O TEATRO DE FEIRA DOS DESERTOS DE ALMERÍA
por Bruno Andrade
Vocês, artistas, que fazem teatro em grandes casas, sob a luz de sóis postiços, ante a plateia em silêncio,
observem de vez em quando esse teatro que tem na rua o seu palco: cotidiano, multifário, inglório, mas tão vivido e terrestre,
feito da vida em comum dos homens – esse teatro que tem na rua o seu palco.
— Bertolt Brecht, Sobre o teatro de todos os dias
O meu cinema é popular. Não é elitista, decadente ou pedante. Tem apelo popular e algo fundamental que é o ritmo.
Nossa aristocracia cabocla não aprendeu a rimar. Cinema não se aprende na escola.
— Rogério Sganzerla, crítico de cinema
e autodenominado realizador de filmecos











Foram incontáveis horas passadas à frente da televisão, de computadores (mais tarde em salas de cinema), no aguardo de exibições pouco frequentes (e frequentadas), em busca de fitas desgastadas, cópias temerosas (obtidas na pré-história dos downloads, na aurora do eMule), esperando por meses a fio o anúncio dos próximos lançamentos em DVD, à época em que o formato ainda convivia, e parecia convergir, com o VHS (primeiramente nos Estados Unidos, com a Anchor Bay e a Image Entertainment, alguns anos depois com a NoShame e a Arrow Films, e apenas bem mais tarde no Brasil), mantendo contato com colecionadores brasileiros e estrangeiros (pelos quais conseguíamos as cópias piratas de laserdiscs japoneses dos filmes impossíveis de se localizar em qualquer parte do mundo), frequentando inúmeras videolocadoras e alguns videoclubes, sempre abarrotados de raridades nos seus acervos (verdadeiras caças ao tesouro, impensáveis nos dias de hoje), e no meio disso tudo vendo os filmes, o maior número possível deles (que correspondia a tudo em que se pudesse meter as mãos), sem qualquer ambição de hierarquizá-los, sem qualquer interesse que não fosse o de simplesmente vê-los, o de finalmente conhecê-los (aqueles de que se havia ouvido falar, aqueles de que ninguém nunca mais quis lembrar), sondando um território ainda desconhecido, inclinando-se mais para certo título obscuro e menos para aquele mais renomado (em uma época em que isso tudo ainda podia acontecer porque a visão, o objetivo final de todas essas buscas, ainda não havia cedido lugar ao gosto), permanecendo no encalço de novos filmes (que já naquela época eram velhos) e lentamente adquirindo algumas preferências, mas distante ainda da formação de qualquer panteão (e mais longe ainda da constituição de qualquer cânone).
Da indiferença às revelações, foram mesmo inúmeras horas passadas com os filmes (excepcionais, insignificantes, inenarráveis, inadmissíveis: nada disso importa, a época não se prestava a esse palavrório) de Enzo Barboni, Michele Lupo, Gianfranco Parolini, Paolo Cavara, Roberto Bianchi Montero, Giuliano Carnimeo, Giancarlo Santi, Tulio Demicheli, Maurizio Lucidi, Paolo Bianchini, Eugenio Martín, Giuseppe Colizzi, Luigi Bazzoni, Mario Caiano, Carlo Lizzani, Rafael Romero Marchent, Giorgio Stegani, Alfonso Balcázar, Mario Lanfranchi, Franco Giraldi, Tonino Cervi, León Klimovsky, Giorgio Capitani, Alberto De Martino, Giulio Petroni, Giovanni Fago, Sergio Bergonzelli, Romolo Guerrieri, Giuseppe Vari, Primo Zeglio, Tonino Ricci, Alberto Cardone, Joaquín Luis Romero Marchent, Julio Buchs e tantos outros que, a partir de 1964, povoaram umas ruas poeirentas nos arredores de um balneário espanhol com algumas reminiscências de velhos filmes americanos, metamorfoseando-as em atrações de circo, em apresentações de habilidade e agilidade de feira de praça, em números cabotinos (e por vezes cansativos) de malabarismo, acrobacia, equilibrismo e contorcionismo, alguns por algumas horas, outros por alguns dias, poucos por alguns anos, pouco importa. É preciso afirmar que, em vista das suas premissas elásticas (para não dizer evasivas) em relação ao western, em vista da sua própria variedade e vitalidade, em vista daquilo que é no momento em que faz a sua entrada (o reaproveitamento dos despojos de outro gênero, o peplum, no exato momento em que este inicia o seu colapso) e também do que não é (o western clássico americano, o western moderno americano), o ciclo de faroestes italianos ter durado o que durou foi uma anomalia propiciada por obras anômalas no interior de uma cinematografia, a italiana, também anômala.
Muitas horas passadas com esses filmes, sim, e com alguns rostos atraentes e sujos, amassados, barbudos, cansados e contrariados (os de George Hilton, Aldo Sambrell, Tomas Milian, Robert Hundar, Nello Pazzafini, Charles Bronson, Antonio Sabato, Bud Spencer, Frank Wolff, Eli Wallach, Pedro Sanchez, Woody Strode, Jack Palance, Benito Stefanelli, Klaus Kinski, Lorenzo Robledo, Gian Maria Volontè, Al Mulock, Franco Nero, Dean Reed, Lee Van Cleef, Marco Zuanelli, Tony Anthony, Antonio Molino Rojo, Lou Castel, Anthony Steffen, John Phillip Law, Giuliano Gemma, Tony Musante, Clint Eastwood, Fernando Sancho, Craig Hill, Richard Harrison, Donal O’Brien, Antonio Casas, John Ireland, Edd Byrnes, Luigi Pistilli, Gilbert Roland, Terence Hill, Enrique Santiago, James Coburn, Gianni Garko, Chuck Connors, John Bartha, Joseph Cotten, José Riesgo, Gordon Scott, Jack Elam, Mark Damon, Jean-Louis Trintignant, Henry Silva, Brett Halsey, Orso Maria Guerrini, Henry Fonda, Jim Brown, Ty Hardin, Marco Guglielmi, Telly Savalas, Franco Fantasia, Robert Woods, Alberto Dell’Acqua, Cameron Mitchell, Furio Meniconi, Edward Ross, Luis Barboo, Fabio Testi, Peter Lee Lawrence, Geoffrey Lewis, Sal Borgese, Spartaco Conversi, Gordon Mitchell, Yul Brynner, Nazzareno Natale, Jason Robards, Charles Southwood, Bruno Corazzari, Jess Hahn, Orson Welles, Johnny Hallyday, Claudio Mancini, Neil Summers, Mario Adorf, Conrado San Martín), horas e horas fitando esses rostos, as paisagens por onde galopavam, os povoados em que desmontavam de seus cavalos, e reconhecendo, apenas pelos acessórios que traziam consigo e por algumas decorações dos locais por onde passavam, aquilo que assemelhava os filmes que os popularizaram ao western tradicional. Como em um circo.
Foram necessárias muitas horas com muitos filmes para se dar conta disso – mas assistíamos a esses filmes pelo prazer, pela simples vontade de conhecê-los, e era esse prazer, e não qualquer necessidade, que fazia com que continuássemos assistindo-os e seguindo na busca por outros filmes. E foi assim que, com a Revolução Mexicana como pano de fundo, cruzamos o deserto de Chihuahua com El Chuncho e “El Niño” sem saber que Rainer Werner Fassbinder havia percorrido o mesmo caminho, certamente inspirado pela relação dialético-afetiva do contrabandista mexicano com o aventureiro norte-americano (Gringo [Quién sabe?/A Bullet for the General, Damiano Damiani, 1966-1967], O amor é mais frio que a morte [Liebe ist kälter als der Tod, Rainer Werner Fassbinder, 1969], Whity, Rainer Werner Fassbinder, 1971). Foi assim que acompanhamos o realizador de um faroeste relativamente célebre como O dólar furado (Un dollaro bucato/Blood for a Silver Dollar/One Silver Dollar, Giorgio Ferroni, 1965) mais inspirado nos pepla, nas feerias e nos filmes de horror que realizou no passado do que no gênero em que se viu forçado a trabalhar ao fim da sua carreira (talvez porque a imaginação de um senhor italiano nascido no início do século passado se nutrisse melhor de gêneros com uma tradição mais longeva que a do western). Assim como foram as lembranças das frequentações televisivas de filmes como Amargo pesadelo (Deliverance, John Boorman, 1972) e A floresta das esmeraldas (The Emerald Forest, John Boorman, 1984-1985) que nos deram energias para atravessar as selvas enfadonhas e as aventuras dissuasivas de Sergio Martino e Ruggero Deodato. Tudo com muito prazer até o momento em que esse prazer não se manifestou, ocasião que anunciou o corolário inevitável de tantas horas passadas com esses filmes: havia chegado o ponto em que o prazer, enquanto impulso e desfecho de todas essas visões, tinha que ser colocado em xeque.
