urbanismo infernal esmagam e emolduram algumas jovens vidas - pilares e passarelas de pontes rodoviárias, fluxo de carros, ruído de fundo ensurdecedor. Numa variação de escala de planos (três raccords no eixo), um garoto que vaga por um poço de concreto carrega uma caixa de madeira (contendo revistas pornográficas e armas) sobre rodas. Há um filamento de céu sobre ele. Brisseau o eleva. Mais: o concebe. O garoto sonha que é sonhado diante de uma garota que se despe - isolada como uma ampola nua.
Terceiro “empurrão”: as declarações de apreço de Louis Skorecki - desde então seu indefectível defensor. Sua crítica de As Sombras - “Mon bloc-notes”[15] - dá cabo das primeiras opiniões zombeteiras a arranhar Brisseau (cineasta hachurado) e serve para que ele recupere a confiança num momento precário de sua carreira[16]. Ele se sente livre para se dedicar às construções dramáticas de seus próximos roteiros, todos originais, escritos só por ele e de fluente e rejubilante leitura. Única exceção: a adaptação não realizada do primeiro romance de Jean-Pierre Chabrol, La dernière cartouche (Les Éditeurs Français Reúnis, 1953), rebatizado Les sacrifiés[17]. Do fim da Resistência à guerra da Indochina, homens são sacrificados em nome de representações coletivas que os exaltam e os ultrapassam, mas que eles acreditam servir. Jean-Claude questiona a função e a fixação - a determinação - dessas grandes efígies coletivas privilegiadas. Dos mitos, em resumo. O de Medéia recobre Anjo Negro; Abel e Caim crispam O Som e a Fúria. Essas representações sociais (com freqüência clichês) agem sobre nossa afetividade, a qual, por sua vez, com freqüência as exige de volta. Nós não temos consciência disso, acreditando que somos livres em nossas atitudes, soberanos em nossos excessos.
Ilusões que encadeiam seus filmes de Um Jogo Brutal aos Indigentes do Bom Deus (2000), no qual um jovem analfabeto, verdadeiro cachorro louco, atira-se num mundo em que os valores parecem ter desaparecido. Esses valores degenerados, melhor dizê-lo logo, exigem uma constante superação de si mesmo. Eles englobam o ser que, por sua vez, mantém-nos. Contudo, esses valores, para Brisseau, não orientam estritamente uma conduta moral. Eles preparam a chegada de algo além da realidade, que o autor - primeiramente - estuda. O ser, aqui, não pode ser - verdadeiro, bom - sem uma ligação transcendental. Rompida em Anjo Negro. O ser, dos personagens e de nós mesmos que lhes assistimos, vive de suas quimeras para esquecer sua condição; contida pelo tempo, definida pela morte. Há algo mais a ser vivido para além daquilo a que as leis do nosso meio nos fixam. A humanidade de Brisseau, obstinada, confusamente ou com intenção não manifesta, força uma passagem. Vã ou absoluta. Em direção... a Deus ou ao Homem - ou se arremessar a uma ávida estagnação (Coisas Secretas, 2002). Nisso reside sua aventura. Fundo poético de Jean-Claude. Ele não se enganou de arte. O cinema o ajuda a definir essa relação com o sobrenatural. Ontologicamente. Arte do visível, ele torna evidente o invisível. Palpável, ao menos. Essa extrapolação da realidade não é representada através de divisões entre o que está acima e abaixo no enquadramento - como fazem os pintores. El Greco pinta a ascensão de uma alma entre dois ambientes hierarquizados, mas de naturezas díspares. É preciso haver uma precipitação repentina, inesperada, quase (meta)física, para se passar de um mundo a outro. Razão para Brisseau - ah! até que enfim - precipitar sua dialética. Através, por exemplo, de uma elevação. Essencial. Céline (Céline) “não existiria” sem essa relação com uma ordem superior. É preciso uma câmera para figurar tal fenômeno, torná-lo possível, assumir o desafio: fundir uma moeda do absoluto. É chegado o momento de abordar o outro campo de pesquisa de Jean-Claude: entreabrir as portas da sexualidade para explorar o infinito de nossos dias (Os Anjos Exterminadores, À Aventura, 2009). Esse fanatismo erótico, mais próximo, porém, de São João da Cruz do que de Bénazéraf (ele tentou em vão explicar isso aos juízes), acarretou-lhe alguns aborrecimentos. O cineasta deve ele próprio transcender-se em sua existência para recriar a vida da vida? Ele se justifica também. O grande leitor das Antimémoires que é Jean-Claude não reclamará se do tríptico de Malraux - L’irréel, L’intemporel, Le surnaturel - eu escrevo que todos os seus filmes “ilustram”, “verificam” Le surnaturel, que Jean-François Lyotard, tendo em conta os riscos de estupidez (sic), define em três linhas: “Erguer-se-á do Sobrenatural as grandes obras que celebram o dom ou a promessa, feitos da vida natural, de um alto destino de remissão e de perda: admissão de uma angústia, fé em um sentido último[18]”.
