PIERRE RISSIENT
por Marc C. Bernard


Após o meu retorno da Algéria tive a oportunidade de assistir La passe de trois e Les genoux d’Ariane, que são os dois primeiros curtas-metragens de Pierre Rissient. Sabe-se que Pierre Rissient encarregou-se após vários anos de tornar conhecidos, exibindo-os no MacMahon, os melhores filmes de Joseph Losey, Fritz Lang, Raoul Walsh e Otto Preminger. Sabe-se também que, graças aos seus esforços, a distribuição na França de A Sombra da Forca de Losey está enfim garantida; e que o MacMahon, tornada uma sala de exclusividade nesta ocasião, apresentou com sucesso O Tesouro do Barba Rubra de Lang, que a M.G.M. se recusava a distribuir. Hoje existe um círculo do MacMahon, que pode ser considerado diretamente responsável pelo enorme sucesso obtido por Os Mil Olhos do Dr. Mabuse e Armadilha a Sangue Frio, nos quais os seus distribuidores não acreditavam. Enfim, Pierre Rissient fará acontecer proximamente a distribuição de O Menino dos Cabelos Verdes de Losey e de Os Carrascos Também Morrem de Fritz Lang e Bertolt Brecht. Após ter acompanhado as filmagens de vários filmes, dentre os quais Os Primos de Claude Chabrol, Pierre Rissient foi o assistente de Jean-Luc Godard. Ele acaba, portanto, de realizar La passe de trois e Les genoux d’Ariane. Saindo de uma projeção de La passe de trois, do qual gostou muito, Fritz Lang declarava: “É um filme atual, moderno tanto por sua expressão quanto por sua matéria. Como meus filmes mais importantes, por exemplo No Silêncio de uma Cidade, La passe de trois se endereça à inteligência do espectador.”

André Fraigneau relembra esta frase de Napoleão Bonaparte segundo a qual “a felicidade é o maior desenvolvimento de nossas faculdades”. Eu acredito que todos aqueles que nos falaram de felicidade, de Raoul Walsh a Michel Déon, quiseram eles também que a felicidade fosse uma força, a maior em nossas vidas. A felicidade está na força, e ela cria, por sua vez, uma força ainda maior.

Qual é a principal qualidade de um espectador? A honestidade. Como se manifestava em 1951 a honestidade de um espectador francês? Reconhecendo que O Fugitivo de Santa Marta de Joseph Losey era o filme mais importante já feito. Como se manifesta essa honestidade em 1961? Reconhecendo que a energia criativa de O Fugitivo de Santa Marta existe pela primeira vez na França nos dois primeiros curtas-metragens de Pierre Rissient: La passe de trois e Les genoux d’Ariane.

A mise en scène é, sobretudo, fruto de um trabalho e convém que esse trabalho seja o mais completo possível, considerando por igual todos os elementos a serem integrados na realização de um filme. É falso acreditar numa supremacia da mise en scène sobre o roteiro: num filme tudo deve ser importante e especificamente o roteiro e os diálogos (os de La passe de trois e Les genoux d’Ariane são admiráveis). A novidade talvez mais decisiva dos dois curtas-metragens de Pierre Rissient está na vontade que ele manifesta de conferir o máximo de força ao trabalho com os atores, o som, a luz, o décor, a música, o diálogo. É fato, por exemplo, que os jovens realizadores franceses não consideram mais como há dez anos os problemas da fotografia, e isso não se deve unicamente à influência de certos diretores de fotografia americanos, como Ernest Laszlo. Porém nunca as questões de iluminação - pelo menos na França - foram resolvidas com tal consciência de que a luz, o décor e a decupagem criam um espaço único. Além disso, esses dois filmes, com uma grande maturidade técnica, confirmam a lição da decupagem de O Tigre de Bengala de Fritz Lang. Suas qualidades são a presteza, a clareza, a exatidão, e se essas qualidades existem é porque elas possuem raízes profundas, um movimento que é o mesmo de Joseph Losey e de Raoul Walsh quando eles encenam os acontecimentos do mundo. Raoul Walsh declara e Pierre Rissient prova que “há uma só forma de filmar um homem que entra num quarto”.

Pierre Rissient escrevendo sobre Joseph Losey e Joseph Losey escrevendo sobre Bertolt Brecht nos propuseram a maior abertura e a maior liberdade de inteligência. Do mesmo modo, Les genoux d’Ariane, como O Fugitivo de Santa Marta, é um filme que se abre sobre o mundo, fazendo-nos sentir o peso e o valor dos seres e das coisas.

É preciso falar, sobretudo, do que é o centro desses filmes: a presença da felicidade, seu reconhecimento no mundo. Nada é mais importante para mim do que o sentido da palavra “caloroso” e nada é profissionalmente mais importante do que saber revelar aos atores a riqueza da personalidade deles. Essas duas exigências são aqui alcançadas de modo que nós podemos dizer que nós nunca vimos na França tais reflexos dos atores, que sejam ao mesmo tempo tão brutais, e o movimento da amizade. Os diálogos de Michel Déon para La passe de trois e os de Alain Archambault para Les genoux d’Ariane possuem esse sentimento do calor e da amizade; mas o que é mais novo ainda é o que esses filmes nos fazem descobrir (assim, por exemplo, o essencial não é inventar os gestos para Vega Vinci, mas descobrir os gestos de Vega Vinci) e o próprio movimento dessa descoberta. Esse movimento é o da inteligência, mas, sobretudo, o de um sentimento profundo e exato da natureza.

(Présence du Cinéma nº 10, janeiro 1962, pp. 24-25. Traduzido por Matheus Cartaxo)

 

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