O FILME QUE SE DEVE FAZER
Sobre Caminho Sem Volta de James Gray, por Vincent Jourdan


(The Yards). 1999. Miramax Films/Paul Webster - Industry Entertainment (115 minutos). Produção: Nick Wechsler, Paul Webster, Kerry Orent. Produção executiva: Bob Weinstein, Harvey Weinstein, Jonathan Gordon. Co-produção: Matt Reeves, Christopher Goode. Roteiro: James Gray e Matt Reeves. Fotografia: Harris Savides (Panavision, Technicolor). Música: Howard Shore. Cenografia: Kevin Thompson (p.d.), Judy Rhee (a.d.), Ford Wheeler (s.d.). Montagem: Jeffrey Ford. Elenco: Mark Wahlberg (Leo Handler), Joaquin Phoenix (Willie Gutierrez), Charlize Theron (Erica Soltz), James Caan (Frank Olchin), Ellen Burstyn (Val Handler), Faye Dunaway (Kitty Olchin), Steve Lawrence (Arthur Mydanick), Andrew Davoli (Raymond Price), Tony Musante (Seymour Korman), Victor Argo (Paul Lazarides), Tomas Milian (Manuel Sequiera), Robert Montano (Hector Gallardo), Victor Arnold (Albert Granada), Chad Aaron (Bernard Soltz), Louis Guss (Nathan Grodner), Domenick Lombardozzi (Todd), Joe Lisi (Elliot Gorwitz), David Zayas (oficial Jerry Rifkin).

Obstinado. Stubborn como dizem nossos amigos anglófonos. A determinação parece ser o traço dominante do caráter de James Gray, um dos realizadores americanos mais instigantes dos últimos vinte anos. Ela dá o tom desde Caminho Sem Volta em 2000. Inadmissível, após a proeza de Fuga para Odessa em 1994, comprometer o filme que queria, do mais profundo de si, fazer. Ele passa cinco anos preparando Caminho Sem Volta, e depois mais sete anos após o fracasso público do filme antes de propor uma versão mais sedutora talvez, sem dúvida, com Os Donos da Noite em 2007 quando, sem desistir das suas temáticas e da sua estética, encontra o seu público e se impõe como grande cineasta clássico da sua época. Reassegurado, Gray pode então passar a outra coisa e filmar a simples história de amor de Amantes no ano seguinte. Quinze anos, quatro longas-metragens, mas James Gray impôs James Gray no seio de um sistema onde reina o falso e o fácil.

Retrospectivamente, Caminho Sem Volta é talvez o filme essencial dessa obra, sua inflexão e sua chave, prolongamento de Fuga para Odessa e matriz mais bruta de Os Donos da Noite. O filme contém essa obstinação sem falha de James Gray e pode ser lido como metáfora de seu próprio percurso e das questões levantadas ao jovem cineasta. O filme é ao mesmo tempo o que ele quis fazer, o que ele oferece ao público e uma reflexão sobre sua fabricação. Através do personagem principal de Leo Handler interpretado por Mark Wahlberg, Gray faz um auto-retrato no qual exorciza seus medos e suas dúvidas. Como começar vagueando, como acabar aceitando compromissos, como, a fim de saciar sua inclinação natural, acabar por se trair, a perder seu amor para, ao final, reencontrar-se no mesmo lugar do começo.

O primeiro plano do filme é impressionante. Escuridão. Depois pontos luminosos como o espaço infinito. Como um nascimento, como as estrelas de Hollywood. Em seguida, brutalmente, uma luz ofuscante e dura. Nós emergimos de um túnel de metrô em Nova York. E essa cidade que nós vimos mil vezes, parecemos descobri-la de novo. Leo, olhos fechados, sentado num vagão. Intuição do filme que se seguirá, seu olhar cruza o de um policial em serviço. Duas horas mais tarde, nós o reencontraremos sentado no mesmo lugar em um vagão idêntico, o olhar incerto. O ciclo se fecha. Até lá, as sirenes hollywoodianas cantam nos ouvidos de James Gray. Venha conosco, venha em direção à vida fácil, ao dinheiro, às belas garotas como aquelas das revistas e às boates noturnas cuja música anestesia os tímpanos. Gray sobrepõe seu percurso ao de seu herói, numa história herdada do film noir clássico que o aficciona e de suas próprias raízes, mergulhando na tragédia não menos clássica.

Leo fez algo de bom. Ele não traiu a família, ele não contou nada à polícia e cumpriu a pena para proteger seus amigos (Gray fez um primeiro filme notado). Quando ele retorna, é festejado, felicitado, querem lhe arranjar um trabalho, integrá-lo ao sistema. Mas o amigo (Willie Gutierrez, interpretado por Joaquin Phoenix) tal como o patrão (Frank Olchin, interpretado por James Caan) não largam a idéia que têm dele e não se importam com suas aspirações pessoais. Eles se interessam naquilo que Leo pode lhes conseguir e, num primeiro desvio, estarão dispostos a sacrificá-lo. Idéia de sacrifício aqui tomada literalmente, pois estamos no submundo. Faz esse filme que nós precisamos, James, faz esse filme que nos fará ganhar dinheiro.