A partir de então a necessidade acompanharia o prazer, examinando-o a cada nova etapa, a cada nova descoberta, enquanto seguíamos no rastro da pérola rara. Estávamos persuadidos da validade das nossas obstinações (éramos um grupo, como sempre se é na cinefilia), com algumas lembranças fortes conservadas após tantas visões (como nos casos de O pistoleiro das balas de ouro (Matar para viver e viver para matar) [Se sei vivo spara/Django Kill... If You Live, Shoot!, Giulio Questi, 1967]; Os violentos vão para o Inferno [Il mercenario/The Mercenary/A Professional Gun, Sergio Corbucci, 1968]; Meu nome é Ninguém [Il mio nome è Nessuno/My Name Is Nobody, Tonino Valerii e Sergio Leone, 1973]; Ringo não discute... mata [Il ritorno di Ringo/The Return of Ringo, Duccio Tessari, 1965]; Keoma, Enzo G. Castellari, 1976; O justiceiro cego [Blindman, Ferdinando Baldi, 1971]). Para confirmar a validade dessas descobertas era necessário, no entanto, seguir adiante; seguir para além do faroeste italiano para descobrir as outras veias, as outras riquezas do cinema popular italiano; perceber que o faroeste peninsular, na maior parte dos casos, era muito menos fruto da deterioração dos mitos do western americano que de uma fusão de vários filões desse cinema (commedia all’italiana, peplum, poliziottesco, até mesmo o giallo e o filme fantástico). Foi assim que passamos pelas dioceses de Dario Argento, pelos ossários e pelos fins de mundo em espiral de Lucio Fulci e Michele Soavi, pelo espaço sideral esvaziado e vagamente asfixiante de Mario Bava e Antonio Margheriti, pela nova paisagem social e econômica da Itália do pós-guerra com os anti-heróis de Dino Risi, Antonio Pietrangeli e Pietro Germi, pelos sentimentos de nostalgia e melancolia diante de um passado que a Itália do século XX perdia de vista a cada nova etapa do seu progresso econômico e social com os dramas realizados por Ettore Scola e Mauro Bolognini no encalço de Luchino Visconti, conde de Lonate Pozzolo. E assim prosseguimos, agora pelos banquetes funestos de Marco Ferreri e Federico Fellini, pelos mistérios nublados por uma fina ironia borgesiana de Aldo Lado, pelas estridências jocosas de Carmelo Bene, pelas estridências surdas de Giulio Questi, pelas garoas de Parma nos melhores filmes de Bernardo Bertolucci, pelo solo sagrado das favelas romanas nos filmes do poeta Pier Paolo Pasolini, pelo novo território ímpio da Roma dos anos 1970 registrada por Anna Lajolo-Guido Lombardi-Alfredo Leonardi e Glauber Rocha, pelas selvas silenciosas, e por isso mesmo temíveis, das aventuras de Gian Paolo Callegari, pela nova paisagem emocional do pós-guerra, de uma gravidade e de uma beleza aflitivas, dos filmes de Luigi Comencini e Valerio Zurlini, pela interrogação do homem italiano contemporâneo, e através dele a interrogação do cinema, da sociedade, das mídias e das ficções, durante os passeios de lambreta de Nanni Moretti.
Era necessário que em algum momento todas essas passagens, com as suas transições e as suas galerias secretas, as quais conectam todos os pontos cardeais da nossa educação de espectador, levasse-nos a uma recapitulação. E então foi preciso ver, sem prejuízos, sem o auxílio desses pontos culminantes da experiência cinéfila – por mais promissoras que fossem as intuições a que nos levaram, por mais satisfatórios que parecessem seus saldos –, tanto aquilo que havia ficado de todas as experiências como aquilo que ainda precisava ser explorado, aquilo que já se avistava sem no entanto se compreender bem do que se tratava. E vimos então que as coreografias leonianas procediam muito mais dos ritmos da ópera, dos movimentos letais das touradas e das imersões atônitas das personagens no mundo da morte nos filmes de Riccardo Freda (I miserabili, 1947-1948; Beatrice Cenci, 1956; As sete espadas do vingador [Le sette spade del vendicatore, 1962]) e Vittorio Cottafavi (As legiões de César [Le legioni di Cleopatra, 1959], O filho de El Cid [I cento cavalieri, 1964]) que de qualquer coisa produzida pelo cinema americano; que a única maneira de um cineasta ser neorrealista é não se satisfazendo em olhar a realidade como esta se apresenta, o que torna Roberto Rossellini o único cineasta rigorosamente neorrealista da sua geração; que por mais de três décadas o melodrama italiano, através da obra do seu maior expoente (Raffaello Matarazzo), fundiu a encarnação dreyeriana com a abstração hitchcockiana, um cinema da imanência que deflagra uma geometria de destinos; que o cinema italiano, “arte popular de vanguarda”[1], volta-se definitivamente ao retrato social da sua realidade e atualiza todos os seus principais gêneros (epopeia, aventura, drama, comédia, fantástico) a partir do ano de 1945. A obra de Matarazzo é, à sua maneira, uma espécie de arte poética dessa transformação: precursor, junto com Jean Renoir, Marcel Pagnol, Hiroshi Shimizu, Pál Fejös e Humberto Mauro, de toda a corrente realista dos primeiros anos do cinema sonoro com Trem popular (Treno popolare, 1933), Matarazzo abordará praticamente todos os principais gêneros do cinema italiano (comédia popular, comédia com crianças, telefoni bianchi, thriller, policial, drama romântico, drama familiar, melodrama, biografia musical, aventura dramática, epopeia) e sua obra, a partir dos anos 1950, é um testemunho ao mesmo tempo vivaz e recatado tanto da sofisticação formal à qual o cinema italiano pôde aspirar no seu momento de maior criatividade quanto da nova composição social, política e moral de um país que nunca realmente abandonou suas tradições seculares. Entendemos, enfim, que a dinâmica que surge dos ímpetos antagônicos de reconstrução e conservação fez com que a Itália fosse o local ideal do desenvolvimento de um cinema popular que, como disse Domenico Paolella, era uma forma de “psicanálise dos pobres”[2].
No seu melhor, o faroeste italiano fez jus a essa inclinação bastante específica de um cinema que seria ao mesmo tempo popular e sofisticado, tradicional e moderno. Foi, globalmente, um gênero menos exitoso que o peplum, o fantástico, a commedia all’italiana, e por isso suas exceções parecem ainda mais valiosas, levando-se em conta as circunstâncias extremamente adversas que pesavam contra a transposição para solo transalpino de um gênero tão específico como o western. Mas, por pouco mais de 10 anos, foi o gênero que mais prosperou na Europa, e na sua curta duração ele legou, além de uma série de paradoxos, ao menos um autor cujo nome encontramos nas enciclopédias e que foi definitivamente integrado ao corpo da grande história do cinema: Sergio Leone. Não obstante, isso significa que ainda há trabalho a ser feito. E para fazê-lo foi necessário provar muito leite coalhado antes de chegar à nata, como disse certa vez Quentin Tarantino (que, apesar de deter um conhecimento notável desse cinema, permanece exclusivamente um realizador de alguns bons filmes sobre Hollywood, suas ficções e alguns de seus fantasmas), foi necessário passar anos em busca do cineasta que teria reconciliado o gênero consigo mesmo, o faroeste italiano com o western americano (Leone, cuja contribuição é inestimável, lançou-o definitivamente à ópera, ao devaneio e à fábula, apagando com estas a realidade e o contexto histórico, psicológico, político e moral que fundaram o western). Este não foi Sergio Corbucci (bom comunista, nem sempre bom cineasta) nem Damiano Damiani (o interesse indiscutível de Gringo reside justamente em deixar, a partir de duas personagens que escancaram os paradoxos de toda revolução, uma ferida aberta que vários filmes atravessaram desde então).
Foi necessário descobrir esses ritmos que não existem em nenhuma outra arte, que nunca existiram antes do cinema, e mais especificamente nunca antes dos faroestes italianos filmados na Espanha; foi necessário ter amado o cinema italiano para além de toda medida, tê-lo amado para além dos seus próprios limites, para além do razoável e para além do que ele mesmo foi capaz de produzir a partir da segunda metade dos anos 1980; foi necessário ter visto no cinema italiano, no seu cinema tradicional e no seu underground, nos seus autores célebres e nos realizadores ditos “menores”, na constância dos gêneros e na efervescência das experimentações, e principalmente na fusão entre as duas coisas, todo o cinema; foi necessário, portanto, ter passado por tudo isso para um dia nos depararmos com Lee Van Cleef andando numa viela quente e úmida de algum vilarejo mexicano após atravessar o meio do nada de algum deserto, visitar um mosteiro de padres que no passado foram fugitivos da lei e passar uma noite encarcerado numa prisão mexicana; foi necessário ver, e talvez se ver em Lee Van Cleef com os passos demorados, desalinhado, perdido, talvez um pouco atordoado, andando com os ombros caídos até avistar uma procissão; foi necessário acompanhar cada um desses passos e ver, e talvez sentir, que estamos diante de um western, e não de mais um faroeste rotineiro, um western que mostra algo que nunca víramos antes em western algum, ou que pelo menos nunca vimos com tamanha nitidez, com tamanha simplicidade: um forasteiro, um americano, um gringo que após ter passado por um deserto, um mosteiro e uma prisão sente fome, e que cede à tentação de roubar uma rosca durante uma procissão, um gringo que por alguns instantes se vê numa situação que fora vivida por outros, aqueles a quem perseguia, e sente o que estes sentiram em tantas ocasiões passadas, sente aquilo que nunca havia sentido antes, ainda mais em um lugar em que todos são nativos e ele é o estrangeiro.
O pistoleiro americano desiste de roubar a rosca. As coisas, aparentemente, voltam a ser como eram antes: o pistoleiro americano apenas de passagem, ainda bem-apessoado, ainda virtuoso (afinal de contas não cometeu nenhum delito, não se igualou àqueles que perseguiu no passado, àquele que persegue no momento); os peões mexicanos na procissão, as crianças pobres brincando na praça, as mães sem maridos cuidando dos seus nenéns, os andarilhos que vagam por esses vilarejos mexicanos, marginais, delinquentes, soltos, perigosos, em todo caso criminosos que precisam pagar, que fazem valer cada segundo antes do próximo roubo, antes da próxima fuga.
