RICHARD FLEISCHER EM SCOPE E EM CORES
por Michel Mardore



Fazia calor no local. Os tiros estalavam, os homens tombavam, e o ataque dos revolucionários fracassava diante da potência dos defensores da ordem. Bom turista, Robert Mitchum saía para a varanda do seu hotel para apanhar um ar fresco, com um copo na mão. Embaixo, na esquina da rua, uma arma leve e governamental cuspia fogo com ardor, dizimando as fileiras sempre mais desbastadas da Revolução. Mitchum julgou sem dúvida que era o momento de se provar como as contingências anedóticas pesam fortemente sobre as batalhas dos homens, e decidem o sucesso ou a derrota sem sequer se preocupar em interceptar o sol. Ele coloca então seu copo em equilíbrio frágil e irônico sobre o parapeito, exatamente no centro da imagem scópica, depois lança calmamente uma de suas granadas que mantinha sempre consigo por precaução. A trajetória impecável do objeto finda em uma explosão mesurada que assegura, no instante, a vitória aos insurgentes. O copo nem sequer se mexeu.

Esse é um plano de O bandido (em francês: Bandido Caballero, para excluir todo equívoco). Tratar-se-ia de uma extrapolação audaciosa se eu afirmasse que todo Fleischer está nesse plano? Rotular Richard Fleischer de desenvoltura, e transformar essa qualificação em qualidade dominante, é talvez renovar a operação simplista que em um piscar de olhos classificou o “sadismo” de Buñuel entre as categorias reconfortantes. O nome de Luis Buñuel não surge aqui por acaso – o jogo do “cadáver esquisito” aplicado aos sobrenomes dos autores apresenta interesse apenas para os mistificadores. Buñuel e Fleischer são muito distantes (quanto às origens, inspirações, métodos...) para se justificar uma influência direta, mas um certo gosto pela crueldade enroscada no seio de uma real ternura para com as personagens, assim como o senso do insólito – evidente no primeiro, mais difuso no seu colega americano – os une, sem autorizar uma mediação mais franca.

Quanto à crueldade, ela permanece preservada de qualquer desvio. Podemos considerar pueris as peripécias sangrentas do filme Vikings, os conquistadores; não temos o direito de ver qualquer concessão ao box office. A doce inclinação para a violência permanece uma constante indubitável da obra completa de Fleischer. O dicionário das atrocidades caras a este autor forneceria uma matéria suficientemente rica para regozijar os amadores. Somente a letra F, de Falcão a Forquilha, passando por Fogo e Flecha, já ornaria sem falhar o catálogo dos instrumentos utilizados. O festival do medo oferecido por Entre o Céu e o Inferno, essas noites horripilantes, essas estridências de ações ladeadas no coração de um silêncio ameaçador, este alucinante travelling final, verdadeira precipitação de um terror frenético, cristalizando uma violência grave – como o olho perfurado, a mão decepada, as condenações de prisioneiros a serem devorados vivos ou afogados, a submissão do cumprimento sob o fio do machado, pelos quais se desenrolam em Vikings, os conquistadores os esplendores de uma barbárie despojada.

O insólito, por outro lado, esconde-se melhor por trás de um modo narrativo em que a sabedoria lenitiva do tom esconde a atrição dos temas. Richard Fleischer é um grande vilão que dissimula ser amável. Jamais no decorrer de seus filmes o objeto revela uma mudança inquietante, a despeito da atenção insistente dispensada aos meios homicidas, e o mundo expõe seu aspecto normal, de uma beleza suspeita eventualmente (suntuosidade do décor natural em Entre o Céu e o Inferno; a predominante tonalidade ocra impregnando Sábado violento e O escândalo do século). Se alguma coisa emperra na máquina bem oleada, é precisamente em função de sua fluidez. Para pintar uma ação brutal e forte, Fleischer adota um tempo mesurado, um ritmo assaz lento, um estilo equilibrado e discreto. A disparidade entre a acidez dos assuntos e a doçura do tratamento intriga em um primeiro instante. Acreditamos detectar indiferença, moleza, incerteza das intenções, até mesmo prudência exagerada diante da censura e dos produtores. Um exame mais atento descobre rapidamente nesta descontração sistemática um método, a chave de uma personalidade original.

