MONICELLI OU A COMÉDIA EXTREMA
por Luc Moullet


Na Radio Cinéma Télévision de 21 de abril de 1957, eu afirmei: “Entre os recém-chegados do cinema italiano, existem autênticas esperanças.” E nomeei desta forma Cottafavi e Mario Monicelli. Eu logo recebi uma carta furiosa de Lo Duca, co-fundador dos Cahiers. Para ele, tratavam-se de vulgares cineastas comerciais. Não se mistura os trapos com as toalhas.

Esse desdém por muito tempo permaneceu idêntico para com os cineastas transalpinos que trabalhavam com os gêneros populares - Matarazzo, Cottafavi, Bava, Jacopetti - mas se tornou menos agressivo em relação a Monicelli. Por quê? Porque a comédia (com a qual todos os grandes da Itália trabalharam, exceto Antonioni) era menos desprezada que o melodrama, o peplum ou o horror. E porque houve logo depois dois filmes de M.M. mais politicamente corretos que suas primeiras comédias, A Grande Guerra (1959), Leão de Ouro em Veneza ex aequo com Rossellini, e um drama sindical, Os Companheiros (1963). M.M. foi admitido entre os grandes, apesar de eu senti-lo menos confortável no conteudismo.

Aos olhos da inteligência romana, ele permaneceu ainda um pouco atrás. Sob o estímulo do seu Leão de Ouro, confiaram-lhe um dos episódios de Boccaccio ’70, eliminado em diversos países porque Monicelli era menos conhecido que seus três colegas, De Sica, Visconti e Fellini, e porque foi o único dos quatro a não ter escalado estrelas.

Há uma grande desigualdade entre os diversos trabalhos de Monicelli, de Proibito aos Brancaleone. Ele é o cineasta de longa-metragem que teve a carreira mais extensa da história do cinema, 72 anos entre uma refilmagem de Homens de Amanhã de Borzage, filme amador finalizado em 1934, e o último, Le rose del deserto, também uma refilmagem, procedente de Scemo di guerra de Risi. Amplitude de carreiras tornada possível pelo alongamento da vida no ocidente, mas que não é sem risco para os cineastas: difícil manter a qualidade quando se ultrapassa cinqüenta filmes no curso de uma existência.

O déficit de notoriedade de M.M. em comparação aos seus ilustres compatriotas nada tem a ver com um talento que seria menor, mas com a sua recusa das audácias ostentosas como as de A Aventura, Fellini Oito e Meio e Umberto D.. Um filme de Monicelli, é antes de tudo um roteiro sólido, diálogos penetrantes e engraçados e a escolha de bons atores - entre os quais uma série de coadjuvantes maravilhosos. Paradoxalmente, Monica Vitti, musa de Antonioni, nunca esteve mais à vontade que sob a direção de Monicelli, A Moça com a Pistola (1968). Valores clássicos que poderiam ser confundidos com banalidade. Mas é a essência do bom cinema que este modesto artesão encarna. Nada além de comédias, à parte quaisquer dramas decepcionantes (Proibito, Os Companheiros).

Mas a comédia é um campo de ação bastante vasto: há primeiramente sua opção mais tradicional, fundada sobre o contraste entre personagens diferentes interpretados por atores conhecidos. Protótipo: Os Eternos Desconhecidos (1958), com Gassman, Mastroianni, Salvatori, Cardinale, Totò.

Há também o one man show a que tendiam os filmes de início de carreira interpretados por Totò.

Há os filmes de episódios dirigidos por cineastas célebres. Os de Monicelli são incisivos, bem destacados (Os Novos Monstros, As Rainhas). Não esqueçamos os filmes picarescos. Se I picari decepciona, é porque não é da natureza da obra picaresca fundar-se sobre dois heróis aproveitadores e insólitos integrados a aventuras rocambolescas.

Um sozinho contra todos é a lei do gênero. Por outro lado permanecem bastante prazerosos os Brancaleone, que acumulam efeitos incongruentes, notadamente na utilização da cor e do décor, impensáveis, através de uma Idade Média bastante cruel. Essas obras devem muito ao jogo exagerado de Gassman.

