BONEQUINHA DE LUXO, Blake Edwards, 1961
por Marc C. Bernard


Nos últimos dez anos tomou forma na França e praticamente nas principais capitais européias uma reconversão completa do público de cinema. Não é preciso retomar aqui os motivos disso, mas deve-se reconhecer que essa mudança permite hoje sensibilizar o público muito mais rapidamente a respeito de novas personalidades e criar correntes comerciais sem relação com as de antes da guerra. Acontece que a única forma de atrair o público é violentando-o, de modo que, envolvido pela imprensa na difusão desse sentimento, fica difícil para ele reconhecer a inteligência ou a ambição sob as aparências da modéstia. Assim, a forma de modéstia que existe em Mankiewicz e Hawks finalmente desorienta a imprensa mundial acerca da exata natureza dos seus propósitos. Os filmes de Blake Edwards, e Bonequinha de Luxo ainda mais que De Folga para Amar (The Perfect Furlough, 1958), são eles também julgados em Paris bem mais por essa modéstia do que por sua inteligência.

Como reconhecer a inteligência de um cineasta? Questão inverossímil tendo em vista os contextos inverossímeis em que ela é a cada vez colocada. Mas Blake Edwards, que conclui uma cena de crise de nervos de Audrey Hepburn com o plano de um gato arremessado por uma janela como gato algum jamais foi arremessado, não pode ser nem um tolo nem um louco. Sua inteligência está naquilo que seu trabalho de cineasta mantém sempre de vacilante em relação ao que é mostrado. Não se trata de uma falha mas sim, senão do próprio princípio, ao menos do meio pelo qual se dá a realidade de toda mise en scène. Encenar não é controlar a realidade, mas sim se controlar diante da realidade. Há em Bonequinha uma grande falsidade muito conscientemente empreendida e que se manifesta, por um lado, no fato de que tudo o que é tradicional é absolutamente respeitado e extenuado, e, do outro, na irritação experimentada nessa tarefa. Seguindo De Folga para Amar, Bonequinha traz o mesmo movimento, porém contrariado, e é dessa contrariedade que nasce a força. Essa força, ou, se nós quisermos, essa vontade de permanecer consciente, é mantida não para colocar em questão a tradição, mas sim visando uma expressão ainda maior da mesma.

A encenação exige que se esteja decidido a ir muito longe na expressão da realidade. Um cineasta é um homem de uma liberdade total. Isso significa que ele deve desvanecer-se completamente diante da realidade e permanecer o centro desse conhecimento. Isso não é uma teoria, mas a própria experiência desse trabalho. E é finalmente uma teoria, pois a própria idéia desse projeto é impossível de concretizar-se. É por isso, e não poderia ser diferente, que os grandes filmes serão somente filmes muito modestos nos quais o cineasta se traiu.

(Présence du Cinéma nº 11, fevereiro 1962, pp. 54-55. Traduzido por Matheus Cartaxo)

 

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