IMPORTÂNCIA DE PROPRIEDADE PRIVADA (Leslie Stevens, 1960)
por Marc C. Bernard


Os documentos da pré-história são surpreendentes:
as primeiras imagens do homem, pintadas nas paredes das cavernas, têm o sexo ereto.


Georges Bataille

A posição vertical é a primeira manifestação da energia. Nós sabemos, por outro lado, que não existe uma obra importante, em qualquer domínio que seja, que não revela diretamente uma grande energia. Um romance e um filme nos interessam desde o momento em que nós estamos ligados a eles em um movimento que é o da intensidade (uma intensidade emocional ou uma intensidade de compreensão). Revelando-nos uma forma de tensão que nos era ou desconhecida ou mal conhecida, um filme pode criar em nós uma tensão que, se formos honestos, deve ampliar a nossa inteligência. É possível expressar a mesma ideia de maneira diferente, dizendo que todo filme digno de interesse manifesta uma força vital e aumenta a força vital do espectador. Uma ideia justa só pode ser uma ideia sã e, ao contrário, toda atitude enferma (ou de egoísmo, ou de torpeza) se priva da justiça e, portanto, da maior força que esteja em nós e sem a qual toda forma de arte torna-se impossível. Pois só existem duas formas de arte possíveis. Uma da generosidade: Walsh, Vidor, Exodus (Otto Preminger, 1960), La passe de trois (Pierre Rissient, 1961), First on the Road (Joseph Losey, 1959). Outra da ausência de generosidade. Essa idéia dupla de justiça e de energia é a ideia radical em relação à vida e a propósito dos filmes. Se eu quero expressá-la no início de um artigo dedicado a Propriedade Privada (Private Property, 1960), de Leslie Stevens, é porque, por um lado, eu considero este filme como um dos mais belos do cinema, e, por outro, porque o quê o filme coloca em causa é da ordem do erotismo e não é possível separar a idéia de erotismo das idéias de justiça e de energia.

Tal movimento, exigindo que o erotismo, a justiça e a energia não possam ser separados, é necessariamente o próprio movimento da revolução. Somente uma organização social sã e uma moral (individual e coletiva) sã, ambas inexistentes hoje, poderiam não falsear o sentido da palavra erotismo. Inversamente, um sentimento forte do erotismo só pode ser o feito de um homem revolucionário. Como não provar que o ímpeto que transporta um homem na direção de uma jovem mulher e o impulso revolucionário são da mesma natureza. Tanto em um caso como no outro é um entusiasmo no sentido mais forte que implica em nós as raízes mais profundas. Na vida amorosa e na revolução, um homem pode e deve se engajar inteiramente, afirmar sua integridade como não lhe é permitido em outras situações.

Apenas um olhar de uma franqueza absoluta pode conhecer essa nobreza. A verdade de Propriedade Privada é a própria verdade de nossos músculos e do nosso sangue. Sua inocência é a nossa inocência e, portanto, nossa moral.

Georges Bataille disse que o erotismo é “a emoção extrema”. A vida amorosa é o sentido da vida do homem porque ela é, antes de qualquer outra coisa, sua experiência natural, a prova de suas origens e dos seus elos. Se empregamos a palavra erotismo num sentido bastante amplo, podemos então dizer que a emoção extrema é aquela que mais profundamente associa o respeito e a violência. Nenhuma emoção é mais pura ou mais livre. Um homem não poderá ser nem perfeitamente livre nem perfeitamente puro se não possui uma consciência clara do erotismo. Se nós reconhecemos que o erotismo é, não uma assombração, mas sim uma força, nós afirmamos ao mesmo tempo que não existe mise en scène possível fora de uma consciência clara da vida amorosa. Propriedade Privada nos informa: aquele que não quer admitir que é um animal está perdido. Quando Corey Allen encontra Kate Manx você não possui o direito ao título de homem se você não se sente completamente afetado por esse encontro, se você não captura sua própria verdade. Esta verdade é a seguinte: um coração simples e generoso pode possuir outro sentimento além do sentimento da penetração.

Propriedade Privada é um filme admirável por ser um dos pouquíssimos (Êxtase [Ekstase, Gustav Machatý, 1933], Naufrágio de uma Ilusão [The Female Animal, Harry Keller, 1958], Ida Lupino, Joseph Losey) a nos mostrar o que é essencial: a integridade de uma jovem mulher moderna. Se é alcançado, ou apenas procurado, esse resultado é principalmente o feito de um sentimento profundo da justiça. Efetivamente, quando Losey filma duas jovens cover girls na relva inglesa, e quando Jacques Laurent nos fala do short branco de uma garota, nós nos sentimos familiarizados com eles porque nos falam propriamente daquilo que amamos, e porque, no sentido literal, eles fazem juz àquilo que é digno de ser amado. Para se fazer justiça é necessário perscrutar toda a verdade, ter em si uma enorme necessidade da verdade. As relações normais entre as pessoas, todas as relações atuais, sexuais e sociais, uma vez falseadas, não poderão se instituir uma vez que o desejo de uma verdade total não existirá no coração de qualquer um. É a tarefa de um metteur en scène auxiliar seus contemporâneos a ver as coisas tais como são. Nesta perspectiva é capital nomear os filmes que nos mostram verdadeiramente uma jovem mulher que reage em relação ao seu pudor, em relação à animalidade que existe nela, em relação ao calor, a um tecido, ou a um prato. É desta forma que Jacques Laurent é o autor que escreveu as frases mais apropriadas e as mais francas sobre os músculos das meninas. Depois dos maiores, Propriedade Privada nos confirma que, se a moral existe, e ela deve existir, ela não separa o bem do mal, mas o que é natural daquilo que não é.

(Présence du Cinéma nº 12, março-abril 1962, pp. 31-32. Traduzido por Vinícius Noronha e Bruno Andrade)

 

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