Mas nada volta a ser como era antes. E nunca mais voltará. O pistoleiro e a sua incumbência, o western e o seu desvio: de uma forma ou de outra, é preciso ir até o fim com essas viagens ao México.

Sergio Sollima: gradua-se no Centro sperimentale di cinematografia em 1941; durante os anos 1940 colabora como jornalista e crítico cinematográfico para a revista Cinema (na qual, como resposta ao retrato edulcorado da burguesia italiana nas comédias de telefoni bianchi, surge uma elaboração crítica que favorece o nascimento do neorrealismo no imediato pós-guerra); participa na resistência italiana durante a Segunda Guerra Mundial, atuando nas lutas que se seguem ao armistício de Cassibile; autor de um estudo pioneiro na Europa sobre o cinema norte-americano (Il cinema in U.S.A., 1947); autor teatral a partir de 1947 (L’uomo e il fucile, Gli uccisori, Apocalisse a Capri); assistente de direção de Sergio Corbucci em uma de suas primeiras realizações (Terra straniera, 1954); roteirista assaz requisitado por alguns dos principais nomes do cinema popular italiano (Luigi Comencini em Janelas fechadas [Persiane chiuse, 1951], Gianfranco Parolini em Os dez gladiadores [I dieci gladiatori, 1963], Domenico Paolella em Madri pericolose, 1960, I Teddy boys della canzone, 1960, O segredo do gavião negro [Il segreto dello sparviero nero, 1961], Maciste contra os bárbaros [Maciste contro lo sceicco, 1962], Ursus, o gladiador [Ursus gladiatore ribelle, 1962]); autor cinematográfico a partir de 1962, converte-se rapidamente em um dos mais hábeis realizadores da indústria cinematográfica italiana (como Matarazzo, ilustrou vários gêneros: commedia all’italiana, filme de espionagem, faroeste, film noir, poliziottesco, aventura, filme de pirata, melodrama, drama de guerra). Uma vida dedicada ao cinema, em suma, e mais especificamente a uma tentativa de aprofundamento da representação de temáticas sociais presentes na realidade contemporânea italiana, dando prosseguimento à reflexão iniciada por Roberto Rossellini em Paisà (1946), Vittorio De Sica em Vítimas da tormenta (Sciuscià, 1946) e Luchino Visconti com A terra treme (La terra trema, 1947-1948). Esse aprofundamento, contudo – e é isso o que singulariza a obra de Sollima no panorama do cinema italiano –, se dá sob a forma de uma crise.
Como Cottafavi, de quem é uma espécie de continuador, Sollima faz um cinema popular com uma ambição política clara, e para isso desenvolve, a partir do seu segundo longa-metragem (Agente especial 3S3), um método em que entretenimento e reflexão seguem concomitantes até o momento em que as constatações morais ou sociais que se insinuaram durante o filme, e que devem ser plenamente formuladas e confrontadas no seu clímax (como no grosso do cinema norte-americano), ultrapassam este, alastrando-se e estendendo-se na realidade interior da consciência do espectador, bem como na sua consciência da realidade exterior (como em muito do que se produziu no cinema italiano, e particularmente nos filmes de Rossellini, De Sica e Visconti citados acima). O conflito, assim, acaba revigorado e impulsionado por todas as provas, e principalmente pela prova final, a que foi submetido por uma ação dramática rigorosa, que só poderia proceder de gêneros intensamente codificados e esquemáticos como o western, o policial e o melodrama. Essa síntese entre o corpo tradicional do filme de ação norte-americano e a proposta revolucionária do cinema italiano do pós-guerra permite que tanto o conteúdo social quanto os arquétipos dos gêneros sejam transfigurados: é a reflexão política a verdadeira catarse de todos os filmes de Sollima, numa coincidência perfeita entre produção reflexiva e construção dramática, e é nessa perspectiva que a sua originalidade, que distingue definitivamente o seu cinema do de Leone, deve ser analisada e comentada.
Ao contrário de Freda, ao contrário de Leone, ao contrário de Argento, Sollima não rechaça de antemão a proposta neorrealista: o paradoxo de ter sido um crítico que escreveu sobre o cinema norte-americano na revista em que se elaborou a teoria crítica que levou à gênese do neorrealismo acompanha também sua obra de cineasta. Entretanto, por mais que Sollima não rechace essa proposta, ele também não a aborda sem lhe operar alguns reparos: ao mesmo tempo em que o filme visa à emancipação intelectual do espectador, ele deve servir também à sublimação das suas alienações, das suas pulsões, deve conformar-se tanto ao público intelectualizado quanto àquele inculto, e em todos os casos deve provocar indistintamente um efeito ao mesmo tempo catártico e crítico, próximo tanto da “psicanálise dos pobres” formulada por Paolella, não por acaso mentor de Sollima, quanto da “direção como luta de boxe” elaborada por Bertolt Brecht a partir da sua experiência com o pugilista Paul Samson-Körner. Um cinema, portanto, destituído de prejuízos culturais, e que por isso pode partir do simples para chegar ao complexo; um cinema para peões e estivadores, mas também para jovens estudantes e professores; um cinema errante e sonhador, um lúmpen-cinema[3] capaz de levar Brecht, Freud, Stroheim e Chaplin a esses espectadores que vibram com a entrada dos heróis, que vaiam a entrada do vilão, que cospem na tela nas suas aparições seguintes e gritam quando o mocinho se vê ameaçado por ele, esse público de árabes dos cinemas egípcios dos tempos do cinema mudo de que Riccardo Freda recordava com um misto indissociável de exaltação e espanto, convencido por eles de que “o cinema, quando atinge certas sensações, torna-se emoção verdadeira, dinâmica”.
Consciente dessa potência de participação que o filme de espetáculo faz aflorar no espectador, Sollima utiliza a compreensão ao mesmo tempo intuitiva e empírica que possui do cinema norte-americano – suas estruturas econômicas, seus gêneros, “a escalação sempre inteligente” dos seus atores, “a engrenagem perfeita das outras rodas (argumento, diálogo, fotografia etc.)”, “a desenvoltura natural de um povo saudável” e “um certo grau de maturidade democrática”[4] – para fazer com que a participação abra caminho à conscientização, e mais do que isso, venha a estabelecer uma nova consciência, compartilhada por um espectador e um espetáculo renovados simultânea e reciprocamente tanto pela estrutura quanto pela experiência do filme. Velhos gêneros, novas estruturas; velhas aventuras, novas experiências. As modificações efetuadas por Sollima em gêneros tão fundamentais como o western, o noir e o filme de aventura oriental divergem daquelas da massa da produção italiana: onde seus conterrâneos utilizaram os gêneros para dar asas às suas imaginações, libertando-se tanto das amarras da ortodoxia do neorrealismo que dominou a produção do pós-guerra quanto de mitologias e convenções que vieram a reboque do cinema americano, Sollima obedece essas convenções e, forçado a abordar as mitologias dos gêneros do ponto de vista de um estrangeiro (isto quer dizer do seu exterior), introduz uma dimensão crítica justamente pela maneira como a sua fantasia incorpora o desfecho dessas mitologias a uma perspectiva que não poderia pertencer a nenhuma outra cinematografia que não a da Itália, um país que sofreu muito ao perder a sua identidade durante a Segunda Guerra e que a reencontrou primeiramente através do cinema, um país que reconquistou o direito de se olhar de frente através de uma espantosa leva de filmes que vai de 1945 (Roma, cidade aberta [Roma città aperta, Roberto Rossellini, 1945]) até aproximadamente 1985 (A missa acabou [La messa è finita, Nanni Moretti, 1985]). Nesse meio-tempo uma breve passagem pelo México permitiu que o western americano visitasse, pela primeira vez, o país do neorrealismo (o filme, por sinal, chama-se O dia da desforra).



Um par de pernas femininas, as coxas cobertas por uma gabardina impermeabilizada entreaberta; os pés descalços no asfalto úmido, os passos cambaleantes; uma mulher, sozinha, vestida apenas com uma capa, correndo no meio de uma rodovia na calada da noite. Os espectadores cultivados sem dúvida se recordarão das primeiras imagens de A morte num beijo (Kiss Me Deadly, Robert Aldrich, 1955), enquanto os cinéfilos compulsivos saberão reconhecer nessa descrição o início de Alta espionagem, o pouco auspicioso primeiro longa-metragem de Sollima. Cinéfilo, crítico, conhecedor profundo do cinema norte-americano (qual um Pierre Rissient, de quem foi certamente um precursor), dramaturgo e, agora, cineasta: nada disso, nem mesmo os anos de trabalho como roteirista ou assistente para alguns importantes nomes do cinema italiano, garantiu que Sollima fizesse a entrada fulgurante que suas experiências passadas permitiam esperar. Mas, como os cineastas americanos que estudou atentamente, como os cineastas italianos de quem admirou o frescor e a disponibilidade, Sollima aprende rápido, aprimora os seus dotes a cada nova experiência e refina o seu olhar numa velocidade espantosa. A veia política se define completamente no filme seguinte, Agente especial 3S3, já dotada da insurgência e da irreverência que explodirão nos faroestes, já caracterizada pela inclinação progressista do autor, e em seguida o caráter existencial e desencantado que dominará boa parte da sua obra dará a tônica de Perseguição a sangue-frio. Apesar dos bons resultados alcançados com esses últimos dois títulos, apesar do prazer de que desfrutamos ao assisti-los, o subgênero da aventura de espionagem não instiga o desenvolvimento das principais virtudes de Sollima, provavelmente por retratar na maior parte do tempo situações de ostentação em ambientes sofisticados, situando a aventura em um contexto que afasta Sollima do seu território de predileção – a periferia, com a sua ralé e os seus desassistidos. O quadro restritivo e excessivamente conformista das intrigas de espionagem inibe a constituição daquilo que está no coração da arte de Sollima – o conflito de classes.
