CIDADE VIOLENTA
por Vincent Zeis



(Città violenta). 1970. Unidis/Fono Roma/Universal Productions France (110 minutos). Produção: Arrigo Colombo e Giorgio Papi para a Jolly Film. Roteiro: Sauro Scavolini, Gianfranco Calligarich, Lina Wertmüller e Sergio Sollima, baseado em argumento de Arduino Maiuri e Massimo De Rita. Fotografia: Aldo Tonti (Techniscope, Technicolor). Música: Ennio Morricone. Cenografia: Franco Fumagalli (a.d.), Francesco Bronzi (s.d.). Montagem: Nino Baragli. Elenco: Charles Bronson (Jeff Heston), Telly Savalas (Al Weber), Jill Ireland (Vanessa Shelton), Umberto Orsini (Steve), Michel Constantin (Killain), Ray Saunders (prisioneiro), Benjamin Lev (colega de prisão de Jeff), Peter Dane (Tom Chandy).


A narrativa, subterrânea, complexa e magnífica, é constituída de desenvolvimentos secretos que organizam a revelação das ramificações da intriga e do passado das personagens. A fragmentação narrativa evoca um fundamento com diferentes facetas narrativas e visuais, em equilíbrio precário, mantido de algum modo unicamente pela força de um movimento trágico que conduz todo o filme ao seu desfecho.

O requinte de detalhes dos comportamentos metódicos de Bronson, das vestimentas e dos cenários exacerba a luta do herói para tentar escapar da espiral de corrupção que foi a sua vida. O final niilista e repleto de desilusão é, no entanto, uma saída de todas as relações tóxicas: sentimentais, amicais, profissionais, econômicas e morais. O organismo do filme, sua matéria viva de cenas e de planos, reflete a consciência fragmentada e sofredora de Bronson. Mas pouco a pouco os carros dão partida, os véus se levantam sobre os culpados atrás dos culpados, tal como Jill Ireland na piscina escondida de Telly Savalas. A ação pode se encadear progressivamente. Todo mundo pode vê-la mais claramente. A consciência cindida do herói é recomposta no movimento dos saltos de um lugar para o outro e de um culpado oculto para o outro. Esse movimento é permitido pela ação simultânea das personagens e de Sollima, que reconecta os fragmentos do mundo em direção à sua totalidade, a qual é inicialmente intuída antes de ser plenamente compreendida. Por exemplo: as primeiras cenas dissociam planos de Jill Ireland e dos carros com relação à totalidade do Caribe; mais tarde, Bronson e o espectador têm uma visão parcial e distante da realidade da corrida automobilística. Porém, quanto mais o filme avança, mais Sollima reconecta o mundo com a sua percepção. A montagem realiza-se de maneira menos conflituosa. Os movimentos se adaptam mais harmoniosamente à proporção do quadro.

No entanto, a presença englobante do mundo não para em nenhum momento de ser trágica.

A violência das relações sexuais e de poderes encontra-se no seu apogeu ao fim. O mundo não para em momento algum de ser indiferente: as flores exóticas, os carros de corrida, as selvas da Louisiana e as cidades tentaculares. Não há Miles Davis, mas com Morricone e Bronson é tudo Birth of the Cool do mesmo jeito. As personagens passam a uma calma contemplativa que termina por ser a da morte. No fim das contas, é uma sina moralmente mais digna que os perpétuos ciclos de violência difusa da cidade, dos homens e das mulheres, do mundo todo.


P.S.: Se for necessário aproximar Cidade violenta de outros filmes, pensaríamos em Jean-Pierre Melville, mas menos pela consciência de guerreiro ferido do herói e mais pelo esplendor da recriação europeia da América em Um homem de confiança (L’aîné des Ferchaux, 1963). No entanto, é Michael Mann quem vem à mente pelo paraíso impossível e a honradez dolorosa do herói em Profissão: ladrão (Thief, 1980-1981), e pela mistura de inquietude e de exaltação harmoniosa no seio da magnificência torrencial do mundo em Hacker (Blackhat, 2013-2015). Importância das partículas materiais que sensibilizam em todas as dimensões, em todos os detalhes dos planos e as quais permitem uma repercussão do peso da tragédia sobre cada elemento da trajetória das personagens.


