ILHAS DO SUL
por Sergio Sollima






F. W. Murnau no set de Tabu (Tabu: A Story of the South Seas, 1930-1931)


Se a descoberta da América deu aos homens um mundo novo, a descoberta dessas inúmeras pequenas ilhas que se estendem ao longo do Equador no Oceano Pacífico representou um acontecimento mais importante porque deu aos homens um paraíso, ainda que terreno.

A fama dessas terras longínquas banhadas pelos mares do Sul, da lua entre as árvores, do bafo quente dos ventos alísios, dos tambores na noite, das danças sagradas dos indígenas, das mulheres vestidas só de beleza, inocentes porque o amor não era pecado, chegou à Europa.

Este novo Éden não poderia deixar de estimular a imaginação dos artistas. De fato, no último século, nasce uma nova literatura a partir deste mundo: Stevenson foi talvez aquele que, mais do que todos os outros, foi capaz de nos dar uma interpretação apaixonada e profunda. Na pintura, depois, uma grande alma, solitária e primitiva, Paul Gauguin, encontrou ali a sua expressão poética e, para nos deixar o testemunho vivo, teve que suportar todos os tipos de sofrimentos e privações.

Depois, a sétima arte, com a exuberância própria aos recém-nascidos, produziu uma longa série de filmes que exploraram as paisagens maravilhosas e a vida poética daqueles povos primitivos.

O elemento base, comum a todos os filmes sobre as ilhas do mar do Sul, é a virgindade nova e a sensação de liberdade avassaladora da natureza que o branco encontrou nos lugares e nas pessoas. Este é o leitmotiv que é apresentado ou isolado como único argumento, ou, mais frequentemente, em contraste com a mentalidade e a pseudo-civilidade dos brancos.

A primeira estrada apresentava evidentemente problemas muito mais complexos e nela só se podiam aventurar os poetas puros, os “líricos” da tela. Os três homens que efetivamente o fizeram chamavam-se Flaherty, Murnau, Vidor.

Robert Flaherty, quando teve a idéia de rodar um filme sobre as ilhas do mar do Sul, provavelmente não pensava que seria o primeiro de um longo filão. O homem perfeito (Moana), rodado em 1926, foi um documentário de valor não excepcional, mas indubitavelmente de bom gosto, que pelo menos revelava no realizador um conhecimento profundo dos meios cinematográficos.

Friedrich Walter Murnau foi em 1931 à ilha de Bora Bora para as filmagens de Tabu. Para este filme, que era o segundo depois da sua chegada à América, escalou exclusivamente indígenas da localidade. A simplicidade linear dos acontecimentos – que descreve os sentimentos elementares dos indígenas –, o sentido trágico de um destino que age como inexorável juiz das questões humanas, a beleza da fotografia e uma montagem bem ritmada contribuem para conceder a esta obra um autêntico classicismo da tragédia grega.

Seguindo o exemplo de Tabu foi produzido mais um filme: Ave do paraíso (Bird of Paradise), pelas mãos de King Vidor, com Joel McCrea e Dolores Del Rio no papel de uma indígena. O filme é de 1932. Também aqui é narrado o drama de uma rapariga declarada “tabu” e apaixonada por um marinheiro. Pressões comerciais evidentes tornaram difícil um maior empenho da parte do realizador, o qual ainda assim, em algumas cenas (como aquela em que a mulher serve a água ao marinheiro febril com a boca e extingue o calor com os próprios lábios), conseguiu criar um ambiente poético.

O segundo gênero de filmes proporcionava com certeza possibilidades comerciais muito maiores, e estimulou sobretudo o “narrador”. A série foi inaugurada por W. S. Van Dyke em Deus branco (White Shadows in the South Seas, 1928), com Monte Blue, Raquel Torres e Leslie Howard. A beleza dos lugares e a simplicidade de vida poética dos polinésios eram postas em contraste nítido com a brutalidade e a cobiça dos brancos. Neste filme uma atriz branca – Raquel Torres – assumia pela primeira vez o papel de uma indígena.

Seguiram-se rapidamente outros dois filmes de Van Dyke, quase sobre o mesmo assunto: O pagão (The Pagan, 1929), com Ramon Novarro, e Delírio de amor (Never the Twain Shall Meet, 1931), com Leslie Howard e Conchita Montenegro.