O exagero é um campo de trabalho no qual Monicelli se dedicou bastante. O procedimento choca nos filmes de outros cineastas, que ladeiam múltiplos efeitos chamativos a partir de ações banais, de personagens normais, que acabam entorpecidos. É o caso, freqüentemente decepcionante, de Harry Baur, de Romy Schneider, de Annie Girardot ou de Rod Steiger. O jogo exagerado é melhor conduzido quando os personagens se aproximam da loucura, como aquela encarnada por Mariangela Melato em Caro Michele (1976). Melato interpreta bem? É a pergunta que nos fazemos ao longo de todo o filme. Seria melhor se interessar um pouco mais pelos personagens... A situação de nossa heroína num quadro realista restringe o poder poético do filme. Ao passo que o multi-espetáculo de uma Idade Média imaginária faz recuar os limites da extravagância em Brancaleone nas Cruzadas.

Vê-se a diferença em relação a Risi, muito muito desigual, mais pés no chão, que se contenta em seguir seus heróis com atenção, e que permanece exclusivamente italiano. Já Monicelli, trata-se de uma composição cosmopolita, rítmica, decorativa, cromática, que dota o jogo exagerado de uma aura, de um eco infinito e siderante.

Um Monicelli é pois um gênero preciso, a comédia estridente, cáustica, com filmes cruéis e perspicazes sobre a terceira idade[1] da qual o cineasta se aproxima pouco a pouco: Parente é Serpente (1992), Quinteto Irreverente (1982). Ele termina por fazer explodir todos os grilhões do gênero. Há ali mais audácia, creio eu, que em A Aventura ou Morte em Veneza. Uma audácia interior, um pouco secreta. Daí a difusão complicada na França dos Brancaleone (um passou apenas na televisão, e o outro só foi lançado ao término de três anos de atraso), e a dificuldade de achar boas cópias nesta recente homenagem na Cinemateca.

Vou me concentrar em dois filmes pouco conhecidos, e que constituem o melhor de Monicelli. Totó, o Rei de Roma (1951), inédito na França, foi esquecido, talvez por não ser assinado por Monicelli sozinho. É, oficialmente, um filme de Steno e Monicelli, o que o faz menos filme de autor. Classificado entre os filmes comerciais de série, ele é no entanto tirado de duas novelas de Tchekov, referência cultural maior[2]. Ele abunda de idéias hilárias. Sentimos que os roteiristas puderam se divertir como loucos. Totò, pequeno funcionário, finge partir ao mar com a família para fazer com que o vizinho acredite que não são pobres (na verdade, eles retornam discretamente à noite). Sua filha trata de se bronzear atrás das janelas fechadas para provar a sua estadia na praia. Um papagaio foi fuzilado pelos partidários: ele cantava um refrão mussoliniano. Totò é encarregado de ensinar outro desses a falar para que ele finja substituir o animal morto...

A comedia é ainda mais extrema em Rosy Furacão (1979), que gira em torno do wrestling feminino, gênero que inspira também o belo e derradeiro Aldrich, Garotas Duras na Queda. Rosy se beneficia de uma estrela francesa, Depardieu, com uma falta de jeito bastante trabalhada, e se situa em Paris e nos Flandres, em cenários de estúdio feitos para serem destruídos pelas lutadoras. Os combates são concebidos como balés, com seqüências de golpes e movimentos de uma virtuosidade e de uma destreza incríveis. Uma poesia fundada sobre a alternância entre os lugares comuns (circo, marinha, deslocamentos portuários) e a incongruência das ações. Eu não conseguia parar de rir constantemente. Rosy foi um fracasso. Muito novo, muito pouco italiano exteriormente. No entanto, é pura commedia dell’arte. A obra-prima de Monicelli.

Notas:

[1] Umberto D. (Zavattini - De Sica), La casa del sorriso (Ferreri), Buon Natale... Buon anno (Comencini), Violência e Paixão (Visconti) não temiam evocar a velhice, esquecida por nosso cinema francês.

[2] De todos os cinemas do mundo (incluso o soviético), o cinema italiano é aquele onde mais (e melhor) se adaptou a literatura Russa czarista, graças a Bertolucci, Cottafavi, Visconti, Taviani, Bellocchio, Camerini, Lattuada, Soldati (ao lado de Vidor para Guerra e Paz). Eu não sei por que.

(Cahiers du Cinéma nº 635, junho 2008, pp. 82-83. Traduzido por Bruno Andrade e Matheus Cartaxo Domingues)


 

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