Antes de ampliar sua visão às dimensões do CinemaScope, Richard Fleischer não exibia uma aparência tão definitiva, mas demonstrava uma aptidão incontestável ao virtuosismo. A solidez inegável de uma tradicional perseguição encerrando O cerco, a verve conferida à descrição de uma crise adolescente em um círculo franco-canadense (O amor, sempre o amor), a precisão suíça do itinerário policial percorrido na ocasião de uma viagem de trem (Rumo ao Inferno... – suspense irônico, dotado ademais de um desenlace desconcertante em que se combinam ações paralelas, englobadas nos mesmos planos graças a prodígios fotográficos que se utilizam de efeitos e dos reflexos de vidros de um trem que segue a toda velocidade!), todas essas proezas atestam, entre outros títulos, a diversidade e as brilhantes qualidades de um talento impetuoso.

Teríamos imaginado que Walt Disney, dotado para o estilo “espevitadeira”, tivesse sabido disciplinar e domesticar a fuga inventiva de Fleischer: a lentidão e a discrição estilística de 20.000 léguas submarinas pareciam trair um constrangimento. As obras seguintes denunciariam o erro da crítica. Uma nova posição estética, conquistada com o uso da tela larga, havia se manifestado pela intervenção desta superprodução. Desde o início Fleischer foi um dos raros cineastas que não apenas se adaptou sem dificuldade ao uso do Scope, mas ainda por cima se beneficiou dele para elaborar um estilo individual, caracterizado no nosso autor pela desenvoltura do tempo e a harmonia plástica. Os enquadramentos se ordenam com um arrojo aparentemente espontâneo, onde nenhuma fixação formal a qualquer geometria deixa penetrar qualquer excesso de aplicação.

Nesse sentido, O bandido permanece a obra mais perfeita de Fleischer. O prazer da expressão não contraria de forma alguma o aspecto desenvolto do herói. Qualquer que seja o elemento utilizado – vilarejo mexicano, paisagem rochosa, umidade espessa de um pântano, imensidão de uma costa arenosa –, a disposição dos protagonistas sempre se harmoniza sem esforço ao ritmo plástico do cenário. Por outro lado, as pesquisas no tratamento da cor indicam, se não um anseio de ordem pictórica, ao menos a vontade de ligar a textura dramática a tonalidades precisas. Isso chega, às vezes, à criação de uma cadência colorida. Por exemplo, a exaltação do desembarque dos Vikings, os conquistadores na Inglaterra é anunciada por uma gradação cromática: 1) Os majestosos dracares emergem de uma névoa azulada. Um ângulo de cima os mostra realçados por um ligeiro dourado, seus longos remos acariciando o serpeio platinado das ondas. 2) Uma tomada lateral, mas sempre distante, mostra a chegada, na ponta da costa inglesa, desses três dracares banhando na luminescência mais assente, vibrante, de uma luz em que o ouro está prestes a mudar para cobre. 3) Plano médio retratando a confusão do desembarque. Entusiasmo dos homens, cintilância das armas. Um raio avermelhado inunda uma parte da tela. (Lembremos que o nome do operador era Jack Cardiff.)

Essas elegâncias visuais, seduções ópticas, não constituiriam o contraponto, ou melhor, o escrínio magnífico destinado a valorizar temperamentos tenebrosos? Através do ecletismo dos roteiros, um mistério comum alia astutamente o ideal implacável do capitão Nemo, a fria determinação dos gângsteres desconhecidos na cidade[1], e também a libertinagem de Stanford White rimando com a morbidez de seu rival, as cóleras do comandante Waco apaixonado pelos seus mancebos atléticos, e até mesmo a serena predileção do “bandido caballero” pela aventura, sem esquecer a brutalidade menos obscura do príncipe viking. Fleischer exalta a força desses seres aventurosos, violentos ou estranhos somente para descobrir suas fraquezas (diante do amor ou da morte) ou uma fissura na blindagem de suas ações.

Essa temática se exprime graças à mediação de roteiros mais ou menos bem-sucedidos, mas transmutados pelo realizador de tal forma que o chumbo vil se torna ouro puro, quando, infelizmente, não é o inverso que se produz! Vikings, os conquistadores, filme para crianças, melodrama pueril? Devemos examinar de perto a trama e o esboço: bastante malicioso aquele que designaria, a propósito desta obra em que a ambiguidade das intenções reina em mestria absoluta, um “herói” sem mácula...