Perseguição a sangue-frio foi realizado em 1966 para a Produzioni Europee Associate de Alberto Grimaldi, o mesmo produtor de Por uns dólares a mais (Per qualche dollaro in più/For a Few Dollars More, Sergio Leone, 1965) e Três homens em conflito (Il buono, il brutto, il cattivo/The Good, the Bad and the Ugly, Sergio Leone, 1966). O faroeste italiano vive então o início do seu apogeu, que vai de 1966 a 1968, e é exatamente nesse intervalo que Sollima realiza seus três filmes mais célebres, os três títulos pelos quais ainda hoje é lembrado. O faroeste, muito mais apto a acolher as necessidades de um cinema que almeja o impacto direto no espectador, revelou-se o palco ideal para as suas aspirações; o crítico e teórico do cinema americano ligado à elaboração crítica e teórica do neorrealismo finalmente encontra um corpo de mitos e narrativas que lhe permite, enquanto criador, concretizar suas ambições. Mas o que deve ser dito é que, se o faroeste libertou Sollima, a recíproca é muito mais do que verdadeira: Sollima não apenas deu ao faroeste italiano o seu título de nobreza como lhe garantiu uma posteridade louvável, inscrevendo a passagem de alguns dos seus arquétipos em solo europeu na grande história do gênero e acrescentando-lhe alguns deslocamentos de sentido, algumas elaborações inéditas, alguns novos mitos e arquétipos. A referência, sem dúvida alguma cinéfila, ao cinema de Aldrich em Alta espionagem, por mais gratuita que possa parecer, justifica-se mais tarde com O dia da desforra, Quando os brutos se defrontam e Corre homem, corre: dentre os mais de 500 faroestes rodados na Itália entre 1964 e 1973, não há nenhum – nem os de Leone, nem o de Damiani, muito menos os de Corbucci – que soube utilizar tão bem a lógica perversa, introduzida no ano de 1954 por Aldrich em Vera Cruz, de inversões, de traições, de ardis decorrentes da ganância, do pessimismo, da vitalidade brutal e da energia suicida e revolucionária de personagens desenganadas em relação aos seus próprios destinos como os três filmes que Sollima realizou entre 1966 e 1968 com o cubano Tomas Milian.
Se, por um lado, os filmes de Sollima representam um banho rejuvenescedor para o western moderno, para o faroeste italiano os mesmos filmes representam os passos definitivos rumo à sua maturação e ao seu desenvolvimento final. No mesmo solo fronteiriço em que Aldrich deflagrou suas disputas de paixão e azar, em que Leone filmou suas danças de morte, Sollima encena um cara-a-cara inesquecível com algumas figuras matriciais do gênero: se do western americano para o faroeste italiano os duelos (gunfight) passaram a se manifestar como acertos de contas (resa dei conti), a justiça e a lei acabaram filtradas pelo prisma da economia e dos seus dividendos, a violência se deteriorou em brutalidade, o aventureiro se converteu em gringo, o proscrito em forasteiro, Sollima completa esse circuito ao reconhecer que o limite de transformações dessas referências só pode ser imposto pelo próprio gênero. “Amplificar a análise política arriscaria reduzir o caráter gestual do espetáculo”[5], e a resposta que Sollima dá a essa constatação é a de filmar os acertos de contas como duelos, a economia e seus dividendos como consequências da corrupção da lei e da ordem, a brutalidade como salvaguarda da violência organizada, o gringo novamente como aventureiro (é essa, afinal, a trajetória de Lee Van Cleef), o forasteiro novamente como proscrito (é isso o que permite que as trajetórias do homem da lei e do fora-da-lei se cruzem, se interpenetrem e se transformem mutuamente em O dia da desforra). A solução encontrada por Sollima – povoar o Oeste com cenários, figuras e arquétipos reconduzidos ao seu estado mais primitivo, mais rudimentar, mais imutável para ressaltar as mudanças das personagens que atravessam a ficção, narrando a tomada de consciência inexorável do caráter político dessa travessia – o distingue definitivamente do faroeste italiano tradicional.
Se a originalidade discutível do faroeste italiano consistiu em mostrar desordenadamente aquilo que o western tradicional ocultava sistematicamente, em exagerar até a degradação aquilo que o western mostrava de maneira parcimoniosa, o gênio indiscutível de Sollima manifestou-se na representação consistente das formas do western que melhor resistiam ao pastiche na maior parte das vezes degenerado dos faroestes italianos. Seus filmes compensam a exacerbação do furor e da violência inerentes à deriva italiana do gênero com a descrição de ciclos históricos cada vez mais abrangentes, nos quais os dramas alegóricos de personagens alegóricas são representados em todas as suas particularidades, o que faz com que acabem novamente subordinadas a algumas determinações pregressas do gênero. Nesse sentido, Quando os brutos se defrontam é a obra-prima do seu autor e de todo o faroeste italiano: Sollima propõe uma parábola sobre o nascimento da brutalidade, da consciência, da justiça e do fascismo – uma parábola, em suma, sobre as origens da Itália do século XX.
Como Vera Cruz, como Contos da lua vaga (Ugetsu monogatari, Kenji Mizoguchi, 1953), como Renegando o meu sangue (Run of the Arrow, Samuel Fuller, 1956-1957), O homem que matou o facínora (The Man Who Shot Liberty Valance, John Ford, 1962) e Deus e o Diabo na terra do sol (Glauber Rocha, 1964), Quando os brutos se defrontam procede integralmente por silogismos dialéticos: a montagem é estruturada por elipses que desempenham o papel mediador da linguagem, e é com esse dispositivo formal que Sollima extrai os juízos necessários sobre os conhecimentos que apresenta, associa e problematiza. O filme de espetáculo ultrapassa os seus limites ao avistar, nas dunas dos desertos da Almería, sob as vestes de um gênero completamente fundado sobre os mitos da formação de um país, o registro épico de Brecht e Meyerhold, e por uma vez aquilo que vemos em um faroeste italiano se assemelha muito mais ao imaginário épico das tragédias romanas de Pierre Corneille que a mais um comentário reflexivo ou satírico sobre o western americano. Quando vemos pela primeira vez Gian Maria Volontè passando de intelectual absorto a fugitivo da lei a bandoleiro e finalmente a capo de quadrilha, a capo di tutti capi, sua interpretação parece destituída de nuances, parece mesmo equivocada na curta alternância entre distanciamento e febrilidade. O que se passa na realidade, como mais tarde será o caso de Oliver Reed em Os raptores em ação, é que assistimos a uma das grandes interpretações do cinema, uma das mais ousadas, análoga nesse sentido às de John Wayne em Rastros de ódio (The Searchers, John Ford, 1956) e Charles Chaplin em Monsieur Verdoux (1947). O idealismo desesperado de Volontè e o cabotinismo metódico de Tomas Milian, mais do que registros, mais do que contradições, servem como contrapesos um ao outro, atuam como um instrumento formal necessário ao sistema dialético do filme. A brutalidade instintiva que se abre à tomada de consciência, em si revolucionária, é complementada, e não antagonizada, pelo refinamento que se degrada e que, ao enclausurar-se no seu romantismo, na sua subjetividade, termina por se embrutecer. O homem que se levantou em revolta primeiramente contra toda a ordem social vigente, mais tarde contra a sua terra e seus semelhantes, um deus vestido de preto; o homem que se levantou em revolta primeiramente contra si mesmo, mais tarde pela sua terra e seus semelhantes, o diabo vestido de branco[6].
A referência a Glauber Rocha, como a referência ao Aldrich de Vera Cruz, não é arbitrária: através dessas duas trajetórias Sollima descreve todos os processos, todos os projetos revolucionários a que o homem se dedicou no decorrer da história, e afirma categoricamente – como homem, como cineasta, como ex-combatente na resistência ao fascismo – que não haverá revolução de qualquer espécie, seja ela econômica, social ou existencial, enquanto não houver aquela, primeira, da consciência humana. É preciso ter visto Volontè cambaleando sob os céus das ideias eternas, sobre as sierras de Piedra de Fuego, rumo à sua própria morte, Antonio Gramsci metamorfoseado em Friedrich Nietzsche no momento em que precisa justificar o fracasso da passagem do discurso revolucionário a uma prática revolucionária; é preciso ter visto a maneira como Sollima filma seus últimos passos de homem antes de sumir em meio às areias do deserto como um deus para só então ousar pronunciar a palavra “dialética”.
O que em algum momento começou como um cinema bruto sobre personagens brutas, feito para espectadores brutos, passa, a partir de Quando os brutos se defrontam, por um processo análogo àquele vivido pelas personagens do filme: a brutalidade se transforma em elegância, em sofisticação, em uma forma de dialética obreira que encontra o seu equilíbrio não nas dicotomias que estão em sua origem nem nas convergências que tem como destino, mas numa série de contradições sabiamente entrelaçadas que terminam por revelar as estruturas internas dos conteúdos e dos objetos que essa dialética se presta a analisar. Esse movimento, à imagem da aspereza com que Volontè e Milian interpretam seus papéis, faz com que Quando os brutos se defrontam seja, como os filmes de Aldrich, Mizoguchi e Fuller citados acima, como Renoir alguns anos antes com A regra do jogo (La règle du jeu, 1939), como Jean-Marie Straub e Danièle Huillet alguns anos mais tarde com Othon (Les yeux ne veulent pas en tout temps se fermer, ou Peut-être qu’un jour Rome se permettra de choisir à son tour, 1969-1970), um filme incrivelmente veloz, o tempo todo à beira da convulsão e da síncope, construído como um conjunto de dialéticas que acabam submetidas à dialética suprema, aquela cuja meta é mais divina do que humana – a dialética do tempo, e mais precisamente o tempo da história.