As preocupações espiritualistas que inspiram seus filmes colheram no começo, salvo raras exceções, apenas zombarias. A brusca aparição da vida modesta e enclausurada das cités (ainda não eram os quartiers) estupefaz e desola, gera incredulidade. Não me esqueço da emoção desorientada que tomou conta de nós, Jean Collet, Claude Jean-Philippe, Jacques Rivette e eu mesmo, enquanto saíamos maravilhados de uma projeção privada de A Vida Como Ela É numa sala do Forum des Halles. Sem saber ao certo o que dizer. Jean-Claude, chegando apressado depois de ter trabalhado pela manhã no colégio, mal escondia sua emoção ao nos certificar de que tudo aquilo era verdade, que naqueles grandes conjuntos (sem ser ainda os barres) a vida se vivia daquele jeito: trivial e aterradora. O acting out do jovem residente nos deixou estupefatos: “De pé!, acordem!, vocês estão mortos!”. Ele berra, vagueia, chicoteia, armado de um bastão, paliçada e platéia, sem conseguir se controlar mais. Uma bala o atinge. Atirada de um dos andares. Um amigo o acode, a cena termina. Vem o silêncio. Testemunhas da cena através do balcão, Agnès, Florence e seu pai fecham o parêntese, corte empreendido nas malhas dos planos do café da manhã deles. O dia está bonito, eles saem. É preciso aproveitar. A rutilância do sangue nas costas da vítima captura nossos espíritos. Brisseau irrompe naquele meio, torna-se quase atrativo a fim de nos convencer de que as sombras atrás das quais nós corremos, seres e coisas que nós desejamos, nos abusam e aprisionam; que as migalhas de poder das quais nós nos glorificamos, que nossos próprios amores (narcísicos), só fazem prolongar as correntes de ferro que nós acalentamos. Devemos entrever a eventualidade de um outro mundo? Seu cinema se incumbe disso. Sua natureza? “Eu me tomo de outro jeito”, escutamos o cineasta, que nos explica que filma o alicerce realista da vida, sua camada dolorosa e ordinária, densa a ponto de às vezes ser grotesca. Essa mistura naturalista e grand-guignolesca salpica (tempera) sua mise en scène. Fusão que desconcerta. O espectador não se torna cúmplice sempre. Mas no coração dessa confusão, desse verdadeiro marasmo, em meio a essa grande desordem, penetra uma ação inspirada por uma “benevolência” pura. Eclode uma aparição. Vibra uma fulguração. Uma graça sopra suas partículas ontológicas no ar, suspende uma alma, recria-a. Indelével signo de renascimento. Logo, de morte. Porque esses antagonismos reunidos devolvem o bem e o mal que os habitam. Um adolescente inofensivo se suicida. Uma fada imaculada arma a sua mão, eleva-o sobre a selvageria sem freios de O Som e a Fúria. Seu amigo homicida e parricida, que vai à escola apenas para perturbar, é preservado. É um escândalo? Certamente. Somente seu corpo rebelde - insaciável - e felino prepara uma indulgência. Mas o sacrifício do primeiro[19], estudioso nas aulas, refém de sua imaginação, repousa sobre a redenção do segundo, que, de dentro de sua prisão, escreve uma carta de reconhecimento à sua professora[20]. A escola semeia com o passar dos ventos. O professor se sobressai. Uma presença - por trás do encadeamento dos planos - se faz pressentir, esperar, desejar. Como uma lei que tarda, ela pega de surpresa o decorrer das coisas. Ela corta em duas partes a mesmice de nossas fúrias cotidianas. Ela se manifesta sobre uma forma de milagre. Fenômeno que amplifica a assunção final da paralítica de Um Jogo Brutal, descobrindo o esplendor do mundo no cume de um monte[21]. Elevada. Apaziguada. O sol segue o seu curso, o fim do verão lança um bálsamo sobre sua