(Traduzido por Vinícius Noronha)




OS RAPTORES EM AÇÃO
por Vincent Zeis



(Revolver). 1973. Mega Film/Société Nouvelle de Cinématographie/Dieter Geissler Filmproduktion (111 minutos). Produção: Ugo Santalucia para a Mega Film. Co-produção: Dieter Geissler (não creditado). Roteiro: Arduino Maiuri, Massimo De Rita, Sergio Sollima. Fotografia: Aldo Scavarda (Eastmancolor – Luciano Vittori). Música: Ennio Morricone. Cenografia: Carlo Simi. Montagem: Sergio Montanari. Elenco: Oliver Reed (Vito Cipriani), Fabio Testi (Milo Ruiz), Paola Pitagora (Carlotta), Agostina Belli (Anna Cipriani), Frédéric de Pasquale (Michel Granier), Marc Mazza (inspetor de polícia), René Kolldehoff (advogado francês), Bernard Giraudeau (sequestrador), Peter Berling (Grappa), Gunnar Warner (Jean Daniel), Daniel Beretta (Al Niko), Calisto Calisti (Fantuzzi), Steffen Zaccarias (Joe Lacours), Michel Bardinet, Sal Borgese (prisioneiro suicida), Giovanni Pallavicino (sequestrador), Giacomo De Michelis, Amato Garbini, Carla Mancini, Orazio Stracuzzi, Marco Mariani (Carlo DeGregori), Jean de Grave (Harmakolas), Franco Moraldi (chefe de polícia francês), Ottavio Fanfani (lojista) Gianni Bortolotti (médico).


Em um primeiro momento a história, com o seu rapto e a sua busca, parece anódina. Ela é plena de trocas de prisioneiros e de policiais nervosos. Mas instantaneamente o lirismo da abertura permite ver com qual madeira o filme se aquece. E, na sequência, a frieza inabitual de Milão e de Paris situa a natureza profundamente original e radical do filme. A narrativa relata os tormentos de adversários naturais e de aliados circunstanciais que escapam com perdas e derrotas da corrupção geral que sempre revela os culpados atrás dos culpados. O longo fluxo da narrativa une-se ao da fuga caótica. O filme tem uma dimensão ao mesmo tempo reduzida, compacta e rápida com sua abertura na noite, seus planos trêmulos no carro, sua neblina densa, suas celas, sua fotografia escura e seus enquadramentos frequentemente fechados. No entanto, o fechamento é também subvertido em abertura, com a dimensão dos planos gerais, como durante a passagem da fronteira na montanha.

Justiça e culpabilidade são igualmente relativas. A libertação acontece à custa da mudança do policial em criminoso. O horror do “insolúvel” e da destruição do Bem é total. Pois se trata de um filme sobre as provações e sobre o questionamento da moral. Sendo assim, Fabio Testi é o homem natural. Ele deve se manter em movimento. Seu cursor moral é um catavento. Sua pureza de animal selvagem enjaulado e mais tarde encoleirado é confrontada à do católico encolerizado Oliver Reed, que luta contra moinhos e contra a sua consciência, por exemplo, depois do sacrifício do seu aliado, o guarda prisional. A perda de sua mulher (Agostina Belli – conjugal) leva Reed a picos de violência: ele atira uma jaqueta ou empunha um revólver. O frio é uma calamidade e os mortos são todos difíceis de enterrar: o industrial assassinado, o amigo assaltante da abertura... Os movimentos de câmera perscrutam os lugares e os rostos para encontrar neles uma inocência perdida ou impossível, algo que a música de Morricone também evoca.

O filme funciona com uma ironia terrível sobre a amizade traída e revertida em execução forçada. O Mal pode identificar-se com a razão de Estado, a qual coincide com a Liberdade, e o Bem, de uma maneira finalmente terrível e angustiante, mas também anunciada, ao poema Liberté, de Éluard, do qual o filme inteiro ilustra plenamente as características ao mesmo tempo de militantismo, de truculência e de resignação. Os versos “Nos suores da tempestade” e “Na solidão despojada” são particularmente próximos do clima visual e da tonalidade do filme. A inscrição do poema no quadro negro reverberando negativamente o primeiro verso do poema (“Nos meus cadernos de escola”) pelo sonho ilusório de libertação política com a contrabandista revolucionária. O valor poético da desilusão política tem relação direta com a interpretação poética e com a personagem endossada por Fabio Testi, sempre uma ideia do homem livre e inocente ao mesmo tempo que perseguido e frágil.

A lucidez presente em todo o filme é de um pessimismo crítico constante: o pop star assassinado com droga e especialista no tráfico de brancos (ao contrário de sua canção grudenta, mas comovente em relação ao tema do filme), a polícia francesa robótica, o inferno deteriorado da prisão, os vilões encobertos pelos proletários sicilianos do crime, as dificuldades do prisioneiro enlouquecido em salvar sua família... O pessimismo crítico tem uma dimensão política que pode ser aproximada à de um Francesco Rosi no mesmo período do cinema italiano. Esse pessimismo é marcado por uma escuridão inicialmente visual em um filme quase contemporâneo de Os raptores em ação como A vontade de um general (Uomini contro, 1970), que tem por tema a morte permanente em campos de batalha abarrotados de objetores de consciência amargos como Alain Cuny, o qual se assemelha à personagem de Fabio Testi, mas sem a dimensão irônica e a liberdade de pensamento em relação aos imperativos do P.C.I. presentes em Os raptores em ação.


(Traduzido por Vinícius Noronha)



 

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