A luz branca que se irradia até tomar toda a tela no início de Quando os brutos se defrontam não corresponde mais à metáfora rudimentar da chegada de um herói salvador como em Por um punhado de dólares (Per un pugno di dollari/Fistful of Dollars, Sergio Leone, 1964). Ela simboliza a entrada na consciência de um novo homem que ainda não é, mas que poderia ser, e que talvez nunca será, aquele representado por Gian Maria Volontè nos primeiros minutos do filme, ao encerrar a sua aula de história para uma casta de privilegiados jovens bostonianos. Essa entrada na consciência de um novo homem, que também corresponde à entrada na consciência de um novo tempo, é o corolário de outro movimento do filme, pelo qual contemplamos a morte do principal fruto da cultura europeia do século XIX: o intelectual romântico (a reflexão de Sollima não está tão longe da que Glauber fez no mesmo ano de 1967 com Terra em transe e no ano seguinte Bernardo Bertolucci com Partner., Gustavo Dahl com O bravo guerreiro e Robert Kramer com The Edge). O novo homem desse novo tempo só poderia nascer do choque entre uma velha tradição (a de um velho gênero, por exemplo) e uma forma nova, impura, mestiça dessa tradição (já esboçada pelo mesmo Glauber em Deus e o Diabo...). A viagem que a personagem de Volontè faz ao Texas para se curar de uma tuberculose lhe permite insuflar vida a alguns velhos fantasmas (um velho pistoleiro chamado Rusty Rogers, bem como os outros habitantes de Piedra de Fuego, um valhacouto de proscritos no pico das sierras do Oeste das lendas), permite até que o professor de história moribundo regenere a saúde dos seus pulmões por tempo suficiente para que possa cumprir, como ele mesmo havia falado aos seus alunos no início do filme, “o seu papel na história”. Seu papel na história: o professor, intelectual nortista, posição social mais do que consolidada, homem branco, representa a face agonizante do velho western, aquela que cumprirá o seu papel abrindo o caminho para os peões iletrados, vagantes, mestiços, os quais representam, no contexto do faroeste italiano, a última etapa revolucionária do gênero. Se O dia da desforra e Quando os brutos se defrontam foram os filmes das mudanças, os dramas alegóricos de personagens alegóricas novamente subordinadas a algumas determinações pregressas do western, Corre homem, corre é o filme do que já mudou, daquilo que não tem mais como voltar a ser como antes, o filme que nos permite medir a distância entre a forma final, definitiva, do faroeste italiano e as formas quintessenciadas da sua matriz norte-americana.
O homem que escreveu em 1947[7] que “[o] grande tema do western é a ‘luta de classes’, a conquista da terra contra a sociedade financeira, a luta dos cowboys contra os agiotas” entendeu que o western retrata uma série de conflitos que remontam ao materialismo histórico. Não nos enganemos: o western é um gênero eminentemente progressista, um gênero que abordava a mestiçagem do ponto de vista do mestiço já nos anos 1910 (The Half-Breed, Allan Dwan, 1916), um gênero cujas políticas e cujas estruturas se corresponderam intimamente e se desenvolveram reciprocamente tanto no fundo quanto na forma (de todos os grandes gêneros do cinema norte-americano, foi também o mais suscetível a transformações enquanto gênero). O que há de espantoso em Corre homem, corre é que Sollima entende que a inversão final de toda a nossa identificação com o herói do velho Oeste – o xerife, o pistoleiro, o cowboy – resulta menos da profusão de Ringos, Sartanas e Djangos dos anos 1960 que dos primórdios do cinema, daquilo que o western e a comédia burlesca possuem em comum.
Chaplin, Tom Mix, Keaton, os Keystone Cops, Douglas Fairbanks, Laurel e Hardy são todos convocados, anos antes de Chamam-me Trinity (Lo chiamavano Trinità.../They Call Me Trinity, Enzo Barboni, 1970) e Trinity ainda é meu nome (Continuavano a chiamarlo Trinità/Trinity Is Still My Name, Enzo Barboni, 1971), para compor a face desse western livre, desgarrado, “despenteado, desalinhado, de peitaça ao vento mal-educado” de que fala Mário Fernandes. O dispositivo alegórico dos dois filmes anteriores já cumpriu o seu papel, como o professor nortista exaurindo-se após o bandoleiro Tomas Milian sumir no horizonte montado no seu cavalo. Resta a estrutura silogística, que agora lida com personagens bem mais esquemáticas (mas não menos descomplicadas: elas permanecem cheias de contradições e manifestam em inúmeras ocasiões suas cisões e duplicidades), com situações muito mais paradigmáticas e uma construção narrativa bem menos lacunar, marcada agora pela fluidez e pela ação ininterrupta características do western tradicional, mais próximas de um filme como O tesouro de Pancho Villa (The Treasure of Pancho Villa, George Sherman, 1955) que das rupturas de O dia da desforra e Quando os brutos se defrontam. Corre homem, corre é, dessa forma, o classicismo do faroeste italiano: cada plano é a síntese e a recriação plástica de situações típicas do western, ao mesmo tempo a beleza das paisagens do faroeste italiano e a explicação dessa beleza pelo espólio de gêneros e formas do cinema americano, a hipérbole ao mesmo tempo que o eufemismo, a verdade dissimulada ao mesmo tempo que a dissimulação verdadeira, a comparação entre o faroeste italiano e o western americano ao mesmo tempo que a superação alternada de um pelo outro (nunca sabemos de qual por qual)...
O leitor atento já se deu conta de que tento atribuir a Corre homem, corre a mesma importância no faroeste italiano que Godard atribuiu a O homem do Oeste (Man of the West, Anthony Mann, 1958) no western americano[8]. Como o autor de O desprezo[9] (Le mépris, 1963), Sollima sabe que “[a] criação contemporânea tem de surgir baseada nas conquistas passadas, mas ela deve começar onde termina tudo aquilo que já foi feito”, que “[a] tradição é a matéria-prima que deve ser usada na construção, o que significa que ela deve ser transformada no que nunca foi antes”, que “[q]uanto mais avançamos, mais fiéis somos à tradição”[10]. Em outras palavras, o autor de Corre homem, corre sabe que as sínteses plásticas do western no seu estado mais primitivo e a cinética do burlesco cinematográfico nos seus primórdios permitem uma gama de possibilidades expressivas, as quais asseguram a convergência da liberdade dos primeiros anos do cinema com as principais invenções dos cineastas da segunda metade dos anos 1960. Os espaços achatados dos filmes do Grupo Dziga Vertov, os enquadramentos saturados de Nagisa Ōshima, as coreografias dos corpos de René Allio, Jean Pierre Lefebvre, Fassbinder, Godard, o hieratismo relaxado de Monte Hellman e Glauber, o fracionamento da ação pelas sinapses repentinas de As pequenas margaridas (Sedmikrásky, Věra Chytilová, 1966) e À queima-roupa (Point Blank, John Boorman, 1967) convivem aqui com a irreverência, o despojamento, a espontaneidade, a inteligência e o prazer comunicativo dos pioneiros. Por qual milagre este filme, o mais linear, o de estilo mais moderado, o mais clássico dos faroestes de Sollima, é aquele cujas lembranças são as mais abstratas – apenas os fragmentos, as partes destacadas do todo, o vermelho sangue numa velha tira de jornal, os fios dourados do cabelo esvoaçante de Linda Veras em contraste com a imensidão do deserto, o som das moedas que Chelo Alonso deixa no altar da Virgem de Guadalupe no pico das serras nevadas do Texas, as posições pitorescas nas quais Donal O’Brien dorme em frente a uma cantina, os trajes de “americano” que Milian veste na segunda parte do filme, a capa andrajosa que usa nos instantes finais, convertido finalmente em super-herói do terceiro mundo, as notas da trilha de Morricone e Nicolai acompanhando uma carroça que parte do nada para lugar nenhum, que apenas se desloca, e o prazer gratuito desse deslocamento, o prazer de acompanhar o seu movimento sem justificação, a beleza desses movimentos, a satisfação de não nos importarmos em saber nem de onde se vem e muito menos para onde se vai.
