EVOLUÇÃO DE UM HOMEM OU DE UM ESTILO?
TERROR CEGO (See No Evil ou Blind Terror). 1971. Columbia Pictures (89 minutos). Produção: Martin Ransohoff e Leslie Linder para a Filmways e a Genesis Productions. Produtor associado: Basil Appleby. Roteiro: Brian Clemens. Fotografia: Gerry Fisher (Eastmancolor). Música: Elmer Bernstein. Cenografia: John Hoesli (a.d.), Hugh Scaife (s.d.). Montagem: Thelma Connell. Elenco: Mia Farrow (Sarah), Dorothy Alison (Betty Rexton), Robin Bailey (George Rexton), Diane Grayson (Sandy Rexton), Brian Rawlinson (Barker), Norman Eshley (Steve Reding), Paul Nicholas (Jacko), Christopher Matthews (Frost), Max Faulkner (grupo de Steve), Scott Fredericks (grupo de Steve), Reg Harding (grupo de Steve), Lila Kaye (mãe cigana), Barrie Houghton (cigano Jack), Michael Elphick (cigano Tom), Donald Bisset (Doutor).
A ÚLTIMA FUGA (The Last Run). 1971. Metro-Goldwyn-Mayer (95 minutos). Produção: Carter DeHaven. Roteiro: Alan Sharp. Fotografia: Sven Nykvist (Panavision, Metrocolor). Música: Jerry Goldsmith. Cenografia: Roy Walker, José María Tapiador (a.d.). Montagem: Russell Lloyd. Elenco: George C. Scott (Harry Garmes), Tony Musante (Paul Rickard), Trish Van Devere (Claudie Scherrer), Colleen Dewhurst (Monique), Aldo Sambrell (Miguel), Antonio Tarruella (policial de moto), Robert Coleby (caroneiro), Patrick J. Zurica (primeiro homem), Rocky Taylor (segundo homem).
A última fuga aplica o procedimento narrativo e estilístico praticado por Fleischer em Terror cego ao mesmo tempo em que o sistematiza e depura. O filme repousa em uma linha dramática simples que se reduz a um tema: a perseguição. Esse tema é um dos mais fecundos e familiares do gênero noir. Em vez de encobri-lo pela originalidade das peripécias ou a psicologia das personagens, o filme reforça o próprio tema acentuando somente os elementos inerentes: a jovem cega Sarah, heroína de Terror cego, é ferozmente perseguida por um assassino em uma casa isolada e, depois, na estepe; Garmes, Rickard e Claudie são perseguidos por matadores anônimos que mal têm um rosto; o motivo político da caça não exerce nenhuma influência sobre o seu desenrolar. Os elementos narrativos que habitualmente dão densidade à história são quase inteiramente suprimidos: a razão do massacre é sugerida em Terror cego, e a da perseguição imediatamente esquecida em A última fuga; os diálogos são raros tanto no primeiro quanto no segundo.
Pôde-se acusar Fleischer de artifício, pois os únicos elementos que se sobressaem são os elementos dramáticos que constituem a arquitetura da ação: os encontros sucessivos, inopinados ou previsíveis, com os perseguidores. A mise en scène parece inclusive conferir maior importância aos últimos. Fleischer estaria restrito a efeitos formais, brilhantes mas vazios, tendo que lidar apenas com roteiros pobres[1]. Se o roteiro de Brian Clemens para Terror cego é efetivamente medíocre, sobretudo em sua conclusão, ao roteiro de Alan Sharp não faltam a inteligência e a fineza que se discernia em Pistoleiro sem destino (The Hired Hand, Peter Fonda, 1970-1971). Mas, desta vez, Fleischer, que retomou esse filme abandonado por John Huston, deveria ter feito somente o que era mais urgente[2]. No entanto, se excetuarmos Tora! Tora! Tora!, que lhe deixara, sem dúvida, pouca liberdade, assim como Causa perdida, deve-se admitir que, em três anos, Fleischer realizou dois filmes notáveis, O homem que odiava as mulheres e O estrangulador de Rillington Place, que se caracterizam por investigações formais evidentes (exemplo: a fragmentação da tela no primeiro) e cujo estilo não se diferencia, em suas linhas gerais (enquadramento, profundidade de campo, utilização da cor), daquele adotado em suas duas últimas realizações.
A qualidade dos roteiros não explica, por si só, a diferença que se sente entre os filmes: é preciso sondar um pouco mais de perto as semelhanças para emitir um juízo.
Se colocarmos entre parênteses a origem dos dois Estranguladores, podemos notar uma unidade entre os quatro filmes sem cair em uma crítica temática que seria vã neste caso: a unidade se deve a uma relação que desemboca diretamente na forma. Os heróis dos quatro filmes experimentam um isolamento progressivo segundo um mecanismo determinado[3]. Seja por suas naturezas (a duplicação da personalidade em DeSalvo, a cegueira de Sarah), seja pelas circunstâncias, o acaso os priva de toda comunicação com seu entorno e suprime toda possibilidade de recurso. Levados involuntariamente, eles aceitam a provação que é tanto física quanto moral e a vivem até o fim. Talvez o tema da culpabilidade interior, como o tema da perseguição, inclua obrigatoriamente essas atitudes e significações. Mas elas não estão menos presentes no tratamento de cada um desses filmes de origens tão diferentes.
