O ESCÂNDALO DO SÉCULO e ENTRE O CÉU E O INFERNO
por José María Palá



(Between Heaven and Hell). 1956. 20th Century Fox (94 minutos). Produção: David Weisbart. Roteiro: Harry Brown, baseado na novela de Francis Gwaltney. Fotografia: Leo Tover (CinemaScope, DeLuxe). Música: Hugo Friedhofer. Cenografia: Lyle R. Wheeler, Addison Hehr (a.d.), Walter M. Scott, Charles Vassar (s.d.). Montagem: James B. Clark. Elenco: Robert Wagner (soldado Sam Francis Gifford), Terry Moore (Jenny Gifford), Broderick Crawford (capitão “Waco” Grimes – “G” Co. CO), Buddy Ebsen (soldado Willie Crawford), Robert Keith (coronel Cousins), Brad Dexter (tenente Joe “Little Joe” Johnson), Mark Damon (soldado Terry – Co. G), Ken Clark (Morgan), Harvey Lembeck (soldado Bernard “Bernie” Meleski – Co. G), Skip Homeier (soldado Swanson – Co. G), L. Q. Jones (soldado Kenny – Co. G), Tod Andrews (soldado Ray Mosby), Biff Elliot (Tom Thumb – Co. G), Bart Burns (soldado Raker – Co. G).




Por sua predileção por argumentos extraídos de histórias reais, era inevitável o encontro de Fleischer com a crônica de eventos de uma determinada época. Parece que só ele percebeu as maravilhosas possibilidades do jornalismo de tabloide. O que me interessa agora apontar é uma determinada forma de conceber o filme, mais precisamente um tom que tem muitas possibilidades em termos de conhecimento e revelação das pessoas, relações e atmosferas, tanto ou mais que qualquer outro dos caminhos empreendidos por Fleischer. Uma vez adquirida e assimilada essa forma de reportagem jornalística, ele enriqueceu sua experiência de abordagem da realidade, o que distinguimos em todos os seus últimos filmes. O escândalo do século lhe foi muito útil.

Em Entre o Céu e o Inferno há as mortes do coronel (Robert Keith), do guarda-costas (Frank Gorshin) e de Broderick Crawford. É em primeiro lugar uma amplitude máxima do CinemaScope. Uma alteração na forma de atuar de uma ou duas pessoas que faz com que seus gestos, seus olhares, um terno recém-colocado, uma postura ou uma maneira de andar em uma poça tenham um significado intenso para uma espécie de coro ao seu redor. E os protagonistas sempre têm em conta que estão vivendo um evento diante de todo o mundo e, assim, apesar disso, seguem vivendo com toda a intensidade. As pessoas permanecem passivas, movem-se lentamente, são vozes em silêncio ou difusas no cenário, movem a cabeça para olhar os protagonistas. As típicas cenas grandiosas dos filmes românticos a toda potência são algo similar; a diferença fundamental é que Fleischer insiste em mostrar o grande evento mais do que nunca situado em seu ambiente; o ambiente é o ar, as matérias que seguem fazendo contato, os homens que seguem olhando, vivos; não são utilizados, nem estilizados. Toda estilização e todo romantismo está neles mesmos. Broderick Crawford se aproxima do cadáver de Frank Gorshin e ajoelha-se diante dele, vira-o, passa a mão sobre o peito e o pescoço e em seguida sobre a cabeça; ao retirá-la vê que está ensanguentada; enquanto isso, surgem sucessivamente cabeças, corpos de soldados de dentro das trincheiras entre colunas de fumaça e poeira, aproximando-se sem falar; um plano estático amplo. A morte de Crawford é o final de uma sequência deste tipo: ao cair com a cabeça atingida todos os soldados desaparecem, em seguida se aproximam do jipe e é o guarda-costas sobrevivente o primeiro a chegar, fica olhando-o por um tempo e em seguida gira a cabeça enquanto todos o observam. Outro CinemaScope estático. Em vez de acumular elementos expressivos nos grandes acontecimentos, Fleischer os aborda como uma oportunidade para conhecer melhor tudo o que está ligado a eles. Em vez de concentrar-se, abre mais os olhos.