carne em ebulição. Ela chega ao topo. O esforço de persistir no seu ser fez o seu caminho e a depositou no limiar da essência de todas as coisas. Mas o que resta de humano, então? Providência pela qual um professor de filosofia é atingido ao dissertar sobre o inconsciente (Boda Branca, 1989). Ele espera outra coisa da vida. A vida lhe envia um anjo para libertá-lo de sua prisão dourada; trata-se justamente de uma de suas alunas, pássaro caído de seu ninho que ele encontra desmaiada em um ponto de ônibus na saída da escola. Ele não se dá conta! Ele fracassa em lidar com esse encontro tal como o homem do Primeiro Manifesto Surrealista (1924) de André Breton: Ele pode tentar mais tarde, daqui e dali, refazer-se, por sentir que pouco a pouco lhe faltam razões para viver, incapaz que ele ficou de se colocar à altura de uma situação excepcional, como o amor... Mas ele não verá ali, sob pretexto algum, sua salvação.” Eis aí a dramática história desse professor que será transformado. Nesse sentido, a metafísica de Jean-Claude exalta, além daquilo que nossos sentidos percebem, uma surrealidade que excita a onipotência do desejo, governa os acasos miraculosos, reina sobre os encontros arrebatadores. Ela conduz a evolução iniciática de um personagem, força exterior que o faz reconhecer sua recusa de encarar as imagens de si mesmo que a sua existência lhe impõe, a saber: o tabu do desconhecido fundamental. A transgressão para Brisseau - segredo a ser quebrado. Cruzada aventureira que leva ao conhecimento das leis (origem, natureza e função). Jornada insaciável - impossível - do desvelamento de nossa natureza, aquela do bem e do mal, de Deus e do Diabo. “La petite mort”[22] (ou a grande), gozo que abala as estruturas da vida, será ela um dia narrada - por uma câmera - do interior, do ponto de vista de sua explosão, de sua graça? Ou essa revelação emerge de algo infilmável? De uma cegueira incandescente para as duas aventureiras de Coisas Secretas? Bem decididas a explorar os confins proibidos da sociedade, Nathalie e Sandrine, dançarina e barmaid numa boate noturna, são colocadas na rua. Filmado por Brisseau, isso não é uma metáfora. Expulsas do jogo social, elas aceitam o desafio. A primeira, que consegue gozar em cena, convence a segunda, mais temerosa, a jogar um jogo ousado: “Ousar passar, na tua cabeça, essa pequena linha proibida que nenhuma das tuas amigas jamais passará.” Isso dá prazer. Audácia. Surpresas as esperam. O gozo não possui consciência. A garota que sabia demais nos deixa, tragada pelo buraco negro de uma estação de metrô.
As tomadas de consciência fazem mal, ferem, avassalam. Vias obrigatórias de nossas metamorfoses. É preciso uma certa audácia para propor esta cena: a professora de Um Jogo Brutal diz para a sua aluna paraplégica desenhar o salto que ela acaba de efetuar à sua frente. Decompondo-o. Em quatro croquis. Um tapa cruel, primeiro passo rumo à serenidade. Por que continuarei prisioneira do meu corpo doente?, pergunta-se a garota. Seu pai se encarrega de dissipar seus desejos possessivos. Miragens que a prendem. Nada pode ser conquistado se se começa com uma mentira ou seduzindo-se a si mesmo. O cinema de Brisseau não procura a aparência do movimento ilusório, mas sua enfermidade secreta, sem ceder diante do movimento manifesto de colocá-lo à prova de sua ferida discreta - redução do fluxo incessante da projeção de um filme à decomposição deste em cada um dos fotogramas da película. A representação se abre então à vibração do Ser. E o corpo, diminuído ou humilhado, carrega sua própria revelação.