A semelhança provém do estilo. O conteúdo do plano (sua composição, sua profundidade[4], a escolha das cores, sua beleza plástica[5]) se esforça para integrar a personagem a um cenário de modo que nenhum elemento se sobressaia em relação ao outro. O estilo de Fleischer parece ser uma forma de realismo elevado, uma vez que aparentemente não é seletivo nem sintético. O plano, pelo conjunto de relações que cria com a personagem, modifica nossas relações com esta: a abundância do vermelho quando Sarah ocupa novamente sua casa no início de Terror cego faz com que sintamos – pela exuberância da cor, pelo enquadramento que acusa os movimentos tateantes da moça – a cegueira e o perigo que o espaço representa. Em A última fuga, os enquadramentos do carro, as relações com a estrada, com a paisagem, com o espaço interior definido pelo veículo e pela câmera, modificam também nossa concepção das personagens. Essa constatação nos leva a duas observações. Para cada filme, se o princípio é conservado, sua aplicação depende da natureza do argumento, que pode determinar o formato e que, por sua vez, contribui para criar o clima (atmosfera intimista em Terror cego, clima de aventura em A última fuga). Todos os elementos suprimidos na narração estão de fato presentes no plano, na montagem, no que forma especificamente o trabalho da mise en scène.
As consequências são várias: elas comportam inconvenientes maiores.
Com exceção do tema essencial – o argumento –, os outros temas são reduzidos a si mesmos e se apresentam isoladamente em uma relação única com o argumento: ainda que sejam abundantes, os elementos explicativos, tais como as notações psicanalíticas ou sociológicas, não chegam a fornecer a chave dos casos DeSalvo ou Christie; suas ligações intrínsecas permanecem imprecisas e essa imprecisão dá a impressão de uma riqueza e de uma verdade humanas raramente obtidas na tela até então. A densidade e os valores provêm de uma espécie de eco despertado no interior da imagem e, então, cada imagem o despertando no interior do filme. Entre os planos há relações que se refletem e remetem a domínios múltiplos. Em torno de Harry Garmes e nele gravitam os temas da busca, da solidão, do destino, da honestidade etc.
Cada plano possui uma densidade inegável, mas o estilo acarreta uma perda gradual da potência dramática no nível das personagens e da ação. O plano tende a transformar cada personagem em personagem principal. A beleza de um momento como a entrevista de Garmes com a prostituta nasce fora da intriga. No filme inteiro, a personagem principal parece a única completamente desenvolvida, ao passo que, outras vezes, ela não possui nenhum caráter (Sarah, por exemplo). Em O homem que odiava as mulheres, a abordagem estava inteiramente de acordo com o argumento; ela reconduz o roteiro de Terror cego a uma sucessão de momentos. A iluminação que muda de acordo com as subdivisões do trio Garmes-Rickard-Claudie impede que os seus membros sejam definidos.
O estilo acrescenta notações psicológicas ou humanas que não se harmonizam. A natureza dos argumentos revela sua importância. Nos dois Estranguladores, talvez porque ambos tratem de situações autênticas, os roteiros evacuavam o máximo possível os temas tradicionais e a mise en scène, as formas tradicionais associadas à investigação e à gesta sádica. Mas Terror cego e, mais ainda, A última fuga repousam em situações imaginárias e clássicas que encerram indissociavelmente significações às quais o espectador submete a figuração presente. A mise en scène, então, oferece demasiado ou demasiado pouco.
A personagem de Claudie permite avaliar a falha. Claudie só existe na medida em que se diferencia do tipo ao qual remetem sua situação na intriga e sua função na narrativa. Inteligente, ela domina de modo sutil os dois homens de outra forma que não por seu corpo; não sabemos, aliás, quando ela aceita tirar vantagem disso e quando ela cede aos sentimentos; suas relações são tão ambíguas com Garmes quanto com Rickard. O deslocamento de um quarto ao outro no plano espacial, a troca de mentiras-verdades-mentiras com Garmes no diálogo expõem essa ambiguidade que não será sanada. Nada define Claudie, nem mesmo o fato de que ela exprime contradições. O aspecto físico de Trish Van Devere, assim como sua atuação, distanciam-na de todo tipo, tornam-na original, misteriosa, cativante. Mas nenhum traço, físico ou psicológico, tem coerência profunda com outro: nenhum tem coerência sensível com o arquétipo do qual a narrativa a faz depender.
Se examinarmos mais de perto, perceberemos que a personagem de Garmes também está muito distante do que as aparências sugerem. A escolha de George C. Scott e sua interpretação potente já são dois índices.
Se o filme seduz pela originalidade da narração, ele nos deixa ao mesmo tempo incertos. A intriga só importa pelos elementos que não a constituem diretamente. Fleischer parece ter optado, de maneira decidida, pelo formalismo. Essa escolha autoriza a formulação de duas questões: ela é o resultado de uma evolução pessoal? Ou, então, é o produto necessário da evolução do estilo americano clássico?
Notas:
[1] Ler o artigo de Hubert Niogret em Positif n.º 136, p. 76.
[2] Imagine-se o filme que teria resultado para se medir o trabalho de redução efetuado por Fleischer.
[3] Ler o artigo de Jacques Goimard sobre O estrangulador de Rillington Place em Positif n.º 133, pp. 97-100, no qual a natureza do mecanismo particular ao filme é perfeitamente definida.
[4] Quando o cenário não a permite, a lente a cria.
[5] Obrigação ou escolha? Terror cego foi fotografado por Gerry Fisher, que assinou a fotografia de O mensageiro (The Go-Between, Joseph Losey, 1971), e A última fuga por Sven Nykvist, fotógrafo de Bergman.
(Positif n.° 142, setembro de 1972, pp. 110-112. Traduzido por Rafael Zambonelli) |
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