O escândalo do século é totalmente isso, do primeiro plano ao último, em todas as vestimentas, nas cenas íntimas e nos grandes golpes teatrais. Não tem nada de um filme romântico, feito com um desejo contínuo de tratá-lo fria e objetivamente. Suponho que a origem deve estar nas montanhas de jornais, revistas e gravuras de época consultadas por Fleischer para documentar-se em suas conversas com a protagonista do drama todavia sobrevivente. Em Sábado violento, filmado logo antes, não havia nada desse tom, era tudo muito mais subjetivo. Mas é que em O escândalo do século uma conversa de Joan Collins com sua mãe, umas palavras deitada na cama com uma venda preta nos olhos (para dormir com a luz acesa), ou a própria cena do trapézio vermelho assumem um caráter de grandes acontecimentos naqueles que os vivem. O ponto máximo é na saída da prisão, quando Joan Collins se afasta um pouco do grupo que acompanha seu marido e se vê cercada primeiro pelos prisioneiros que estiram suas mãos para ela, depois pelos caçadores de autógrafos, e termina na carruagem do empresário que lhe propõe um contrato.

Há muito no CinemaScope de planos longos e estáticos, típico do Fleischer anterior a Vikings, os conquistadores. Planos de um minuto ou mais, fixos ou quase, como na despedida Collins-Milland ao levá-la a um colégio interno, ou no final da cena do telefone, ou na lua de mel silenciosa com constante chuva nas janelas da parte de trás do salão. Pode parecer que isso se deva a um tratamento menos livre do CinemaScope, típico de um período ainda de adaptação ou de uma forma mais simples e direta de olhar para as coisas. Quando, logo após o início de Fama a qualquer preço, o grupo de vaqueiros entra no bar, a sequência bastante curta tem cerca de trinta planos todos medidos e precisos, então eu posso dizer: “vou estudar a evolução da forma Richard Fleischer de planificar o CinemaScope e para isso pensarei esta sequência como um longo plano estático”. Totalmente impossível. Parece que a realidade é outra; até mesmo os homens pertencem a um planeta diferente e interagem de outras maneiras.

Essa diferença radical entre duas formas do que poderíamos chamar de “ver a cena” alcança muito mais do que uma diferença entre as linhas ou os tons característicos de cada filme (que Fleischer menciona em sua entrevista). É uma transformação total de Fleischer, ainda que ele possa não haver-se dado conta, possa seguir falando como antes de alguns conceitos que em 1955 apareciam obsessivamente e em 1958 surgem naturalmente, possa crer que vê as pessoas se relacionando das mesmas formas. A partir daqui: 1) isso é uma consequência da sua abordagem física e muitíssimo concreta do cinema; 2) o plano longo e estático, mesmo em CinemaScope, não é dogmaticamente a melhor maneira de restituir a presença verdadeira das pessoas e as suas relações e os objetos, e a planificação muito precisa e mesurada não é dogmaticamente uma reconstrução de uma realidade artificial e insuficiente; 3) é necessário considerar de tempos em tempos uma forma de abordagem crítica ao cinema algo menos radicalmente analítica que a de “realidade em contato com o diretor + olhar, registro, descoberta = filme”. Não é que se tenha que tratar o filme monoliticamente, mas sim que a questão é colocada demasiado teoricamente.

Falei sobre formas de relação. Existem algumas relações, ou, melhor dizendo, um certo nível de relação entre as pessoas, que no cinema só se dá nos filmes de Fleischer. A penúltima cena de Sábado violento mostra Richard Egan liberando sua carga de sentimentos amargos e depressivos em algumas frases pesadas enquanto seus olhos desabam no vazio olhando para o fundo do grande vale de exploração de minérios que segue em grande movimento. Virginia Leith está ao seu lado, ajuda-o com a sua presença. Há um sol forte e um vento da periferia da cidade que arrasta a fumaça do cigarro de Egan, agita os cabelos dos dois e faz com que se olhem de uma determinada maneira. Joan Collins em O escândalo do século à noite no corredor do trem, com o cabelo muito escuro e um robe azul brilhante, enquanto Farley Granger faz uma cena de ciúmes e se vira para olhar pela janela. Ela fala longe dele, “se não fosse o seu ciúme, tudo seria diferente”. Ele a olha por um momento então, a abraça, ela se entrega completamente.