Descrevendo uma pequena cidade de província infestada de mesquinharias (aparições sucessivas: um funcionário de banco, patético e reprimido; um patrão atormentado por conflitos sentimentais, um garoto encantado pelo heroísmo paterno etc.), Fleischer se concentra pouco a pouco, com precauções minuciosas, sobre o hold-up meditado pelos gângsteres desconhecidos na cidade, constrói enfim o seu Cidadão Kane (Citizen Kane, Orson Welles, 1941) miniaturizado, sublinhando de acordo com os casos o paralelismo ou as divergências das ações, arquitetando na realidade uma obra complexa e inesperada a partir do nada. Em suma, ele redime por essas sutilezas e uma virtuosidade presente em todos os instantes a pobreza e a banalidade do roteiro. Um humor perverso tinge a narração, como nesse plano em que, sobre toda a largura da tela CinemaScope, a família de Mórmons, sufocando sob as mordaças, coloca-se em fila bem comportada!

Em contrapartida, O escândalo do século propunha um assunto excelente, inspirado por um autêntico episódio jornalístico: a adaptação acaba deturpando o sabor original. Se um humor decorativo, aplicado ao mau gosto de 1900, distrai a nossa atenção, isso apenas acentua a edulcoração imposta por um tom abrandado e um tato excessivo. A história merecia, entretanto, ser contada. O célebre arquiteto Stanford White abandona a variedade de seus prazeres refinados e clandestinos para consagrar seu balanço vermelho a uma modelo principiante, Evelyn Nesbit, a quem ele molda de acordo com o seu gosto. Paradoxo saboroso, o amor louco que ele sente o conduz a se separar de sua aluna a fim de aprimorar a sua educação. Em um pensionato-prisão, a escrava-amante é torturada por sonhos eróticos. Adoentada pelo desejo, ela implora pelo seu amante. Uma via de salvação se apresenta: Evelyn casa com um milionário excêntrico (e provavelmente pederasta), Harry Thaw. A partir de uma memorável noite de núpcias, esse jovem homem (encarnado por Farley Granger) afirma seu parentesco com o Francisco descrito por Buñuel no seu célebre O alucinado (El, 1953): Harry dorme com um revólver sob o seu travesseiro, serve à sua mulher balas perdidas de café da manhã, e a persegue com um ciúme maníaco. Como a charmosa boca de Evelyn (Joan Collins) havia sido embelezada graças à generosidade do seu protetor, o marido abusivo exigirá a extração desse curioso souvenir de uma “corrupção” de cuja evidência ele não pode suportar o menor sinal. Finalmente ele assassina Stanford White, e empalidece ao forçar sua mulher à mais odiosa negação da memória da vítima, para melhor humilhá-la e em seguida expulsá-la. Em suma, tudo isso autorizaria as mais aprazíveis variações do sadomasoquismo. Fleischer foi prejudicado pela contenção do seu estilo e a delicadeza alusiva de sua realização (isso se esquecermos de um ridículo cenário de montanha...).

O bandido e Entre o Céu e o Inferno nos reservam opções mais firmes. Se Robert Mitchum certamente possui uma atitude desenvolta, sua escolha não se desvia: ele se coloca do lado dos insurgentes... e de Ursula Thiess. Ademais, as provações por que passa Robert Wagner transformam esse corajoso “herói” em um homem aniquilado pelo medo físico e a consciência da louca absurdidade da guerra (quanto a esse ponto específico um artigo de Louis Seguin publicado na Positif nº 25-26 me desobrigará de desenvolvimentos supérfluos).

Após tais joias, um filme como Vikings, os conquistadores, apesar do talento dedicado à sua execução desde os créditos, não nos ensina nada de novo e nos leva a temer as concessões mais vergonhosas. Devemos concluir a apologia de um jovem autor com uma reserva?... Na realidade, Richard Fleischer se encontra em um momento decisivo de sua carreira. Ele possui uma forma de espírito rara em Hollywood, uma atração pelas nuances estranhas e irracionais (sua poesia barroca não é involuntária, contrariamente ao que supõe um Pierre Billard). Atração que não deve nada às receitas comprovadas mas denota antes um temperamento singular. Esse realizador conseguiu compor um estilo pessoal, de um lirismo custosamente contido, apoiando-se em uma contingência que se revelou desastrosa para inúmeros autores: o emprego obrigatório do CinemaScope na Fox... Fundo e forma, ele cria como respira. Saberá decidir-se entre as facilidades afáveis dos best-sellers, revestidos de uma psicologia tradicional pouco conforme às suas preocupações, e o cinema fascinante, moderno, que aguardamos dele com confiança? Já relacionamos as provas de suas infinitas possibilidades...


Notas:


[1] Referência ao título com o qual Sábado violento foi lançado na França, Les inconnus dans la ville. [N.T.]


(Positif n.º 30, julho de 1959, pp. 42-46. Traduzido por Bruno Andrade)

 

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