* * *
Não se sabe para onde se vai, mas em algum momento chega-se em algum lugar. É o ano de 1968. No ano seguinte o faroeste italiano inicia o seu declínio, mas Beauregard e Cuchillo, junto com seus primos e compañeros El Chuncho, Tuco Benedicto Pacífico Juan María Ramírez, Harmonica (Era uma vez no Oeste [C’era una volta il West/Once Upon a Time in the West, Sergio Leone, 1968, co-escrito por Sergio Donati]) e Juan Miranda (Quando explode a vingança [Giù la testa/Duck, You Sucker, Sergio Leone, 1970-1971, argumento de Sergio Donati, co-escrito por Sergio Donati]), permanecem nas memórias dos cinéfilos como as invenções mais valiosas do desvio de rumo que levou o gênero americano por excelência às penínsulas ibérica e itálica, um desvio que só demonstrou a sua especificidade, a sua singularidade a partir do momento em que reivindicou sua condição mestiça, e com esta uma sexualidade, um afeto proletário na relação dos homens entre si e dos homens com as mulheres que vimos muito raramente no western americano (cf. Johnny Guitar, Nicholas Ray, 1954), que surge apenas em filigrana nos outros filmes do gênero e que é provavelmente a grande diferença entre Sollima e Leone. Da mesma forma que Três homens em conflito é uma consequência de O dia da desforra, Era uma vez no Oeste uma resposta a Quando os brutos se defrontam e Quando explode a vingança um produto de Corre homem, corre, o faroeste italiano no seu todo, e principalmente a partir do ano de 1966, aparece hoje como a transposição esquematizada da revolução temática e teórica introduzida por Sollima nos três filmes que realizou. O que se segue foi brilhantemente sintetizado por Miguel Marías[11]:
Por volta de 1968, o que estava acontecendo – de forma sub-reptícia na Europa e em outros lugares, na maioria dos casos – veio à tona nos eventos de maio em Paris e nos seus ecos mais moderados (ou menos divulgados) por toda parte, de Berkeley a Praga. Embora tenha levado alguns meses para se ver claramente, uma aparente ruptura aconteceu nos trabalhos de vários cineastas ao redor do mundo: de Glauber Rocha a Dušan Makavejev, de Bernardo Bertolucci a Miklós Jancsó, de Jerzy Skolimowski a Jean-Marie Straub e Danièle Huillet, de André Delvaux a Marco Bellocchio, de Pier Paolo Pasolini a Miloš Forman, de Ruy Guerra a Nagisa Ōshima, de Godard a Jerry Lewis. Nem todos mudaram da mesma forma: alguns se tornaram mais radicais, enquanto outros traíram suas posições e supostas atitudes anteriores, tanto política quanto esteticamente, num momento em que o lema de Godard “un travelling est aussi une question de morale” (“um travelling também é uma questão de moral”) tornou-se um truísmo, não uma piada ou uma boutade.
A posição singular ocupada por Sollima, cineasta tradicional e moderno, torna-se ainda mais delicada a partir de então: após completar uma série de filmes em que o quadro de um gênero lhe permitiu voltar o seu olhar para as massas de iletrados e oprimidos, após realizar filmes críticos e reflexivos de cunho popular que, ao modo do teatro épico[12], visavam a conscientização e a subsequente liberação dessas mesmas massas, após conseguir popularizar com sucesso um subgênero de faroeste terceiro-mundista, Sollima aponta a sua câmera para a Europa, e mais particularmente para a Itália, do início dos anos 1970, e encontra um continente tão conturbado e instável quanto aquele que serviu de palco para as revoluções que retratou nos seus faroestes. A partir dessa constatação, Sollima aplica as mesmas premissas teóricas que desenvolveu nos seus filmes anteriores, mantém o mesmo estilo heteróclito e despojado dos faroestes quando realiza filmes com as maiores estrelas do filme de ação europeu da época, conserva as mesmas convicções políticas e a mesma visão de mundo, e, no entanto, o objetivo final de todos esses esforços já não se produz mais, já não pode nem mesmo ser avistado. Passando de parábolas do continente americano para representações da Europa dos anos 1970 com as suas convulsões culturais e econômicas e os seus impasses políticos, passando do final do século XIX para a segunda metade do século XX, passando da mitologia à grande saga contemporânea, os filmes seguintes de Sollima tornam-se narrativas desesperadas sobre a impossibilidade de insurreição no mundo moderno[13].
Cidade violenta começa exatamente como uma possível continuação de Corre homem, corre: vemos aquilo que teria acontecido se Cuchillo se apossasse do tesouro e conquistasse a missionária loira sedenta por ouro. Os sonhos caribenhos do peão tornado bon vivant do jet set internacional transformam-se rapidamente em um pesadelo do qual ele jamais consegue escapar, uma maquinação que o coloca numa trajetória mortífera e da qual ele, como Cuchillo, como Beauregard, tenta sobreviver a todo custo. A escolha de Charles Bronson como protagonista, após o sucesso de Era uma vez no Oeste, é perfeitamente lógica se levarmos em conta que no filme de Leone ele também desempenhava um papel análogo aos de Tomas Milian nos filmes de Sollima. Esbanjando os melhores carros da época (Ford Mustang 1968, Plymouth Fury 1969, AMC Javelin 7079-5 1970, bugue Fiberfab Clodhopper), passando pelos locais mais sofisticados (pista de automobilismo, fazenda sulista, os guetos de Nova Orleans, a ponte do lago Pontchartrain, o porto próximo da Crescent City Connection, as ruelas de Saint Thomas, os mares do Caribe), a personagem do assassino de aluguel interpretada por Bronson parece incapaz de retomar a sua verdade original: a de um homem que jamais ascenderá às altas esferas do poder, um operário que trabalha para o poder mas que não seria capaz de viver sob os seus códigos e os seus propósitos.
A fragmentação que já se esboçava em Corre homem, corre desempenha um papel muito mais ativo na construção do filme e influencia diretamente a sua composição visual: a ostentação maneirista de corpos, objetos e signos é menos uma alegoria que a imagem sinóptica de um mundo completamente dominado pelo acúmulo do capital. O filme se passa desta vez numa América indistinta, que mescla a riqueza e a escória da sua paisagem urbana com a imensidão das suas zonas rurais, e essa indeterminação nos permite imaginar um país paralelo, transversal ao da ação (a Itália, por exemplo). Da dialética moral que opunha as duas personagens principais dos filmes anteriores de Sollima não resta o menor resquício, uma vez que o filme tem realmente apenas um protagonista e que o objetivo de Bronson, Telly Savalas, Jill Ireland e Umberto Orsini são absolutamente idênticos (o monopólio do poder, o gozo do capital, a posse de Jill Ireland), suas ações diferindo apenas em grau, reduzidas às alianças, traições e recomposições de interesses de que são capazes. A independência que os heróis de Sollima buscavam foi substituída pela servidão e a impotência; traído, principalmente por si mesmo, manipulado como um peão pela rainha, pelo rei e por um bispo, não resta nada ao fim da trajetória de Bronson a não ser descartar todas as promessas de um mundo de opulência e correr, agora com os próprios pés, rumo à autoaniquilação.
De outra envergadura é Os raptores em ação. Corre-se muito neste filme também, corre-se o tempo todo, aliás: desde o início, com a morte por ferimento a balas do amigo do marginal interpretado por Fabio Testi, o repouso é, aqui, sinônimo de tragédia. O filme compartilha do mesmo rigor temático dos faroestes e de Cidade violenta na representação da crise que tomou o continente europeu e o resto do mundo na virada dos anos 1960 para os 1970, momento em que a Itália vive o auge dos anos de chumbo, com grupos terroristas, políticos de alto escalão e mesmo dirigentes dos principais partidos à esquerda e à direita tomando parte em conspirações contra o Estado. Sollima retoma a mesma dialética moral de Quando os brutos se defrontam, mas o deslocamento da ação do Oeste mitológico para a Europa aturdida do início dos anos 1970 produz uma síntese distinta daquela formulada no filme de 1967.
Quando, no início de O dia da desforra, o xerife diz ao caçador de recompensas: “Você limpou o Estado dos maus e só ficaram os bons”, não temos como saber que o que assistiremos no tempo remanescente da narrativa é justamente o oposto dessa afirmação. Em 1973, em meio aos escombros do projeto político ecumênico da social-democracia italiana, com a ascensão da Direita Nacional e dos democratas cristãos após as eleições de 1972, as palavras podem ser outras, mas a ordem social permanece a mesma, de modo que Sollima já não precisa opor a representação do tema ao discurso sobre o tema. A ironia de O dia da desforra dá lugar ao terror e ao completo desencantamento: Os raptores em ação é uma refilmagem de Quando os brutos se defrontam em que o foco é deslocado do sol uniforme do velho Oeste para a bruma onipresente da nova Europa, da energia regeneradora do bandoleiro (Tomas Milian no filme de 1967, aqui o marginal interpretado por Fabio Testi) para o desespero existencial do professor (cujo correlato é o agente do Estado interpretado por Oliver Reed). A “razão de Estado” sobre a qual discursava Gian Maria Volontè num reduto de proscritos agora cobre, nos anos de Ordine Nuovo, MSI e Brigadas Vermelhas, toda a extensão dos países e das nações, algo que não ocorria no território inóspito de um México mítico no qual o aventureiro do velho Oeste não passava de um gringo, algo que permanecia pendente no Oeste americano ainda não atravessado pelos trilhos das estradas de ferro.
