CAMINHO SEM VOLTA
por João Palhares


Caminho Sem Volta é um portento de filme, prova que as coisas certeiras, as que fazem doer, em cinema, não estão em guiões nem em palavras, mas nos gestos dos Wahlbergs, Phoenixs e Therons deste mundo, na encenação do acidente, na gestão sentida de planos, na proximidade acutilante da câmera, na mise en scène.

Não se resolve fazer um filme só porque sim. Se se filma, há uma gravidade imposta, é a responsabilidade de um cineasta. Se aquela família é tudo durante duas horas, não é devido a profissionalismos, a competências e a coisas “bem conseguidas”, ou pelo menos não só devido a isso. Não. É a tal lembrança, o tal engenho, a tal sensibilidade. O travelling de James Gray (é o que fica, tem que haver um travelling só dele), fazer colidir todo o caos criativo, todas as idéias, certezas e dúvidas, estória e personagens, num só movimento de câmera.

Antes de começarem os créditos finais, depois da última coreografia do leitmotiv holstiano (há quatro, durante todo o filme, todas com significados e implicações diferentes, e fazem lembrar o que o Cimino fez com Mahler nas cenas-chave de O Ano do Dragão) depois do luto, depois do grande plano desse ator enorme que é Mark Wahlberg, depois do longo e penoso fade to black; as harpas, o contrabaixo, as cordas, o travelling à frente dos comboios, nas “yards”. A delicadeza desse plano, que parece tudo resumir, a consciência e sabedoria impetuosas de quem pôs aquele plano ali, de quem o filmou. Tudo em perspectiva plena. A paixão secreta de Leo e Erika, a figura trágica de Phoenix (a dor e a raiva daquele personagem), a tristeza daquelas duas mães, o olhar dilacerado daquele pai, a humanidade, o não se poder pensar as coisas em termos de bem ou mal. A vida é um acidente terrível.

O talento de um artesão não está em conseguir projetar todas as implicações e dúvidas até ao infinito no fim de um filme, mas em querer fazê-lo, pelas suas personagens e pelo amor que lhes tem.

Isto, a “resolução”. Primeiro, e enumero, o regresso de Leo a casa, a um paraíso instável e que, aos poucos, desaba; o encontro no corredor; os olhares que se trocam nesse encontro; um amor impossível; apagam-se as luzes, apaga-se o mundo; as velas e o primeiro prenúncio da tragédia; uma mãe frágil, doente, que quer acreditar que tudo melhorará. Todos querem. Leo é o intruso que vem abalar os alicerces daquela família, é ele que revela todos os “podres”, todos os crimes, todos os pecados...

Zero de Scorsese, pouco de Coppola. Eu penso em Minnelli, acima de tudo (Ford e Cimino, também). Em Deus Sabe Quanto Amei. Sinatra e Wahlberg, o mesmo olhar, o mesmo peso às costas, a mesma dor... Theron e MacLaine, o mesmo olhar também, fortíssimas. Pilares. Frágeis, instáveis... não é possível não as amar durante duas horas...

Phoenix, a figura mais trágica e triste de todo o filme. Depois do inferno se soltar, nas escadas, depois do terremoto, ao volante do carro, a chorar e a estremecer, desalmadamente. O respeito pelo Homem, a câmera nunca o tenta destronar, mas enaltecer, nos altos e nos baixos, na lei e no crime, esteja “certo” ou “errado” (Caminho Sem Volta é um documentário). O tempo, o compasso lento e doloroso dessa cena...

Um filme nuclear do cinema norte-americano...


 

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