O CINEMA CLÁSSICO AMERICANO
por João Palhares


FOCO - Julho 2011

When you boil it all down, what does a man really need? Just a smoke and a cup of coffee.

Johnny ‘Guitar’ Logan, em Johnny Guitar

Clássico não pode ser uma perspectiva ou uma antologia histórica, o “classicismo” não pressupõe uma distância, mas a proximidade. Clássico não é antigo. Clássico é a supremacia do gesto. Parafraseando um clássico, é a “câmera ao nível do olhar”, é ser humilde o suficiente para olhar alguém como se olha para si próprio e é construir um mundo, fazer parecer isso simples. O segredo está no sentimento.

Lembramo-nos de um qualquer filme de Hawks e percebemos (o cinema da evidência; aquilo que é, é) que o classicismo se constrói sob o signo da consistência. Filmar um plano sabendo que se filmou outro antes, e torná-los indissociáveis, trabalhar esta indissociabilidade aos limites da insolubilidade. É a arte de Hawks, Ford, Ray, Wilder, Fuller, Carpenter, Eastwood, Gray, para citar apenas alguns. Se há uma herança, aliás, do Cinema clássico, ela está em Gray, e não na perpetuação da montagem e narrativa “clássicas” ou estanque (é melhor palavra), que é mais ou menos tudo o que as nossas televisões nos mostram.

O gênio dos clássicos está em filmar o momento como se fosse, de fato, um momento. A tal nível de engenho que se torna difícil, por exemplo, saber se Bacall e Bogart se apaixonaram quando ela lhe crava o cigarro no hotel (na rodagem dessa cena de Uma Aventura na Martinica, tal como as personagens), ou noutra altura. Sei que é um chavão tremendo dizer que às vezes a realidade se confunde com a ficção, só que é isso mesmo. Hoje em dia não se cultivam (não se faz o culto, não se apreciam) momentos, não se consegue perceber que são os gestos e os movimentos, os olhares, que fazem um filme, ou que nos fazem gostar de alguém. O modo como se articulam os gestos, o tempo, o ritmo. Não, hoje não. Segue-se em frente. NEXT. É por isso que Carpenter, Eastwood e Gray são contracorrente, por “ousarem” parar por um bocado.

Carpenter compreende, aliás, o que estas pausas implicam. Se o Cinema atual (se até a sociedade atual) torna insustentáveis estas pausas, tome-se um momento. Abra-se o maço de cigarros. Com calma, sem pressas, tire-se o cigarro. Já está na boca, venha o fósforo. Inale-se. Mas só depois de acabar com o mundo. É preciso apagar o mundo para se poder fazer isto em Cinema; é triste, mas é verdade, já não há estilo em fumar, já não há coolness nenhuma, já não se filmam Homens a fumar, já nem há liberdade para o fazer. Tem que haver revolta no mais simples gesto. Um Homem (h maiúsculo, mulheres também) sabe que é verdadeiramente livre quando “saca” do maço e tira um cigarro, quando abafa os problemas em cada bafo desse cigarro (fumar um cigarro é apagar o mundo, um bocado, é esquecer alguns problemas). O cinema clássico americano é o melhor cigarro do mundo, é o melhor maço, a melhor tabaqueira.

É preciso, portanto, ser reacionário para ser clássico, e é o que se tarda em perceber. Já não há facilidades, e é por isso que há cada vez menos clássicos. A pressa dos tempos complica isto tudo. Tudo ciente de si, mas sem rumo. O ritmo frenético da coisa (da sociedade) vai-nos reconfortando a todos, superficialmente. Twitters, facebooks, links e gostos. A torto e a direito. Ontem? Essa palavra já nem existe. Classicismo americano devia ser uma herança, e não qualquer coisa “fofinha” perdida no tempo.

E não deixa de ser engraçado pensar que nos anos das grandes restrições de censura, o Homem percorria pradarias, dançava, fumava, olhava. Olhar, até para isso parece que não há tempo. Na Hollywood de hoje, o Homem só é livre no sonho. Só na cama, de olhos fechados. Só, no escuro, agachado e encolhido. À espera de injeções mentais, inceptions. Hollywood sabe o que é bom para nós.

Não é que não haja liberdade para os clássicos, porque há. Há liberdade para tudo. Não há é tempo, não há é paciência. É a terrível nuance dos nossos tempos. Uma pessoa quer um café e um cigarro mas não deixam, proíbem. A sociedade sabe o que é bom para nós.

Enquanto Hollywood não der um bafo, “dá o bafo”... arde e apaga.

Keaton, Chaplin, Lang, Ford, Wilder, Hawks, Preminger, Aldrich, Tourneur, Sturges (os dois), Ray, Fuller, Lewis (os dois), Walsh, Dwan, Mann (os dois), Boetticher, Tashlin, Edwards, Minnelli, McCarey, Hellman, Peckinpah, Cimino, Flynn, Eastwood, Carpenter, Cronenberg, Jarmusch, Gray. Os clássicos. Os grandes “fumadores” americanos. Uma família estética e ética.


 

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