Nesta atualização dos faroestes de Sollima o triunfo do espírito, que podia se concretizar em algum deserto abandonado nos confins da dimensão mítica e utópica da história, já não é mais possível: apenas há espaço para o triunfo da “razão de Estado e defesa da ordem política e social”. A interpretação de Oliver Reed, nesse sentido, garante que o filme mantenha uma coerência perfeita entre o seu eixo dramático e o seu horizonte moral: vemos o ator inglês completamente transmutado, em todos os gestos e na menor inflexão, num zeloso guardião da ordem e dos valores da democracia cristã italiana, portando-se em todas as suas contradições e em todo o seu desconforto como o homem italiano daquela época e de todas as épocas, as emoções à flor da pele no papel do comissário de polícia que se vê no impasse da escolha entre a lei e o revólver, uma espécie de Maurizio Merli saído de um filme de John Cassavetes (pensa-se muito em A morte de um bookmaker chinês [The Killing of a Chinese Bookie, 1976]). Desarticulando de forma espetacular as estruturas viciadas do filme de gênero para enxergar com nitidez e colocar em xeque a estrutura viciada de toda a sociedade italiana, bem como a decomposição dos seus poderes, Sollima soma a sua investida contra um Estado autocrático e perigosamente soberano aos esforços análogos de Damiano Damiani (Só resta esquecer [L’istruttoria è chiusa: dimentichi, 1971]), Nanni Loy (Detenuto in attesa di giudizio, 1971) e Dino Risi (Este crime chamado justiça [In nome del popolo italiano, 1971]). E ainda que a música de Morricone seja o acompanhamento perfeito de uma aventura lancinante, ainda que nas cenas com Paola Pitagora uma Piedra de Fuego itinerante, nômade, sobre quatro rodas ganhe forma nas zonas montanhosas dos Alpes, nos limites da fronteira entre a Itália e a França, ainda que o afeto proletário na relação dos homens entre si e dos homens com as mulheres surja com uma intensidade erótica que nunca mais veremos no cinema de Sollima, Os raptores em ação é completamente dominado pela presença colérica de Reed, e é com essa feição que todo um período da obra de Sollima se conclui.
Assim como a perplexidade perante a nova face da sociedade italiana não nublou a reflexão crítica que Sollima fez nos seus faroestes e filmes contemporâneos de ação, o desencantamento diante da corrosão do projeto político e social do pós-guerra não o levou à lamentação, aos reflexos fáceis da queixa, do remorso e do abatimento. Antes de ser um intelectual, Sergio Sollima é um homem do povo, e seus reflexos artísticos são exatamente aqueles de um proletário, para quem as desilusões não são coisas com as quais vale a pena dispensar tempo, atenção, trabalho. O que tinha para dizer Sollima disse, e muito bem, nos seus filmes; assim que se fez entender seguiu rumo àquilo que o instigava, que o excitava, aquilo que exerceu sobre ele, e que poderia exercer sobre nós, fascinação, que podia suscitar-lhe a inspiração, e o fez como artista, não como um intelectual, não como um militante. Após as viagens ao velho Oeste de Gary Cooper, Walking Coyote, os Chiricahua, Gilbert Roland, Antônio das Mortes e Emiliano Zapata, Sollima segue rumo às ilhas do Sul de Murnau, Flaherty, Walsh, Vidor, Ford, Paul Gauguin, Jon Hall e Dorothy Lamour, rumo a Bora Bora. As três adaptações das novelas de Emilio Salgari são o coroamento de todo o projeto cinematográfico de Sollima e também uma nova aventura sob a forma de um questionamento instigante: após passar os anos 1960 levando alegorias da dialética marxista aos espectadores das salas de cinema mais populares, as quais começaram a desaparecer aceleradamente no início dos anos 1970, como fazer para chegar a esse mesmo público que ascendeu socialmente e agora passa mais tempo em casa desfrutando os bens de consumo adquiridos com os bons salários de empregos estáveis?
Como Cottafavi e Rossellini, como Bertolucci e Renato Castellani, como Alexandre Astruc e Godard, Sollima acaba voltando-se à televisão a partir de meados dos anos 1970. Consciente de que chegará a um público sedento por todo tipo de formação e informação, um público ideal, Sollima cria, como os seus antecessores, uma nova forma: o folhetim televisivo terceiro-mundista. O anti-imperialismo revolucionário do universo de Salgari, o encontro com uma nova mídia que dispunha então de meios consideráveis, o vasto alcance da obra, possibilitado e garantido de antemão, visivelmente estimularam Sollima, que acentuou num meio híbrido como o da televisão o caráter mestiço da narrativa de Sandokan, protagonizada por um príncipe bornéu tornado pirata dos mares da Malásia e a sua esposa ítalo-inglesa.
O jogo dialético dos faroestes é recomposto nas aventuras orientais de Salgari: não apenas entre o pirata malásio e a sua esposa europeia, mas também entre o legítimo herdeiro da dinastia imperial de Bornéu e James Brooke, conquistador inglês tornado rajá branco de Sarawak. Da mesma forma, o hibridismo é ressaltado por todas as relações que Sollima põe em xeque: TV e cinema, um épico em formato de folhetim, a Europa e o Sudeste asiático, piratas e colonizadores (a sobrevivência do pirata malásio garantida em dado momento por um colonizador inglês, avô da sua futura esposa), a depuração da expressão e a impureza da forma. O quadro mítico, como sempre, suscita o que há de mais valioso na imaginação de Sollima, essa maneira de conjugar o passado dos gêneros com o presente político (no caso das adaptações das novelas de Salgari as grandes lutas anti-imperialistas e revolucionárias dos anos 1970 na Europa, na Ásia, na África e na América Latina). Mas o que realmente chama a atenção em Sandokan, O corsário negro e Sandokan, o tigre da Malásia é a maneira como Sollima conjuga “os novos ícones do submundo cinematográfico dos anos 1970”[14] – o filme de kung fu, o exotismo das aventuras orientais, o obrigatório senso do insólito e do proibido na exploração das culturas romantizadas pela cultura europeia, os subgêneros étnicos como o blaxploitation e o próprio filme de artes marciais – com o que só pode ser chamado de classicismo tardio do cinema italiano de gênero.
Esse classicismo está intimamente ligado à evolução particular do estilo de Sollima em relação à evolução geral do cinema italiano. A partir da segunda metade dos anos 1970, com uma queda notável de frequentação do espectador médio, o cinema popular italiano inicia um processo irreversível de puerilização e declínio: da comédia ao thriller, do filme de aventura ao melodrama, a maioria dos cineastas se vê forçada a adotar um estilo enfático, agressivo e vulgar que, como tal, recusa veementemente a nuance e a insinuação – duas virtudes indispensáveis da estética de Sollima. A principal figura de estilo do cinema italiano dessa época é o zoom que penetra os globos oculares de crânios putrefatos, os abraços espalhafatosos de jovens casais furtivos, as caras e bocas dos rostos arrebatados pelo êxtase do gozo. Num momento em que a maior parte dos cineastas italianos quer ver mais, quer ver mais perto, da maneira mais informe, caótica e consequentemente sem limites, Sollima adota uma linha completamente oposta: a câmera organiza meticulosamente e sem hesitações aquilo que devemos buscar com o nosso olhar a cada segundo em que o espaço nos é revelado. Ao invés do zoom invasivo, o zoom que recua, que se abre, a câmera que se deixa envolver pelo ar e pela atmosfera imponderável de cada ambiente, que revela a natureza em toda a sua variedade, que revela os vazios dos espaços criados pelas mãos do homem antes de serem ocupados por uma perseguição a pé, uma corrida de cavalos, um duelo, uma batalha, e talvez, à distância, um corpo que cai, e o punhal que cai da sua mão. Apesar da própria opinião ambivalente de Sollima sobre os seus méritos, O corsário negro e Sandokan, o tigre da Malásia aparecem hoje como a culminância da sua mise en scène, da sua pesquisa sobre o ritmo e a matéria plástica, o seu domínio sobre a gravidade e o vazio, o esplendor fantástico de todas as ideias e sensações que o cineasta tenta provocar em nós. Esses filmes representam também o ponto mais significativo da principal ideia alegórica da sua obra: a de que é preciso morrer simbolicamente para poder iniciar uma nova vida.
As várias vidas de Sergio Sollima: este poderia ser o título de I ragazzi di celluloide, a comovente e prematura conclusão da sua obra. Um romance da sua própria vida, uma vida movimentada como a de Sollima – há maneira mais bela de um artista encerrar a própria obra? A ambição do filme, que tenta recapitular o momento exato da entrada do cinema italiano nos seus anos de glória paralelamente à história da resistência contra o fascismo, situa-se a meio caminho entre Nós que nos amávamos tanto (C’eravamo tanto amati, Ettore Scola, 1974) e Era uma vez na América (Once Upon a Time in America, Sergio Leone, 1984). Ao mesmo tempo evocação das ilusões perdidas e carta de amor ao passado vivido, trata-se de uma fusão entre o romance e o diário íntimo, realizado com os meios e os escrúpulos (informação histórica, comunicação dessa informação) de uma série televisiva de Rossellini.
Nesse outono do cinema de Sollima o classicismo espontâneo que desponta a partir de Sandokan – cujo estilo deliberadamente conciso, sóbrio, introvertido tem como principal característica visual o achatamento da profundidade especial – o aproxima de autores como Allan Dwan, Jacques Tourneur, Edward Ludwig, Edgar G. Ulmer, Matarazzo, John Flynn e Jean-Claude Brisseau na descontração e na circunspecção com que acompanha os ritos e os mitos do Centro sperimentale di cinematografia, a grande escola do cinema italiano na qual se formou e que também foi frequentada, ainda nos seus primórdios, por Domenico Paolella, Luigi Zampa, Clara Calamai, Alida Valli, Dino De Laurentiis, Vittorio Cottafavi, Arrigo Colombo, Pietro Germi, Gianni Di Venanzo, Piero Gherardi, Michelangelo Antonioni, Giuseppe De Santis, Leo Catozzo, Leopoldo Trieste, Luigi Scaccianoce etc. As duas temporadas de I ragazzi di celluloide se estruturam como uma série de cara-a-caras entre o protagonista, alter-ego de Sollima, e os seus colegas do Centro sperimentale. Política e cinema são indissociáveis, como não poderiam deixar de ser numa narrativa desse período da vida e do cinema na Itália, quando a luta pela consolidação de um cinema nacional confundia-se com a luta pela derrubada do regime fascista, e cada confronto com um de seus colegas acarreta mudanças profundas no coração e nas ações do protagonista. Vivendo na realidade mais vergonhosa, negativa, todos – os cinéfilos e os sonhadores, e não apenas os alunos do Centro sperimentale – precisam imaginar, fantasiar uma outra realidade feita de pedaços de cinema (de W. S. Van Dyke a Jean Renoir, de Mario Mattoli a Sergei M. Eisenstein), de pedaços de celuloide, de pedaços de histórias e das histórias dessas histórias. Porque os lugares bonitos, cheios de histórias, as pessoas com quem se vive “aquelas belas horas de futilidade” continuam belos e cheios de histórias mesmo quando as coisas vão mal, mesmo quando o que se sente é ruim, mesmo quando há injustiça por toda parte.