A Garota de Lugar Nenhum, o último Brisseau[23], aqui estamos. No entanto estas páginas casam com a animação de seu pensamento, todo feito de digressões, procedendo de constantes retomadas, saltos, intervalos, numa certa desordem que tumultuam a matéria a que serve. Esses parênteses aumentam e transbordam. Pudor, timidez, é claro. Um homem que se impõe, cabelos brancos, recluso no silêncio de seu escritório, escreve - de cortinas fechadas. Totem e Tabu de Sigmund Freud, Origem e Função da Cultura de Géza Róheim, O Mito do Nascimento do Herói de Otto Rank obcecam a página em branco de seu caderno Rhodia. A mão redige uma linha. Num plano distinto, Sonho e Mito de Karl Abraham repousa sobre Moisés e o Monoteísmo[24], bem aberto: quadro abstrato, anguloso, associando dois retângulos. Gosto desses planos que descobrem a criação (psico)plástica de nossa vida cotidiana, disposição íntima, desfeita e renovada, articulada com um cuidado particular no que se refere aos livros e objetos que nos acompanham a cada instante; estética ordenada, formal e colorida (livro sobre livro, caderno sobre livro com caneta, marcador de páginas[25] e abridor de carta sobre Trafic), montagens fulgurantes de um gabinete imaginário, caprichoso, instável, descontínuo, revelador, sem as quais nós não escreveríamos verdadeiramente. Ora, esse “plano Abraão”, formalmente, mostra muito. O livro todo escancarado é o livro que está embaixo! E sobre o qual se encontra o pequeno livro azul. Ô! pequena coisa humana que abriga os sonhos daquele que sonha acordado, sentado na cadeira, candidamente vestido, digno de narrativas legendárias e que conhece a volúpia de uma presença tão radiosa. Plano feliz de Brisseau! Planta-baixa do filme. Sonhos e mitos fornecem a concepção que ele procura dar ao seu filme. Michel Devilliers, professor de matemática aposentado, viúvo há vinte anos, trabalha na redação de Reflexões e Análise Crítica de Nossas Crenças quando ele escuta um barulho vindo do hall. Um rapaz ataca uma garota, que é deixada ensangüentada. Michel a acolhe, cuida dela, e, uma vez curada, ela quer ir embora. Nós não acreditamos, ele não acredita: Michel é J.-C.B. em pessoa. Drama entre quatro paredes, A Garota de Lugar Nenhum é um autorretrato de Brisseau. Irresistível. Filmado no seu apartamento, é uma reportagem sobre o seu apartamento, tão evidente quanto verdadeira. Mais eloqüente, seu eco testamentário. Livro escrito, em vestes pretas para comemorar isso, atitude “gauliana”, Michel espera a morte - carvalho que será abatido. Apoiado contra o muro do hall de seu prédio, sem fôlego, ele aguarda o agressor misterioso de Dora[26] - que afinal se instalara e o ajudara a terminar o livro. De fato, o homem vem da rua, atira-se sobre ele, o faz sangrar. Punições compartilhadas. Espelhos tenebrosos de suas almas. Segue esse plano médio comovente: Michel cambaleia à beira do abismo. Depois sucumbe ao entrar na sua sala. Como se, obra concluída, Jean-Claude Brisseau pudesse morrer. Sua especulação fílmica não tinha outro objetivo que não o levar ao reino das estrelas. Mil pontos luminosos, lá em cima, saram suas feridas. Com poucos recursos (62.000 euros, uma câmera de vídeo da Canon), ele preenche o filme com suas crenças e convicções - religião, ciência, infinito. A Garota de Lugar Nenhum ruma completamente a este “rumo a quê?”; excedida a morte. A impossibilidade de uma resolução para este questionamento desesperava Brisseau, que se deixa queimar pelas verdades das grandes finalidades. Ele filma para colocar em dia e conjurar o que o ameaça, o que o coloca em movimento, o que o tenciona, o que o faz temer estar errado sobre si mesmo. E, portanto, de estarmos errados nós mesmos. Substância de sua filosofia.
Boda Branca dinamiza A Garota de Lugar Nenhum. Violência e Paixão[27] o abarca, o drapeia - seu vestígio dramático, espacial, físico e simbólico em parte. Chama regeneradora, um anjo loiro irrompe na vida de um professor solitário, sem descendência, envolto na sua erudição, esta sim prenha. Livros, VHS, DVD, fotos de estrelas, pôsteres de filmes enfeitam as paredes em torno de Michel, cortado das paixões da vida. Dora acende seus desejos, acentua suas desilusões, imita a garota que ele não teve, encoraja as tempestades de amor, alimenta tantas esperanças não preenchidas. Michel morre dividido por essas contradições: se prender a um mundo que ele quer abandonar. Dora transborda de ardor, ilumina a vida do professor, exalta-a, mas entreabre para ele as portas da noite. Dora, a morte. Ela indica a Michel a direção das estrelas, médium nua de repente vestida diante de uma tapeçaria cósmica. Desde sua brusca aparição, Dora traz barulhos estranhos, ocasiona incidentes paranormais. É dotada de visões de aparições, ela diz. A prova é dada: ela faz um gueridon girar[28]. Um grafite preso a um dos pés traça o croquis de uma mulher que reproduz a pose da esposa de Michel em uma velha foto[29]. Dora se torna a sua reencarnação. O coração do filme para além do bricabraque esotérico. Um ritual mágico nos põe em contato com uma experiência maior do que nós e que nossa linguagem não pode nem restaurar nem circunscrever. Um passado ressurge só quando nossos sentidos, atrofiados, falham em suscitá-lo.