Diante deles, dessa tentação, Leo conta com o apoio incondicional de sua mãe, bela figura encarnada pela grande atriz Ellen Burstyn. Ela acredita nele e o faz remontar sua infância, suas origens misturadas às origens proletárias de Gray, a uma certa forma de fidelidade, a uma certa idéia de cinema.

Como num espelho, há também Erica (Charlize Theron), o amor de infância, aquela que já passou para o outro lado, que do espelho caiu no engodo, seduzida por Willie, ligado ao seu padrasto que é ninguém menos que Frank, que procura lhe impor sua autoridade. Emperrado. O amor de Leo e Erica, muito puro, exprime-se simplesmente por olhares e gestos traçados com elegância por Gray que lhes fornecem a força da evidência, uma comunicação para além das palavras que faz sentir a estreita proximidade deles. Ela é um tipo de ideal que se revelará inacessível. Essas duas mulheres e o que elas representam são a inspiração de Leo, sua força e sua fraqueza. É por elas que ele tenta manter a conduta, mas é por elas que se mete em perigo ao recusar a fuga.

Gray, perseguindo seu jogo de espelhos psicológicos, propõe com o personagem de Willie um reflexo de Leo. Procedimento clássico aqui ainda, mas que funciona na referência à tragédia e graça às qualidades de escrita do realizador. Willie é apresentado como tudo o que Leo não é. Extrovertido, audacioso, sedutor, conversador, ele conseguiu um excelente posto próximo de Frank e o aparente amor de Erica. Se prosseguimos com nossa metáfora, Willie é a imagem do realizador que Gray teme se tornar. O auto-retrato se torna esquizofrênico. O sucesso de Willie é de fachada e esconde uma verdadeira fragilidade que atingirá o patético. De um lado ele é controlado pelos bandidos que é obrigado a empregar e, do outro, ele não é prestigiado por Frank. Este não quer que sua enteada se case com ele e, como fará com Leo, não hesitará em sacrificá-lo para salvar o seu poder. Ao final, há a derrapagem de Willie que termina por se confundir com Leo antes de cair completamente. Gray encena a fragilidade do personagem com muita sutileza, pondo Willie no centro das primeiras cenas coletivas antes de sublinhar por pequenos toques a verdade de sua posição. Os olhares que Frank lança sobre ele em particular são formidáveis, reforçados pela utilização simbólica de um ator que começa (Joaquin Phoenix) e de uma verdadeira lenda viva (James Caan). Depreende-se do personagem uma forte dimensão trágica. Ele é um joguete do destino, apesar da escuridão de algumas de suas ações.

Frank é aqui a imagem do executivo hollywoodiano típico e no retrato que faz dele Gray é impiedoso. Frank é um arrivista, sua classe como seu poder são apenas camadas finas que escondem um homem sem envergadura, crente que o dinheiro compra tudo, confortável num sistema feliz em chafurdar na sua corrupção, porém perdedor de todos os seus recursos quando o sistema vacila. Também ele se revela quantidade sacrificável. Gray é bastante cruel com ele, do escritório um tanto gasto ao terno mal ajustado, da rejeição de Erica à forma como ele é ignorado por seus “amigos oficiais” passando pela sua refeição, paródia da refeição familiar onde se come pratos vindos da cozinha chinesa. Em tudo ele se opõe para Leo à figura materna que, de origem modesta, continuou modesta e fiel às suas raízes (a refeição que ela prepara para o retorno do filho é tradicional e parece saborosa), um modelo de orgulho. James Caan remete, por seu passado, ao Marlon Brando de O Poderoso Chefão (1972), mas desprendido de qualquer romantismo, sem a sensação de verdadeiro poder, o sentimento do verdadeiro respeito. Também não tem mais, felizmente, aquela aura romanesca que nós costumamos associar a esse tipo de indivíduos.

Gray fez esse pequeno mundo evoluir no universo do film noir que compôs com refinamento, da fotografia feita de escuridões profundas de Harris Savides, que aportou um aspecto atemporal aos soberbos cenários urbanos, uma intensidade e uma história, à música de Howard Shore, cujos tons clássicos ficam na linha de seu trabalho com Cronenberg. Gray insinua aqui suas raízes cinéfilas fazendo coabitar várias épocas do polar. Faye Dunaway e James Caan reportam ao grande cinema dos anos 70, Bonnie e Clyde (1967) e O Poderoso Chefão mas também aos filmes de Sam Peckinpah ou Roman Polanski. Mais sutil, a presença do formidável Tomas Milian e de Tony Musante (que nós reveremos em Os Donos da Noite) evoca os Poliziotteschi italianos e o giallo. Em seguida, Gray impôs suas próprias descobertas com um trio deslumbrante composto por Mark Wahlberg, Charlize Theron e sobretudo Joaquin Phoenix, seu ator fetiche. Reencontramos esses estratos geracionais em todos os seus outros filmes. Esse aspecto, jamais em destaque porém muito presente, permite a Gray se colocar numa posição original na mudança do século, entre os jogos lúdicos e enternecidos de um Quentin Tarantino e as demarcações temperadas com humor negro dos irmãos Coen. Um lugar que terá levado tempo para construir, com obstinação.

(Traduzido por Matheus Cartaxo Domingues)


 

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