“Como a vida pode ser bela quando é fútil”, diz um dos alunos do Centro, já não importa qual, em um dos episódios dos Ragazzi, ao fim de um dia no campo em que todos terminam dançando. São essas belas horas de futilidade, tão raras no cinema americano, que o cinema italiano, a partir do pós-guerra, tratou de filmar na sua esmagadora maioria – Matarazzo, de novo, o precursor de tudo isso com Trem popular, mas mais tarde, de Rossellini a Zurlini, de Alberto Lattuada a Antonioni, de Ermanno Olmi a Mario Monicelli, de Gianni Da Campo a Bellocchio, a maravilhosa preguiça, o elogio do ócio na vida das personagens, característica singular da dramaturgia e da ação nos filmes italianos do pós-guerra que talvez se tenha identificado um pouco apressadamente com o neorrealismo. O que percebemos com I ragazzi di celluloide, curiosamente, é que as personagens de Sollima jamais experimentam esse ócio, essa futilidade na sua plenitude: elas precisam correr, precisam escapar (dos magnatas norte-americanos das estradas de ferro, dos conquistadores ingleses da Malásia, da polícia fascista de Mussolini e dos soldados alemães durante a ocupação nazista da Itália), e acabam sempre deslocadas para outras obrigações, outros deveres assim que começam a descansar, a sentir um pouco a graça e a satisfação dessa futilidade (Bronson na sequência de créditos de Cidade violenta, Cuchillo no decorrer de Corre homem, corre, o Corsário Negro e Sandokan na totalidade de suas trajetórias). E percebemos também outra coisa. Durante três décadas, as três últimas grandes décadas do cinema italiano, Sollima se dedicou a filmar exclusivamente o processo dialético dos dilemas morais de personagens cujas encruzilhadas sempre as colocou entre a lei e o revólver. Vindo de um ex-combatente na resistência ao fascismo, isso não pode significar qualquer coisa. Os rostos de Volontè, Bronson e Reed tomados pelo choque da perplexidade que uma nova realidade impôs desde o gesto assombroso de Rossellini no ano de 1945 são também a imagem dessa Itália que vimos surgir e que existiu e viveu suas expectativas, suas conquistas e suas desilusões através do cinema. Sendo o oposto da relativização, que tende a abolir qualquer síntese, a dialética se define por um corpo-a-corpo que cristaliza as contradições e permite que as oposições se tornem meras posições, reveladas assim em toda a sua interdependência. Corpo-a-corpo, face-a-face: após definir o tropo visual que articula formalmente o seu comprometimento político, a obra de Sollima acabou ela própria fazendo a dialética entre o cinema americano, marcado pela primazia da ação e pela recusa do lirismo, e o cinema italiano, marcado pelo esplendor lírico dos momentos em que a vida mostra a sua beleza através da presença, mesmo que apenas em forma de promessa, da felicidade (algumas horas, alguns minutos passados ao lado de Claudia Mori, Catherine Spaak, Bruna Simionato, Evi Marandi, Giorgia Moll, Luisa Rivelli, Nieves Navarro, María Granada, Antonella Della Porta, Lidia Alfonsi, Jolanda Modio, Chelo Alonso, Linda Veras, Jill Ireland, Agostina Belli, Paola Pitagora, Carole André, Sonja Jeannine, Teresa Ann Savoy, Mirella D’Angelo, Anna Maria Rizzoli, Roberta Paladini, Sherry Buchanan, Daniela Poggi, Lara Wendel, Michela Miti, Leonora Fani, Alessandra Grado, sempre interrompidos, sempre adiados), esses momentos em que o amor fala mais alto que o passado e que parecem conter a verdade dos homens deste tempo e de todos os tempos.
– Sandokan, neste momento os soldados estão saqueando as colheitas dos agricultores
em todas as partes do mundo. E nem mesmo você pode fazer alguma coisa.
– Sim, mas estou aqui, agora. E talvez possa fazer algo. Penso que, fugindo das coisas pequenas
e próximas, acabamos nunca alcançando as grandes e distantes.
— Diálogo entre Jamilah (Teresa Ann Savoy) e Sandokan (Kabir Bedi) em Sandokan, o tigre da Malásia
Lutai primeiro pela alimentação e pelo vestuário,
e em seguida o reino de Deus virá por si mesmo.
— Georg Wilhelm Friedrich Hegel, 1807,
citado por Walter Benjamin em “Teses sobre o conceito de história”
* * *
Se uma homenagem a Sergio Sollima é também uma homenagem ao cinema, à cinefilia e à crítica, é apenas natural estendê-la àqueles que escreveram sobre o seu cinema, que de alguma forma se dedicaram antes de nós à sua obra. Portanto, saudamos aqui Bertrand Tavernier, Sylvie Pierre, Serge Daney, Pierre Baudry, Bernard Eisenschitz, Noël Simsolo, Marco Giusti, Stefano Della Casa, Gérard Legrand, Louis Skorecki, Inácio Araujo, Carlos Reichenbach, Jean-François Rauger, Olivier Père, Antonio José Navarro, Roberto Curti, Vincent Gallo, Laurent Aknin, Roberto Silvestri, Fabio Zanello, Jean-Baptiste Thoret, Luigi Locatelli e Franco Piermolini.
Notas:
[1] Eduardo Savella, “Notícias da Itália”.
[2] Domenico Paolella, “La psychanalyse du pauvre”, Midi-minuit fantastique n.º 12, maio de 1965, pp. 1-7.
[3] Serge Daney, “Once Upon a Time in the West...”, Cahiers du cinéma n.º 216, outubro de 1969, p. 64.
[4] Sergio Sollima, “Il cinema americano nella storia del cinema”. Il cinema in U.S.A., pp. 225-233. Roma: Anonima veritas editrice, 1947.
[5] Pierre Baudry, “Trois films de Sollima”, Cahiers du cinéma n.º 218, março de 1970, pp. 59-61.
[6] Na Itália o filme de Glauber Rocha chamou-se Il dio nero e il diavolo biondo.
[7] Isto é, antes dos estudos célebres de André Bazin, Jacques Rivette, Philippe Demonsablon, Henri Agel, Roger Tailleur, Jean-Louis Rieupeyrout, François Truffaut, Bertrand Tavernier, Jacques Lourcelles, Patrick Brion, Jean-Louis Leutrat, Jean-François Giré...
[8] “Super Mann”, Cahiers du cinéma n.º 92, fevereiro de 1959, pp. 48-50.
[9] Como, também, o de “Nós não somos mais inocentes” quando escreve: “[É] preciso retornar a um cinema-transcrição sobre a película: ‘escrita’ simples; fixação do universo e de suas realidades concretas, sem intervenção pessoal da mecânica (...); inscrever simplesmente sobre o filme as manifestações, o modo de vida e de existência, o comportamento do pequeno cosmos individual; filmar friamente, documentalmente, para que o universo viva; a câmera reduzida ao papel de testemunha, de olho”.
[10] Władysław Strzemiński, “B=2”, Blok n.º 8-9, 1924.
[11] “Repelling Rejection, or: The Disappearance of Jerry Lewis, and Some Side-Effects”, Lola n.º 3, dezembro de 2012.
[12] Ao final de Quando os brutos se defrontam o cara-a-cara de Milian e Volontè é interceptado pela câmera de Sollima de tal modo que acaba convertido em uma confrontação direta, um cara-a-cara com o espectador, que se vê interpelado pelos atores do espetáculo como no teatro brechtiano.
[13] Annette Michelson, em “O filme e a aspiração radical”, vê o mesmo tópico na obra de Godard e Alain Resnais na década anterior: “A nostalgia e a frustração são explicitamente proferidas em O pequeno soldado (Le petit soldat, 1960-1963) por Michel, o herói: ‘No início dos anos vinte, os jovens tiveram a revolução. Malraux, por exemplo, Drieu la Rochelle e Aragon. Nós não temos mais nada. Eles tiveram a Guerra Civil Espanhola. Nós não temos sequer uma guerra que seja nossa.’ A articulação formal dessa nostalgia por um impulso revolucionário e por uma esperança envolve uma sucessão de paradoxos e fracassos fascinantes. O caso de Resnais, que, praticamente sozinho em sua geração, tentou articular um forte comprometimento político, é particularmente fascinante. Eu tenho em mente não apenas Hiroshima mon amour (1959), mas também Muriel (Muriel ou le temps d’un retour, 1963). Em ambos os filmes, ele tem uma dificuldade visível em situar o comprometimento dentro da estrutura total da obra, em encontrar um tropo visual que não irá apenas flexionar o estilo, ou distender a estrutura. O resultado é uma cisão rítmica, dramática e visual, a articulação estilística da afonia”.
[14] Jesús Cortés, “À caça”.
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