NOTAS SOBRE JACQUES RIVETTE (E ALGUNS OUTROS)
17 de fevereiro de 2000
Defesa secreta (Secret défense, 1997-1998), de Rivette. Não tinha me emocionado tanto desde Gente da Sicília (Sicilia!, Jean-Marie Straub e Danièle Huillet, 1998-1999). São os Comentários sobre a sociedade do espetáculo de Guy Debord em forma de cinema, a ameaça e o perigo se acumulando por todos os lados (o campo pelo vidro do trem, o wagon-bar do TGV, o laboratório, o corredor com a dispensa de lixo...).
Durante o filme eu pensei em Iosseliani, me dizendo que somente ele e Rivette filmam com justeza hoje em dia, de certa distância, arriscando-se. Pois os barulhos terríveis (choros, murmúrios) que escutamos quando Bonnaire está sozinha em sua casa vêm justamente de Brigands, chapitre VII (1996).
16 de maio de 2000
Ontem à noite O bando das quatro (La bande des quatre, 1988-1989). Rivette deixa a trama suficientemente imprecisa (um “trânsito” de dez nomes) para que o tempo trabalhe contra a intriga policial e permita que mil rotas de fuga sejam inventadas para desvendá-la. A intriga derrapa, a ponto de esperarmos que as quatro mulheres se recusem a ser por mais tempo a presa fácil do fora-de-campo, a ponto de esperarmos que elas peguem em armas. No final Claude tenta atingir o policial, Anna o ameaça com uma faca, Lucia tenta envenená-lo e Joyce, batendo-lhe duas vezes na cabeça, mata-o.
É então que Rivette reúne, finalmente, pela violência mais deliberada e mais frontal, aquilo que foi mantido separado pelas ficções sórdidas da polícia.
19 de julho de 2000
Hoje, pesquisa de locações em Paris para Quem sabe? (Va savoir, 2001), com Rivette e seu assistente.
Surpreende-me a rapidez com a qual Rivette decide se um lugar convém ou não. Ele dá umas olhadelas e adia qualquer detalhamento. Seu leitmotiv: “Veremos, veremos.” No carro faço-lhe algumas perguntas sobre sua mise en scène em Joana, a Virgem (Joana, a Virgem I – As batalhas [Jeanne la Pucelle I – Les batailles, 1992-1994] e Joana, a Virgem II – As prisões [Jeanne la Pucelle II – Les prisons, 1993-1994]), mas suas respostas são lapidares: ele prefere evocar as condições da filmagem. Aquilo que ele relata passa a sensação de que ele mesmo não desempenha função alguma na concepção de seus filmes. Mas ele fala de bom grado, joga com as palavras o tempo todo.
10 de agosto de 2000
Em A chinesa (La chinoise, Jean-Luc Godard, 1967) o campo já está lá, ameaçador, atrás do vidro do trem onde Wiazemsky e Jeanson dialogam, como 30 anos mais tarde em Defesa secreta. O mesmo revólver, a mesma ideia fixa.
8 de janeiro de 2001
Recordo-me da viagem em Paris com Shirel Amitay e Rivette. Durante o dia todo Rivette leu em voz alta os escritos divertidos que seus olhos encontravam (cartazes, painéis...), procurando, como Breton e Aragon, as peças do acaso objetivo.
14 de abril de 2001
De Amor louco (L’amour fou, 1967-1969), reduzido no lançamento comercial para duas horas no lugar de quatro, a Defesa secreta em 2000, amputado em cerca de uma hora quando de sua exibição no canal Arte (sob a indiferença geral: eu enviei uma carta aos Inrockuptibles, que não a publicaram): terror do “realismo” mercantil.
11 de março de 2002
Vi ontem à noite Rivette em um self-service da avenida de Wagram. Ele comia, completamente sozinho, batatas fritas mergulhadas na maionese. Entro precipitadamente para conversar com ele. Esqueço-me de dizer-lhe meu nome, de lembrá-lo que sou o estagiário que encontrou a claraboia que se vê no cartaz de Quem sabe?. Ele não me reconheceu.
Quem sabe?
Para que uma personagem cace ou cruze com outra, na harmonia de uma obra completa, é preciso ter o cuidado de tratar todas as personagens com igualdade. Fritz Lang dizia: “Tudo é detalhe, nada é detalhe.” E Rivette: “O cinema é uma tentativa da mais justa utilização possível das diferentes leis existentes para que haja ao final liberdade, igualdade, e eventualmente, fraternidade”.
A história de Marie e Julien (Histoire de Marie et Julien, 2003)
Ao superar a estilização e a concisão que eram próprias do cinema dos precursores, e ao se aproximar das pessoas (mesmo que mantendo uma distância), Rivette sentiu a necessidade de um amplo acréscimo de tempo. É que suas personagens vêm de muito longe, e precisam de tempo para chegarem calmamente.
Teatro
O cinema se separou do teatro e se aproximou da própria vida, misturando-a com o teatro. Em Céline e Julie vão de barco (Céline et Julie vont en bateau: Phantom Ladies Over Paris, 1974), O bando das quatro e Quem sabe? o teatro está lá para reafirmar a realidade experimentada pelas personagens do filme. E quanto mais tempo há, ao mesmo tempo e paralelamente, de teatro e de vida, mais o mundo existe.