Desta época é também a primeira versão de Sedução do pecado (Sadie Thompson, Raoul Walsh, 1928), adaptada do famoso conto Rain de Somerset Maugham, com Gloria Swanson e Lionel Barrymore. Alguns anos depois adaptam outro filme do mesmo conto, realizado por Lewis Milestone, com Joan Crawford e Walter Huston. Desta feita os mares do Sul servem de cenário, mas o protagonista é aquele irresistível sentido de liberdade pagão que irrompe mesmo do coração do rigidíssimo pastor. Entrementes o francês León Poirier realizava o seu Caïn, aventures des mers exotiques (1930), com Thomy Bourdelle. Mas não podia faltar uma sátira a este gênero de filmes: assim de fato pensou Douglas Fairbanks com o seu Robinson Crusoé moderno (Mr. Robinson Crusoe, A. Edward Sutherland, 1932), que narra a aventura de um homem que aposta com alguns amigos poder habituar-se a viver sozinho, sem levar utensílio algum, numa ilha deserta. Os amigos, ao final do prazo da aposta, encontram-no em cabanas elegantes munido de todas as comodidades, rádio, chuveiro e água corrente incluída.

No entanto, agora as sombras brancas tinham mesmo profanado irremediavelmente os mares do Sul e os últimos filmes da série foram perdendo sempre mais frescura e inspiração em prol do sucesso comercial. Nitidamente medíocres foram: O último pagão (Last of the Pagans, Richard Thorpe, 1935), com Lotus Long e Mala, e O tufão (Ebb Tide, James P. Hogan, 1937), com Ray Milland e Frances Farmer, em cores.

No ano de 1935 a Metro-Goldwyn-Mayer lançou um filme de grandes pretensões, O grande motim (Mutiny on the Bounty, de Frank Lloyd), com Clark Gable, Charles Laughton, Franchot Tone, Movita e Mamo Clarke. Sobre o mesmo tema tinha sido feito algum tempo antes, na Inglaterra, um filme que tinha como protagonista um jovem ator irlandês, que descendia efetivamente de um dos antigos amotinados, Errol Flynn. N’O grande motim a ilha de Pitcairn tornava-se para os marinheiros rebeldes o próprio símbolo da liberdade. No fim de contas os mares do Sul sofreram uma interpretação muito superficial e retórica, se bem que por vezes sugestiva.

Mais tarde outro cineasta de valor, John Ford, quis deixar a sua palavra. O filme realizado por ele, O furacão (The Hurricane, 1937), não superava muito, no entanto, o nível da boa produção comercial americana. O interesse maior do filme nascia de um hábil uso dos efeitos cinematográficos, e por uma técnica verdadeiramente excepcional Ford tinha no entanto se esforçado para fazer sentir aquele irreprimível sentimento de liberdade que parecia emanar dos próprios lugares.

Em seguida foi rodado Náufrago da vida (Vessel of Wrath, Erich Pommer, 1938) na Inglaterra, com Charles Laughton e Elsa Lanchester, a sua mulher, adaptado também de um conto de Maugham.

Entre a produção americana mais recente, que ainda não chegou até nós, são numerosos os filmes sobre os mares do Sul.

Seguindo o exemplo de O furacão, A deusa da floresta (Typhoon, Louis King, 1940), com Dorothy Lamour e Robert Preston. Idílio na selva (Her Jungle Love, George Archainbaud, 1938), sempre interpretado pela Lamour e por Ray Milland, foi filmado em Technicolor. Jon Hall, depois de O furacão, foi chamado para interpretar outra vez o papel de um indígena em Ao sul de Pago-Pago (South of Pago Pago, 1940), realizado por Alfred E. Green, com Frances Farmer, Victor McLaglen e Olympe Bradna. Em geral pode-se dizer que todos estes filmes foram produzidos para lançar novos atores ou para explorar a fama de outros.

Mas agora as ilhas do Sul deixaram de ser um paraíso terrestre: silenciaram-se os tambores, acabaram as danças e as doces melodias, as belas indígenas já não põem coroas de flores sobre os cabelos. Foram chamadas “Ilhas da Paz” mas aqui chegou a guerra. Junto às leituras de Stevenson, aos contos de London, aos quadros de Gauguin, estes velhos filmes, através das suas imagens amarelecidas, ajudar-nos-ão amanhã a encontrar como aspiração inalcançável a paz poética e espiritual destes lugares inocentes. Cada um de nós poderá dizer, junto com O’Neill, “Eu amava aquelas ilhas... Tinham qualquer coisa de misterioso e belo: um espírito benévolo de amor que irradiava da terra e do mar”.





Sergio Sollima no set de O corsário negro


(Cinema n.º 165, 10 de maio de 1943, pp. 265-268. Traduzido por João Palhares)

 

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