Dora intriga Michel, o seduz, o desorganiza: o encanta. Ele cede ao seu estranho poder. O campo-contracampo marca A Garota de Lugar Nenhum, narrativa de um confronto que acontece quadro a quadro[30]. Novo cruzamento de caminhos[31]: Dora força o quadro da vida de Michel; de mudança, ela toma posse de sua moradia[32]. Michel se solta, se separa do quadro tão relativo (discursivo) desses dias, se expõe ao campo mais absoluto da eternidade - o inominável, o silencioso. Para seu alter ego: o real por excelência. Permutação de poderes na encruzilhada narrativa: Michel - por contaminação - herda as visões de Dora. Dora, a sombra que ele carrega, índice de sua ascensão. Michel a alucina. O campo-contracampo, que coloca um personagem sob o olhar do outro, explicita a ontologia do cineasta. Nós temos medo do olhar do outro. Ele nos molda e nos aprisiona. Prisão da qual nós não temos consciência. Poder que faz de nós aquilo que nós somos. Exame de O Ser e o Nada (Jean-Paul Sartre, Gallimard, 1943) que toca Brisseau, o qual, quando filma, pergunta-se por que filma: para elucidar o que for que ele prove em sua vida ordinária. Essa tensão de espírito já fora expressa por uma mãe sofrida: “Procurar o verdadeiro Eu por trás da ilusão.[33]” A citação de Van Gogh que Michel guarda para concluir seu livro, relida por Dora, amplifica sua inquietude: “[...] Mas, sofredor como sou, eu não passo sem algo que seja maior do que eu, que é a minha vida: o poder de criar.” Poder que Brisseau toma para si. A Garota de Lugar Nenhum, com sua filmagem “amadora”, com os travellings se ajustando a um carrinho de bebê, aproxima-se de um filme em processo de feitura, surpreende Brisseau em processo de criar.
Notas:
[1] Sementes de Violência (Blackboard Jungle, Richard Brooks, 1955).
[2] “Classes de perfectionnement” são turmas que recebem alunos com deficiência (n.d.t.).
[3] “Habitation à loyer modéré” (Habitação de Baixa Renda) é um tipo de complexo habitacional gerido por uma organização de habitações de baixa renda, pública ou privada, que se beneficia de um financiamento público parcial, de tipo direto (subvenção) ou indireto (privilégios variados: créditos, isenções fiscais etc.) (n.d.t.).
[4] Les fugitifs (1985), roteiro não realizado, escrito para Bruno Cremer.
[5] A primeira letra do nome e sobrenome deles forma: DIABLE TUE-LES (“Diabo Mate-Os”).
[6] Ela mente ao comissário de polícia sobre suas origens.
[7] Louis-Ferdinand Céline, Normance, Gallimard, 1954.
[8] Brisseau se inspira em parte em Roger Knobelspiess e na introdução de O Homem Revoltado de Camus (Gallimard, 1951), por estas linhas: “Nesse último caso [empreender uma ação que não seja gratuita], na ausência de um valor superior que oriente a ação, dirigir-nos-emos no sentido da eficácia imediata. Nada sendo nem verdadeiro nem falso, bom ou mau, a regra passa a ser mostrar-se o mais eficaz, ou seja, o mais forte. O mundo então não será mais divido entre justos e em injustos, mas entre mestres e escravos.”
[9] Cena tomada diretamente de A Carta (The Letter, 1940), de William Wyler. Anjo Negro retoma a trama dramática do filme americano, do qual Brisseau tentara obter os direitos de adaptação. A Warner os negou: muita diferença entre os roteiros. Acontece apenas que Anjo Negro nunca foi distribuído nos Estados Unidos.
[10] Portrait du cinéaste en son temps, 1987, realizado por Guy Baudon e por mim mesmo, assistidos de Pierre Guerrini.
[11] Um velho soldado (Francis Ford) espera emocionado pelo ator que, segurando suas mãos, saúda-o: “Good night, sweet prince!”