Guédiguian, Chabrol, Rivette
Guédiguian é importante porque ele é o único a oferecer uma outra saída ao tédio mortal da pequena burguesia que não o ódio de si (depressão, crise de nervos, o eixo Desplechin-Podalydès). Ele propõe a essa burguesia recordar de onde vem. Seu cinema é reacionário e comunista, tranquilizador e exigente ao mesmo tempo. Não apreciam o seu lado melodramático, familiar e sentimental: não é um cinema para aqueles que sonham com evasão, com aventuras (a viagem ao Kilimanjaro não acontecerá, nos contentaremos com uma visita aos meninos pobres da cidade ao lado...).
Chabrol também não é apreciado, pois mistura ao extremo os gêneros, não teme o feio, o estridente, a careta, o “mau gosto”, que, contrariamente aos americanos, ele filma sem amenizar, sem “humanizar”. Seu assunto é o desumano; é um humanista.
Rivette tem uma inclinação maternal, que compreende e perdoa, com muita agonia real também, e um grande desejo de compreender, de desemaranhar, de esclarecer – tudo o que os varonis (e muitos homens o são sem assumi-lo) detestam. Rivette divide, partilha (os papéis, as responsabilidades): é verdadeiramente um bom cristão. Seu cinema é tão generoso e rigoroso que ele plana 1000 pés acima do resto, mas como ele não procura jamais intimidar o espectador, este se crê superior. O dia em que compreendi Rivette (depois de ter, como todos, desprezado ele) foi um grande dia na minha vida de homem.
36 vistas do Monte Saint-Loup (36 vues du Pic Saint Loup, 2008-2009)
Na primeira vez, eu não tinha visto a que ponto 36 vistas do Monte Saint-Loup é belo, de uma beleza secreta, que se refugia no ridículo e no inacabado. É tão fácil, é extremamente fácil ser “injusto com Rivette”, como dizia Daney. E eu que sou, no entanto, desde uma certa noite na Cinemateca dos Grands Boulevards, um fiel entre os fiéis, acabei me decepcionando devido a uma expectativa. Ora, não havia nada a esperar.
Por que, mais do que qualquer outro, Rivette reivindica (mas em silêncio, sem ter o ar) a tolerância? Sua arte é tão discreta, ele não afirma nada, ele escapa de propósito.
36 vistas do Monte Saint-Loup é um filme que não tem nada a provar, um filme pré-computador, pré-impaciência. Um filme que ninguém foi ver e que todos já esqueceram. Um filme que não merece nem a pequena morte nem muitas explicações, que simplesmente reaviva outra sensualidade, um prazer diferente daqueles que o cinema nos habituou.
Como todos os grandes filmes, o último filme de Jacques Rivette é “um golpe de machado no mar congelado que há em nós” (Kafka).
Aço contra aço
Não toque no machado parece, num primeiro momento, inverter os papéis de Amor louco: em 1967, o homem abandonava sua mulher e ela se afundava na loucura; em 2007, uma dama provoca o desejo de um velho soldado até chegar ao ponto de ruptura, até chegar ao drama.
Um lembrete dos poderes de sedução e de humilhação das mulheres? É preciso não se enganar quanto a isso: Rivette não abandonou nada do seu feminismo radical. O soldado pensa enquanto homem-soldado, suas primeiras palavras ao deixar a duquesa são: “Eu a terei.” Sébastien, o diretor em Amor louco, poderia também ter dito (se fosse menos pós-moderno, menos “sutil”): “Quando eu a quiser, eu a terei.” A única escapatória para Claire será deixá-lo: alguns segundos de oxigênio em 4h12 de confinamento.
A novidade, com a adaptação do romance de Balzac, é que a mulher está armada. A duquesa sabe quem é o homem – ao menos ela aprendeu a defender-se de seus ataques. Duas precauções valem mais do que uma; o visconde (Piccoli), um zombador, muda de tom para lembrar-lhe que essa águia tem algumas chances de dominá-la.
Ora, esse soldado que acredita poder chamar o confronto pelo que é (“aço contra aço”) se ilude completamente. A duquesa, ao lhe devolver a pobre imagem de um menino que reclama gritando contra aquilo que não consegue obter, o enreda. Não é que ela queira puni-lo: ela o ama. É ele que não a ama; ele não pode, então, ganhá-la. Ele a perderá, fazendo apenas uma vítima: a mulher, mais uma vez – um “poema”, diz ele, que será esquecido...
Assim, não somente Não toque no machado retoma a chama de Amor louco, mas o filme vai muito mais fundo no coração dessa guerra de sexos – fórmula hipócrita para não dizer: guerra dos homens contra as mulheres. Os artistas de 1967 acabavam sendo muito menos capazes de conhecer essa guerra, visto que todos se diziam feministas. O século XIX e Balzac foram necessários para abrir os trincos do recalque. “Aço contra aço”: o soldado vê por todo lado apenas o reflexo de sua armadura. Ele se masturba com a ideia que tem da mulher até que não reste nada mais dela além de um cadáver.
(Traduzido por Linara Siqueira) |
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