OS RICOS E OS POBRES
Já examinamos as muitas razões pelas quais os filmes americanos se passam em sua grande maioria nos ambientes da alta burguesia e por que seus protagonistas parecem ser desprovidos de qualquer preocupação financeira. Geralmente a posição privilegiada dessas personagens não influi diretamente sobre o curso dos eventos e também não motiva suas ações mais importantes, embora às vezes o faça. Não é uma visão classista nem sequer um reconhecimento da existência das classes, mas uma admissão do problema econômico como tal. Isto também ocorre naturalmente no gênero oposto, ou seja, o de ambiente popular, aquele em que as duas categorias, os ricos e pobres, têm contatos.
Neste último realmente encontramos filmes de algum interesse, como Boêmio encantador (Holiday, George Cukor, 1938), Aconteceu naquela noite (It Happened One Night, Frank Capra, 1934), Natal em julho (Christmas in July, Preston Sturges, 1940), A mulher que soube amar (Alice Adams, George Stevens, 1935), Loura e sedutora (Platinum Blonde, 1931, e no geral os filmes de Capra), Se eu tivesse um milhão (If I Had a Million, James Cruze/H. Bruce Humberstone/Ernst Lubitsch/Norman Z. McLeod/Lothar Mendes/Stephen Roberts/William A. Seiter/Norman Taurog, 1932) e outros menores como Manequim (Mannequin, Frank Borzage, 1937), com Spencer Tracy e Joan Crawford, O amor é assim (Private Number, Roy Del Ruth, 1936), com Robert Taylor e Loretta Young, O homem perfeito (The Perfect Specimen, Michael Curtiz, 1937), com Errol Flynn e Joan Blondell, Quem ama... castiga! (Love Is News, Tay Garnett, 1937), com Tyrone Power e Loretta Young, Avenida dos milhões (On the Avenue, Roy Del Ruth, 1937), com Dick Powell e Madeleine Carroll, O primeiro amor (First Love, Henry Koster, 1939), com Deanna Durbin, A sensação de Paris (The Rage of Paris, Henry Koster, 1938), com Danielle Darrieux e Douglas Fairbanks Jr., o velho Fast and Loose (Fred C. Newmeyer, 1930), com Miriam Hopkins e Charles Starrett, e muitíssimos outros.
Todos esses filmes no fundo são apenas variações modernas da fábula da Cinderela e do Príncipe Encantado, que acabou se revelando de uma utilidade extraordinária para os senhores do cinema americano.
Outra característica comum à maioria dos filmes deste gênero é a de serem comédias. Os raros que são dramáticos pertencem à categoria precedente, ou seja, a de filmes que compartilham uma visão ao menos superficialmente classista. Um exemplo, contudo, de comédia que toca no argumento riqueza-pobreza com a força necessária para chegar à sátira é Irene, a teimosa (My Man Godfrey, Gregory La Cava, 1936), cuja violenta denúncia social foi parcialmente atenuada pelo grande número de comédias semelhantes que já vimos e com as quais poderia ser confundido, mas das quais difere substancialmente por causa da sua posição objetiva e, portanto, satírica de certa sociedade americana.
Menos preciso na direção do seu ataque, mas igualmente e talvez ainda mais virulento, é Nada é sagrado (Nothing Sacred, William A. Wellman, 1937). Seria interessante conhecer as reações dos nossos sucessores, daqui a quinhentos ou mil anos, diante destas duas manifestações dos homens do século XX. É de se esperar que não será diferente da nossa diante dos singulares hábitos dos homens das cavernas.
(Il cinema in U.S.A. Roma: Anonima veritas editrice, 1947, pp. 204-206. Traduzido por Kevin Albuquerque e Bruno Andrade) |
2016/2021 – Foco |