PANORAMA AMERICANO
por Alfred Eibel e Marc C. Bernard


O cinema americano não deve hoje interessar mais que o cinema europeu. No entanto, cinco filmes americanos podem, nos próximos meses, precisar o entendimento de um cinema moderno que a Présence du Cinéma busca defender. A política dos autores é em grande parte um mito tendo-se em conta, por um lado, o modo como são efetivamente produzidos e realizados os filmes e, por outro, quem são os autores em questão.

Uma visão muito livre e muito abrangente dos filmes é necessária hoje, capaz de examinar
tudo aquilo que intervém e está implicado em um filme. A potência de visão que buscam os filmes de amanhã pode parcialmente ser adquirida nas salas de cinema, sendo a linha de conduta que toda obra e toda reflexão impõem aquela de um realismo integral.

M.C. B.

A TERRA QUE AMAMOS de Leslie Stevens

Burton Wohl: “Cada roteirista americano quer mostrar aos outros americanos o que é importante nos Estados Unidos. O roteirista sabe que existe um público para isso, mas sabe sobretudo que mesmo que fale com uma certa franqueza sobre o casamento, o sexo ou o problema racial, ele não terá progredido uma polegada. Esse tipo de debate não interessa mais às pessoas, mas sim uma abordagem nova deles...”. O desejo de vários cineastas é mostrar o que é importante, ou seja, o que mais afeta a nossa vida - na verdade só é importante o que afeta realmente nossa vida. É então necessário expor um debate fora do pitoresco que esse debate, inevitavelmente, carrega consigo. Por isso “uma abordagem nova” de qualquer evento que possa interessar não é possível senão num meio ambiente que não atenue, de qualquer forma, a força desse evento. A Terra que Amamos (Hero’s Island/The Land We Love, 1962) de Leslie Stevens será talvez um passo suplementar nesse sentido, onde, mais que em Propriedade Privada (Private Property, 1960), nós tomaremos consciência de que toda forma de conforto, onde quer que ela se situe, pode a todo instante ser ameaçada.

A.E.

HATARI! de Howard Hawks

O custo elevado da produção, a liberdade da empreitada, a idade de Howard Hawks, a presença de certos atores, a Tanganyka, o trabalho de Russell Harlan e o de Henry Mancini, anunciam talvez o melhor filme de seu autor. A história enxuta (simples alternância de cenas de caça, de cenas sentimentais e cenas de comédia) e a atmosfera de completa improvisação que foi a das filmagens tornarão evidentes o talento, a habilidade e a maturidade de Howard Hawks. Ele é um dos cineastas que sucedem às vezes no que é o mais difícil: encontrar o tom exato. Essa exatidão pode ter a ver com um grupo de árvores, a cor azul ou o calor de um rosto. Hawks é sem dúvida um dos raros cineastas americanos a ter o senso do que é a execução de um movimento e a velocidade dele. Ele sabe o que ama esperar de um ator, e o obtém melhor que outros. Um filme de Hawks é um filme limitado, porém claro. Pode-se às vezes reconhecer ali o peso do mundo.

M.C. B.

CLEÓPATRA de Joseph L. Mankiewicz

É plausível que Cleópatra (Cleopatra, 1963) seja um dos melhores filmes de Joseph L. Mankiewicz. Primeira razão: o Todd-AO. Segunda razão: a falsidade física e moral que permeia o roteiro. Há muito pouco a se dizer sobre os filmes de Mankiewicz, que é talvez um dos melhores cineastas em 1962. Mas como isto é desprovido de interesse, não se deve dizer que seus filmes são, de perto ou de longe, retratos de mulheres (esta, uma expressão inverossímil). Também não se deve dizer, porque isto é falso, que A Condessa Descalça (The Barefoot Contessa, 1954) e A Malvada (All About Eve, 1950) estão entre os seus melhores filmes (os dois mais bem sucedidos sendo, até hoje e diferentemente, Eles e Elas [Guys and Dolls, 1955] e De Repente, no Último Verão [Suddenly, Last Summer, 1959]).

No interior de um filme as coisas se passam como se Mankiewicz não soubesse o que o interessa, o que é visível na condução de uma cena e no que é decidido. É uma forma de incapacidade que na verdade não o é e que nem sempre exclui a força da mise en scène. Seus filmes não ensinam nada mas confirmam o valor de um método.

M.C. B.

TEMPESTADE SOBRE WASHINGTON de Otto Preminger

A possibilidade de rever Laura (1944) em 1962 confirma nosso sentimento sobre os filmes de Otto Preminger: os mais importantes são alguns títulos recentes, todos em Cinemascope, Todd-AO ou Panavision: Carmen Jones (1954), Seu Último Comando (The Court-Martial of Billy Mitchell, 1955), Porgy & Bess (1959) e Exodus (1960). Esses quatro filmes indicam uma evolução que os separa das outras produções de Preminger e tornam hoje parcialmente caduco o interesse destas. Essa evolução, na qual se inscreve Tempestade sobre Washington (Advise & Consent, 1962), está ligada diretamente, por um lado, ao emprego da tela larga e muito freqüentemente da cor e, por outro, ao tratamento dado a grandes temas.

Duas características desses filmes modernos: 1. De um lado, a escolha de histórias suscetíveis de provocar sentimentos fortes e de apresentar completamente os conflitos ligados a esses sentimentos. Desse modo os filmes de Preminger serão cada vez mais abertos. Do outro lado, uma compreensão das relações humanas sensível primordialmente ao que é energia, trabalho, atividade e empreitada. Porém suscetível de ignorar certas coisas. Desse modo, e quanto a isso existem outras razões, os filmes de Preminger serão cada vez mais fechados. 2. A escolha do espetáculo (aventura, ação engajadora de um grande número de personagens, ópera popular). Esses roteiros onde são valorizadas a ação e a representação são um passo decisivo rumo a um cinema popular e didático, do qual Porgy & Bess, filme completamente prazeroso, é um dos melhores exemplos.

M.C. B.

A VIDA ÍNTIMA DE QUATRO MULHERES de George Cukor

A Vida Íntima de Quatro Mulheres (The Chapman Report, 1962) é a priori o mais interessante desses cinco filmes americanos, pois o valor técnico dos últimos filmes de George Cukor será aplicado a um roteiro do qual podemos esperar muito e que, sobretudo, nos ajuda a definir o que deveria ser os princípios de trabalho dos roteiristas.

No vácuo, os dois princípios de um roteiro são que este possa ser cósmico e teórico. Ser cósmico, isto é, manifestar a cada instante a totalidade daquilo que é vivo. Ser teórico, isto é, impor as formas da reflexão e da demonstração à maior ausência de entraves, ao conhecimento mais orgânico. Um realismo aberto deve envolver o corpo, a inteligência e as estruturas do mundo tais como elas são exatamente e tais como nós não pudemos jamais vê-las. A certa altura do conhecimento físico, o conhecimento metafísico existe. O inquérito sobre a vida sexual e sentimental de quatro americanas que é A Vida Íntima de Quatro Mulheres pode, em certas cenas, dar conta do trabalho a se fazer nesse sentido.

M.C. B.

(Présence du Cinéma nº 15-16, setembro-outubro 1962, pp. 26-40. Traduzido por Matheus Cartaxo)

 

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