NU COMO UMA ESPADA: O CINEMA DE GÉRARD BLAIN
por Ludovic Maubreuil



Permaneço em estado de legítima defesa com a sociedade desde que nasci!
— François, interpretado por Gérard Blain, em Jusqu’au bout de la nuit.


O cinema de Gérard Blain opõe-se violentamente ao nosso mundo. Sua sobriedade extrema despreza a frivolidade. Há tantos filmes que adotam uma pose afetada ou que se beneficiam da sua aparência, como se acreditassem dessa forma se libertar de uma sociedade com os princípios devastados, com regras que se tornaram loucas, enquanto que dessa forma eles apenas acrescem à desordem. Há tantos filmes em vão. Frente à infecunda mistura dos gêneros, às desestruturações cativantes, à profusão de signos desunidos, o retorno ao sentido, que passa pela ascese estética, é uma forma de ultraje.

O cinema de Blain, despojado de afetações e de veleidades, depurado das caretas de atores e das palavras de autores, livre dos movimentos de câmera intempestivos, sem dúvida está nu, mas como uma espada.

Seus filmes, reduzidos ao que lhes é estritamente necessário, deixam as coqueterias formais aos Autores, esses escravos do estilo. Seus heróis padecem tanto que esmagá-los com travellings vantajosos e raccords excessivamente significantes seria desrespeitá-los. É preciso, ao contrário, lhes conceder a graça e, para isso, cortar pela raiz as tentações maneiristas, as reviravoltas barrocas, as hesitações bizantinas, tudo o que mascara e traveste. Tudo o que corrompe.

Uma imagem justa é aquela que se despe do menor enfeite. Pois o mais temível entre eles, o mais insidioso, é certamente o naturalismo, essa sinceridade postiça que mente sobre o essencial, essa maneira odiosa do cinema de fingir, essa trucagem supérflua. Em Blain tudo é reformulado, não para soar verdadeiro, mas para ir diretamente à questão. O equilíbrio do plano organiza o mundo. Prova disso é a harmoniosa composição dos pátios dos imóveis em Le rebelle (1980) ou Pierre et Djemila (1986-1987), dos cafés em Les amis (1971), Le pélican (1973-1974) ou Um garoto na multidão (Un enfant dans la foule, 1976), das reuniões em Jusqu’au bout de la nuit (1995) ou Ainsi soit-il (1999-2000). Do mesmo modo, a simetria do quadro se torna ato de resistência. Resistir significa combater o imbróglio das ideias e a confusão das imagens, esse carrossel que tem como único fim a vertigem e o assombro. Em um filme de Gérard Blain, a personagem está no centro do quadro, quer esteja imóvel ou andando, quer esteja correndo. Quanto ao resto, com exceção de algumas cenas de grupos em que sempre se toma o cuidado de equilibrar as forças presentes, correspondem-se os duelos e os duetos. Os primeiros isolam cada um dos protagonistas (certos campos-contracampos são feitos mesmo face à câmera) até o desaparecimento, às vezes a morte, de um dos dois no seu quadro. Os segundos, quer se trate de relações filiais ou amorosas, dão preferência aos parceiros que se encontram lado a lado, e mesmo cara a cara, capturados juntos no mesmo plano. Visto que nada vem parasitar o gesto, falsear o olhar, maquiar os traços, deformar a voz ou entravar a atitude, cada corpo pode então impor sua presença.

Em Blain as formas são interdependentes, nada é supérfluo ou destoante. Os gestos se completam, os olhares se correspondem, as durações se encaixam e os sons ecoam. Às vezes até mesmo as harmonias das cores vêm sublinhar a unidade de uma sequência. Em Le pélican, durante o plano fixo em que o pai está no piano enquanto seu filho brinca no tapete, o suéter do pai é amarelo como o brinquedo, os tons beges do piano e das cortinas condizem com a regata da criança. Em Le rebelle, Pierre (Patrick Norbert) e sua irmã pequena adotam a mesma postura frente seus sucos de cor idêntica. Em Jusqu’au bout de la nuit, durante o encadeamento de cenas em que vemos Maria (Anicée Alvina) visitar sua filha, o cômodo que ela deixa é predominantemente rosa escuro (o casaco, o transistor, a luminária), o carro em que ela entra é vermelho, os muros da escola que ela percorre são rosa pastel. Dessa maneira, em cada caso é exaltada a permanência de um laço familiar, tanto na sua serenidade como naquilo que o ameaça; em cada caso a harmonia das formas se revela tão discreta quanto implacável.