[12] Plano geral da diligência que atravessa o deserto. Esses planos de céu convenceram Jean-Claude a incorporá-los e adaptá-los em O Som e a Fúria.
[13] Les mauvaises fréquentations (1963) e Le père Noël a les yeux bleus (1966).
[14] A contagem da audiência indica preferência pelo revival do quinto aniversário da morte de Elvis Presley.
[15] “É muito belo o telefilme de Jean-Claude Brisseau (INA Prod.). De um tipo que faz falta, cruelmente, ou seja: estranho, tônico, modesto, sempre inteligente, com algo de tímido, apesar da confiança contemporânea (refiro-me à confiança de ser de hoje em dia) que o atravessa por toda a sua duração. As verdades que ele tem a dizer, bem sentidas, não o conduzem jamais ao peso de mamute das paisagens ou à insipidez sobre-trabalhada do estilo, que são os dois obstáculos maiores do telefilme, gênero desprezado porque tratado sempre de forma atroz. [...]” (“As Sombras”, Cahiers du Cinéma nº 336, maio 1982).
[16] O artigo de Jean-François Rauger, “O Sexo do Anjo”, Cahiers du Cinéma nº 485, novembro 1994, crítica de Anjo Negro, terá o mesmo efeito sobre ele: “Ele me salvou a vida.”
[17] Na Indochina, um comandante despedaça de forma atroz um oficial. Meu Ódio Será Sua Herança (The Wild Bunch, 1969), de Sam Peckinpah - pela violência -, e Alvorada Sangrenta (Zulu Dawn, 1979), de Douglas Hickox - pelo manejamento de 2000 figurantes que atacam e recuperam um bunker francês -, conduziam o projeto.
[18] Jean-François Lyotard, Signé Malraux, Grasset, 1996, p. 344.
[19] Ele ganha o reino das estrelas. O Pequeno Príncipe de Saint-Ex cobre a sua fuga.
[20] Inspirada certamente pela carta final de Infância Nua (L’enfance nue, 1968), o filme de Pialat que Jean-Claude prefere. De dentro do centro de observação, François escreve à família que o acolheu. Por outro lado, pensamos reencontrar o Brisseau de L’echangeur, que corria atrás do jovem ladrão do som de carro, quando desce a toda velocidade esse homem descontrolado perseguindo François, que acaba de provocar o acidente de seu veículo.
[21] Como ela pôde subir ali sozinha?
[22] La petite morte, “a pequena morte”, é uma expressão francesa que designa o orgasmo. Geralmente é utilizado para referir-se à sensação de inconsciência pós-orgasmo que algumas pessoas possuem. Roland Barthes já se utilizou deste conceito para dizer que “la petite morte” é o objetivo principal de se ler literatura (n.d.t.).
[23] Estréia prevista para janeiro de 2013. Deveria ser seguido por La bande à Bonnot, que nós jamais veremos. É abandonado, portanto, seu projeto de alternar filme sound and fury e filme intimista.
[24] Sigmund Freud, Gallimard, 1993.
[25] Beauté se retournant de Hishikawa Moronobu.
[26] Orfã, vinte e seis anos, seduz e humilha os homens, diz ela. Isto explicaria aquilo. Interpretada por Virginie Legeay.
[27] Gruppo di famiglia in un interno, Luchino Visconti, 1975. Brisseau diz não ter pensado neste filme; mas como não se relembrar de Morte em Veneza (Morte a Venezia, 1971) quando a sinfonia nº 5 de Mahler nos submerge?
[28] Jean-Claude informou-se da morte do seu pai fazendo uma sessão de mesa. “Uma vez, vi uma mesa voar pela sala. Foi impressionante”, confessa ele um dia a dois ou três céticos.
[29] Reconhecemos Maria-Luisa Garcia, a companheira de Jean-Claude, montadora e decoradora de seus filmes. Atriz sua também, sob o nome de Lisa Hérédia.
[30] As profundidades de campo liberam o fantástico; desta forma a aparição refletida no espelho.
[31] Referência ao título do primeiro longa-metragem de Jean-Claude Brisseau (n.d.t.).
[32] Ela se recusa a herdá-la e a deixará, sem dúvida, mas ocupa o local no último plano do filme.
[33] A mãe de Sandrine, Les liens du sang, roteiro não filmado.
(Trafic nº 83, setembro 2012, pp. 49-60. Traduzido por Matheus Cartaxo)
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