PREFÁCIO À EDIÇÃO N° 14 DA REVISTA PRÉSENCE DU CINÉMA (“SCÉNARISTES FRANÇAIS ET AMÉRICAINS”)
por Marc C. Bernard


É difícil decidir para onde deve hoje se orientar o nosso trabalho.
O que é importante, porque é o mais elementar e o mais grave, são as relações entre os seres humanos.
É preciso mostrar essas relações, o que elas são exatamente. Eis a primeira etapa.


Fritz LANG.

Os críticos de cinema conseguem persuadir seus leitores da existência de um mundo incrível de meditações nos espíritos dos realizadores de filmes. Nós gostaríamos de nesta revista, e neste número em particular, falar o máximo possível do cinema tal como ele é, e justamente tal como ele é nos espíritos daqueles que o fazem, e não como nós o sonhamos ou o comentamos. Honestos ou desonestos, a maioria desses comentários são eficazes e o jovem conhecedor é hoje persuadido de que, por exemplo, se Preminger responde a um entrevistador: “Uma teoria da mise en scène não existe; eu tenho uma história a contar e a conto”, é porque ele zomba de todo mundo e foge das questões.

É preciso retornar às verdades primeiras, logo às verdades primeiras dos cineastas, estas se estabelecendo claramente nas entrevistas tão freqüentes depois de alguns anos e que constituem as reflexões definitivas sobre os filmes. Nenhuma entrevista realizada com qualquer um dos cineastas que são particularmente defendidos nesta revista indica a menor evasão ou confusão. É de se notar igualmente que todos insistem no ponto que está na origem deste número, isto é, que um filme é de início uma história e que o trabalho do roteirista deve, portanto, ser considerado e talvez colocado em questão tanto quanto o do cineasta.

Otto PREMINGER: “Quais são, na sua opinião, no trabalho do cineasta, os elementos mais importantes?”

“Em primeiro lugar a história, em segundo os atores, ou mais exatamente os personagens do filme representados pelos atores, em terceiro a câmera, e eu prefiro que não se perceba a câmera.”

“A qualidade do roteiro é também, para mim, garantia da qualidade do filme. Um roteiro nunca está trabalhado o suficiente.”

Fritz LANG: “Como eu poderia separar o roteiro da mise en scène? Meu maior desejo é fazer filmes sobre a sociedade moderna e sobre os problemas que realmente dizem respeito a essa sociedade.”

Os melhores filmes destes que são efetivamente cineastas não devem nada a uma eventual teoria da mise en scène, mas tudo a uma ciência da ação dramática. Decidir que uma teoria, mesmo única, da mise en scène possa ser pesquisada e alcançada na realização de um filme é o meio mais certo para que esse filme seja tudo menos encenado. Se uma teoria da mise en scène é impossível, a mise en scène é muito possível, mas só é possível se ela visar a tudo menos a ela mesma. É possível dizer que no limite não pode e não deve existir nem tentativa nem concepção da mise en scène, esta existindo dela mesma apenas quando um certo nível é alcançado no roteiro e ela passa a ser a articulação (ou a respiração) mais lógica (ou mais natural) das ações desse roteiro.

O mais interessante do cinema recente é, segundo uma expressão ingrata porém justa, puro espetáculo ou pura narrativa, mas de agora em diante o enriquecimento a se alcançar será o dos roteiros e o do método desses roteiros. Os bons filmes são sem mistério, e No Silêncio de uma Cidade (While the City Sleeps, 1956) de Fritz Lang não é outra coisa senão isto, uma descrição mais exata (ou mais bem exposta) das relações humanas. Pelo fato da decisão por trás dessas relações - cuja descrição pode implicar a totalidade dessas situações modernas que a maioria dos roteiros ignora - caber com mais freqüência aos roteiristas, nós quisemos conhecer as opiniões de alguns deles sobre este trabalho.

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(Présence du Cinéma nº 14, junho 1962, pp. 3-4. Traduzido por Matheus Cartaxo)

 

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