São relações de duas pessoas essencialmente distintas, essencialmente diferentes. Em Fleischer não há dois no mesmo caso. Não há reciprocidade, não há fusão, não há esse ar de felicidade universal das cenas de amor de Raoul Walsh, nem essa harmonia das de Richard Brooks. Não há por que tê-las, é outra coisa, outro nível. Uma das pessoas fala, se move, vive continuamente, mas alterada, num certo desequilíbrio; a outra parece não fazer nada, mas tem a sua presença e se entrega com todo o seu ser à outra; entrega física em atividade contínua, entrega com esforço constante e total de atenção, como um receptáculo à outra. Vê-se muito bem em Fama a qualquer preço: a primeira cena Don Murray-Lee Remick na casa dela não tem nada da sedução evidente, estilo Hawks, Ford ou Hathaway, que certamente pretendia o roteirista.

Com relação a O escândalo do século, em Entre o Céu e o Inferno há algo novo nessas relações, menos esquemático. No posto de observação, Buddy Ebsen ampara Robert Wagner, desmantelado em um de seus tremores, forçando-o a falar sem parar, pergunta após pergunta, fazendo-o associar as coisas. Um oportuno plano-contraplano à metade do largo e estático plano-sequência descobre um olhar vivo e poderoso de Ebsen quando Wagner percebe o que ele está lhe dando e, por sua vez, se dá de certa maneira. Pela primeira vez no cinema, vemos uma verdadeira amizade e amor entre dois homens; agradeçamos a Fleischer por não fazer a menor insistência em compará-lo com “as relações sujas entre outros homens” etc.


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A verdade profunda de Entre o Céu e o Inferno reside em estar em um lugar, e andar, e correr, e saltar disparando contra o inimigo uma rajada de tiros, concluindo esse impulso antes que o outro pudesse começar a segurar o rifle e apertar o gatilho, e ver que um homem gravemente ferido, mas lançado a toda velocidade, pode pular de cabeça na trincheira e perfurar alguém com a baioneta. Uma precipitação do esforço de disparar que se torna físico e é a revelação de uma pessoa, porque é ilógico e pouco coerente, porque não pode ser identificado com nenhum outro tempo (coisa que esquecem aqueles que, com pretensões de cinema moderno, a única coisa que fazem é deformar as estruturas convencionais). Algo semelhante acontece em O escândalo do século na cena do trapézio vermelho, cheia de almas e sentimentos físicos que uma planificação descomposta nos impede de ver claramente.


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Alguns olhares queimados. Um rosto, uns olhos que absorvem sem reflexos a radiação luminosa e calorífica do sol ou o ar úmido. Uma mão com os dedos separados percorrendo o cabelo avermelhado de um crânio sufocado e oprimido pelo capacete. Uma pele irritada com a consistência de juta e, no entanto, perfeitamente lisa e fina, levemente suada. Que incorpora indissoluvelmente poeira, sangue e sujeira em sua própria matéria. Um gesto: essa pele irritada que se retorce e se desgarra mais ressecada e queimada do que nunca. Alguns impulsos e algumas respirações pulsando nessa pele, nesse crânio e nesses olhos: os homens de Entre o Céu e o Inferno; Robert Wagner. Sua forma de se contorcer ao caminhar ou ao disparar; uma coronhada dada com fúria suficiente para fazer cair seu próprio capacete; um empurrão de frente, com a mão aberta, sobre o queixo de Frank Gorshin que o derruba no chão, ou simplesmente a mudança de olhar ao passar de um movimento que altera algo para uma acomodação ou um movimento habitual (ato de sentar-se ao volante do seu carro).


J. M. P.




(Film Ideal n.º 139, Madri, Espanha, 1.º de março de 1964, pp. 167-169. Traduzido por Valeska G. Silva)

 

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