Em Blain, nenhum plano é inútil. Tudo o que nos é mostrado, mesmo que a ação pareça redundante, participa na maturação da personagem principal, entre calvário e felicidade. Mulheres andam em silêncio, homens atravessam casas ou jardins vazios, caminham ao longo de grades ou cercas, e tanto as suas esperanças como as suas indecisões fazem-se nossas. Casais se buscam, se formam, inventam a cada encontro os gestos de sempre, e é essa repetição que os consagra. Ao contrário, o que descobrimos de uma palavra ou de um olhar não precisa ser explicitado; aquilo que é evidente não é garantia de nenhuma mais-valia se for representado. A elipse é, então, a melhor maneira de aliviar o peso da narrativa, de retirar dela esse excedente de banha que em outros filmes é o que se mantém. Em Le pélican, nem a malversação que leva à prisão de Paul (Gérard Blain), nem sua estadia na prisão que dura quase dez anos são mostrados. Em Jusqu’au bout de la nuit, o assalto e a intervenção da polícia igualmente não têm imagem. O que se sabe de antemão não precisa ser filmado. O cinema não está aqui para ilustrar, ratificar, sobrecarregar, mas para admitir questões.

Vibrante encarnação das personagens, rigorosas proporções entre as formas, recusa altiva do acessório e do decorativo: nós estamos bem longe dessa “estética de fascinação” evocada por Raymond Abellio, que procura, ao contrário e a qualquer preço, a sideração e o controle, mesmo que sacrifique o sentido. Justamente no lado oposto, o cinema de Blain é o coração ardente dessa “estética de comunhão”, ou de transfiguração, que o autor de La fosse de Babel por sua vez defendia, estética que favorece a regeneração mais que o êxtase, fazendo da beleza não mais um fator de feitiçaria, mas de “fusão unitiva” entre a obra e seu espectador. Essa estética pode tender, segundo as palavras de Abellio, à “percepção sem formas” ou à “arte sem arte” do budismo zen[1]. E é, em suma, o que nos diz Michel Marmin, que foi seu amigo e o roteirista dos seus dois filmes mais belos, Pierre et Djemila e Ainsi soit-il, quando para caracterizar o estilo deste último cita Michel Mourlet sobre os últimos filmes de Fritz Lang, mencionando esse “limite para além do qual a mise en scène, por um procedimento comparável ao de Mallarmé, cairia na ausência de mise en scène”[2].

É de fato por sua necessidade e sua verdade conjuntas que o menor plano de um filme de Gérard Blain revela-se moral. Este, aliás, vem se juntar ao dilema ético que cada uma das suas narrativas tenciona. O cinema de Blain é, então, moral ao quadrado! Tomemos como exemplo esse motivo frequentemente utilizado, a morte de uma personagem. Um ponto essencial é que esta nos é dada a ver com um pudor bem inatual. A arma do crime pode até mesmo não aparecer, como quando Pierre (Jean-Pierre André) é apunhalado no fim de Pierre et Djemila e o corpo de seu agressor a dissimula: como durante o assassinato de Ainsi soit-il, onde a pistola permanece no fora-de-campo. Em Le rebelle, a futura vítima nos é mostrada de costas, deixando um lugar, apagando um abajur, deixando se fechar sobre ela uma porta de elevador. Isso nos basta como significado de seu desaparecimento próximo. Depois do tiro, não haverá agonia complacentemente filmada, como em tantos filmes onde a morte não tem mais nenhuma gravidade, tão falsificada que ela é de sentimentalismo e de estetismo igualmente indecentes. O afogamento de Djemila (Nadja Reski) se resume, por sua vez, ao salto de uma ponte e ao som de um corpo caindo na água; qualquer outra imagem seria inoportuna. Do mesmo modo Maria (Anicée Alvina) morre de uma bala perdida no fim de Jusqu’au bout de la nuit, sem que a vejamos cair. E quando François (o próprio Blain) é, por sua vez, morto, o plano não mostra sua queda mas o instante depois do tiroteio, quando seu corpo recobre em parte aquele da mulher que amava. Em Blain, jamais vemos os homens cair. Mesmo que o crime lhes seja muitas vezes consubstancial, conta apenas a coerência de um percurso, o ato de fé de um combate, a nobreza de uma obstinação. Blain celebra a oposição soberana aos sistemas pervertidos, qualquer que seja o resultado, mesmo se Paul, o “pelicano”, não recupere jamais seu filho, mesmo se Pierre, o “rebelde”, não mude as torpezas da sociedade capitalista, mesmo se Pierre não tenha nenhuma chance de ficar com Djemila. Como diz tão justamente Michel Marmin sobre o último filme de Blain, Ainsi soit-il, o que nos é dado a ver, consistente com esse supremo rigor estético, “é primeiramente a revolta de valores imemoriais de rigor, de honestidade, de lealdade, de valores péguystas se quisermos, contra a corrupção do mundo moderno”[3].

O cinema de Gérard Blain, cheio de sofrimento e de orgulho, é assim de uma beleza sem remissão, magnífica rubrica de uma anti-modernidade que não devemos temer julgar como salvadora.


Notas:


[1] Raymond Abellio, Fondements d’esthétique, Cahier de l’Herne, 1977.

[2] Michel Marmin, La république n’a pas besoin de savants, Éditions Pierre-Guillaume de Roux, 2017.

[3] Ibid.


(Traduzido por Henrique Quadros)

 

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