FEMMES FEMMES, Paul Vecchiali, 1974
Femmes femmes é o primeiro produto “acabado” de uma busca que durou cerca de 10 anos e que coincidiu particularmente com a parábola “metalinguística” de Godard e de seus jovens discípulos terroristas. Já que se trata de um produto “acabado”, Femmes femmes se propõe – objetivamente – talvez de modo alheio às intenções do autor – a restaurar um cinema clássico no qual a busca “metalinguística” é, ao menos em grande parte, reabsorvida. Vendo Femmes femmes não se pensa constantemente que seu autor esteja fazendo cinema, nem mesmo que esteja nele pensando. O “recuo” em relação à obra é reduzido em Vecchiali a não ser mais que um sentimento difuso, sem pressões nem violências sobre o espectador e, sobretudo, sem exibicionismo. A “lição” – era fatal – é reintroduzida, mesmo que permaneça visível, a faróis baixos. Uma vez desaparecidas as intenções, e então o ato de pôr a obra em discussão enquanto ela está sendo feita, resta a obra, nua e crua. Por se tratar de uma “restauração” (ideológica, não sobre o plano da ideologia, mas sobre o plano da expressividade), o que Vecchiali realiza em definitivo (em um contexto histórico, aliás, muito preciso: Paris no começo dos anos 1970) é uma redescoberta do cinema.
No preto e branco de Femmes femmes adivinha-se os grandes e comoventes modelos originais: pensei em Murnau (A última gargalhada [Der letzte Mann, 1924]), em Dreyer (Gertrud, 1964) ou em um menor: Machatý. Femmes femmes é, contudo – e isso é extraordinário –, um filme justamente sobre o cinema! Ou, mais exatamente, sobre a expressividade audiovisual como um todo. As duas protagonistas são, de fato, duas atrizes: duas atrizes de teatro cujo mito é cinematográfico (como testemunham as fotos coladas nas paredes de seu pequeno apartamento rosselliniano). Elas encenam Racine ou então uma singela cena cômica, mas queriam ser duas estrelas de Hollywood. Estabelece-se assim um ménage à trois entre “realidade”, “cinema” e “teatro”. As duas atrizes são duas atrizes fracassadas descendo a ladeira da degradação social. Elas então são abandonadas tanto pelo pleno de sua profissão quanto pelo “pleno” do seu mito (o cinema). Não lhes resta senão o vazio da realidade. Mas é quando a “realidade” parece mais vazia, insignificante, puramente trágica porque sem razões, que ela é preenchida novamente por essa consciência de si que é a representação: de um lado o cinema, porque seu código linguístico coincide justamente com aquele da “realidade” como representação natural, e porque, além disso, ele é um modelo universal (ao começar a morrer, uma das duas atrizes, ainda que sofrendo de maneira atroz, “imita” a pose desesperada de uma das estrelas hollywoodianas veneradas); do outro lado o teatro, porque as personagens interpretadas contaminam de uma vez por todas quem as interpreta: uma atriz que tenha sido uma vez heroína de Racine não cessará mais de sê-lo. A personagem de um grande autor é sempre maior que o intérprete (frequentemente medíocre, privado de talento ou completamente cabotino), mas ela lhe empresta generosamente sua grandeza. Em conclusão, as duas pobres fracassadas à deriva – a ponto de se tornarem mendigas – são dilatadas semanticamente, em sua realidade, porque elas estão no cinema-teatro. Elas poderiam certamente, como todos os seres humanos, atingir uma “grandeza” própria – e até mesmo uma grandeza majestosa – com seus pobres meios: o fato é que no filme de Vecchiali elas atingem a “grandeza” – uma grandeza majestosa – através da dilatação linguística da qual falei. Mas é essa “grandeza” delas que prevalece no fim. Essas duas infelizes, loucamente excluídas, reduzidas a dejetos humanos, nos aparecem ao fim do filme como duas personagens, eu repito, dignas do Jannings de Murnau ou da Gertrud de Dreyer (para tomar dois exemplos puramente paradigmáticos). Seu amor – que é sensual sem ser lésbico, que é espiritual sem nenhuma retórica espiritualista, que é comovente sem nenhum sentimentalismo – tem a firmeza e a loucura das grandes invenções poéticas dos petits maîtres. Porque evitando justamente os perigos de um psicologismo clínico, de um espiritualismo culturalmente degradante e, sobretudo, da pieguice, ele não apela senão a uma extrema, graciosa e profunda elegância (tão pouco formalista que arrisca ser desajeitada), e isso – que seja permitido a uma testemunha italiana dizê-lo – não seria possível se não no seio de uma cultura como a cultura francesa: jamais o establishment cultural foi representado com tanta inocência e perfeição como com as duas atrizes fracassadas (as extraordinárias Hélène Surgère e Sonia Saviange) de Vecchiali.
(Traduzido do italiano por Jean-Claude Biette. Cinéma n.° 224-225, agosto-setembro de 1977, pp. 150-151. Traduzido por Erick Moro) |
2016/2021 – Foco |