SPARTACUS, Stanley Kubrick, 1960
A atualidade de Spartacus e seu interesse particular com relação a um certo número de filmes recentes confirma a razão de ser do cinema, a saber, um meio de expressão essencialmente popular, ou seja, por um lado utilizando os procedimentos de expressão mais diretos, por outro tratando os assuntos suscetíveis de comover ou interessar o mais vasto público. Tal cinema deveria então visar à simplicidade, e o erro dos críticos é de acreditar que essa simplicidade deva obrigatoriamente alterar toda inteligência e se descartar do mundo presente. Ao passo que nós pensamos que, buscada e obtida, essa simplicidade permitirá, ao contrário, estabelecer a diferença entre o essencial e o secundário, ou seja, fazer aparecer as linhas de força reais de um acontecimento. Trata-se, portanto, de utilizar os procedimentos do classicismo para a descrição de acontecimentos violentos ou revolucionários. Somente um cinema popular, no sentido em que o teatro elisabetano era um teatro popular, pode dar conta perfeitamente do mundo moderno, unindo em um mesmo movimento a descrição e a crítica. Dessa exigência, ao mesmo tempo, poucos filmes e um número enorme de filmes são a ilustração. Se O Fugitivo de Santa Marta (The Lawless, 1950), de Joseph Losey, é, na nossa opinião, o filme mais importante já feito, ele o é precisamente porque é o filme mais completo, aquele que define melhor os objetivos e os meios do cinema. E isso porque Losey se colocou, com a maior honestidade, todas as questões que devem constituir a responsabilidade de um metteur en scène. Sabe-se que Joseph Losey tem o enorme desejo de levar às telas Galileo Galilei de Brecht e pode-se, com razão, pensar que tal filme constituiria a primeira experiência real de cinema histórico.
O romance de Howard Fast foi adaptado e roteirizado por Dalton Trumbo, que trabalhou igualmente em Exodus, de Preminger, e em O Cúmplice das Sombras (The Prowler, 1951), de Losey. Na realidade, tanto no que diz respeito ao roteiro quanto à mise en scène, o interesse de Spartacus nos parece existir sobretudo no nível da concepção. Mas basta que essa concepção seja forte e que a parte técnica do filme seja sem falhas para que Spartacus possua as qualidades de uma certa tradição de cineastas americanos (os melhores filmes de Henry Hathaway, Richard Fleischer, Gordon Douglas ou André De Toth). Se essas qualidades existem particularmente nas cenas entre Spartacus e a jovem escrava com a qual ele se relaciona, elas são também o próprio movimento de cada cena, sua ampliação e sua beleza verdadeira. É uma percepção da beleza que nós havíamos apreciado em Vikings, os Conquistadores (The Vikings, 1958), de Richard Fleischer, e que é uma maior liberdade física do ator. Essa liberdade física e, de maneira geral, a importância atribuída às qualidades físicas dos atores, se não são um fim em si são, todavia, o princípio de toda experiência possível de mise en scène. O interesse de Spartacus é, portanto, de estabelecer que todo assunto histórico deve ser concebido e tratado como um assunto policial (mas é igualmente verdadeiro que todo assunto policial deve ser teatralizado como um assunto político). Não existe honestidade possível em face dos acontecimentos fora de uma concepção tradicional da descrição desses mesmos acontecimentos. Concepção tradicional, ou seja, que recusa os procedimentos modernos de interpretação e que se preocupa apenas em dar conta da totalidade do acontecimento. Assim, essa tradição do filme de aventuras americano, da qual Spartacus quer representar uma forma de maturidade, implica e define o princípio de toda representação de um acontecimento, já que ela lhe restitui, ao mesmo tempo, sua violência própria e o método de sua compreensão.
(Présence du Cinéma nº 10, janeiro 1962, pp. 46-47. Traduzido por Vinícius Noronha)
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