SÁBADO VIOLENTO
por José María Palá





O expediente acaba de começar. Uma funcionária da biblioteca local (Sylvia Sidney) está lendo uma notificação do banco que significa a sua ruína. Deixa-o de lado para continuar o seu trabalho; sai de trás do balcão empurrando o carrinho de recolher livros. Uma cliente lhe pergunta algo; ela responde de forma incompleta, com algum chavão. Ela tem um olhar triste.

Então começa a empurrar com força o carrinho, mudando de direção; a câmera se move acompanhando-a, a certa distância. Sylvia Sidney transforma seus sentimentos de aflição e sua ira interior em um esforço físico. Mas não é um furioso alívio instantâneo. O milagre é que esse instante é alongado, estende-se; o estado de concentração instável de tensão encontra uma solução, uma passagem secreta, um canal inesperado por onde pode se manter. Esse estado de emoções impregna seus olhos, e todo o seu corpo, e os músculos tensos que empurram; e essa tensão continua, reage sobre o contato das pequenas rodas do carrinho com o solo.

Sylvia Sidney dissolve e afoga seus sentimentos mais íntimos neste contato contínuo e uniformemente rápido, suave e um tanto obstinado, totalmente silencioso. Por alguns momentos, o que há em seus olhos não é tristeza, ou amargura, ou raiva, ou qualquer outro dos conceitos inventados antes de se descobrir a câmera, ou qualquer coisa assim. Tampouco é algo que se vê todos os dias: trata-se do estado instantâneo de uma alma que conseguiu cruzar o limiar proibido em uma fração de segundo e se revela diante de nós.

Visto no seu todo e enquanto ela faz esse movimento, ela obedece a um hábito repetido, é o seu trabalho cotidiano. O ar de um imenso espaço foi captado pela câmera CinemaScope: tudo foi integrado. Descoberto. Não é preciso nos enganar explicando esquematicamente o que a vida da bibliotecária foi até então, nem as condições de seu trabalho profissional, nem as causas de estar com dificuldades econômicas. Tampouco carece de justificativa a reação que lhe faz roubar a bolsa. Como isso pode ser especificado? Não se trata exatamente de conhecermos Sylvia Sidney, mas sim de estarmos em um estado de conhecimento total que não necessita de explicações e análises.


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Essa atitude física diante das coisas, essa tensão, ocasiona no espectador (como tudo no cinema) uma série de sentimentos. Mas são sentimentos totais, avassaladores e livres, como só a realidade que nos cerca pode produzir, certamente um estado de conhecimento consideravelmente amplo. Tristeza imensa, seca e gelada em Sábado violento; alegria transbordante do incêndio de Roma em Barrabás; serenidade limpa nos instantes finais de Fama a qualquer preço. Um fôlego humano, cálido e consistente, que produz um estremecimento e que vale pelo lirismo e pela poesia escritos por tanto tempo; por exemplo, em Vikings, os conquistadores, quando Tony Curtis saca sua espada do corpo – olhando para ele – de um inglês em quem acaba de penetrar.

A famosa violência fleischeriana não é senão isso. E desse conhecimento, através de uma abordagem física, dependem atitudes morais, relações tortuosas e atormentadas, testemunhos sobre uma sociedade e seus indivíduos frustrados, e tudo o mais dos filmes de Fleischer.

“Gosto de fazer com que o espectador participe do filme...” “Eu quase não gosto de suspense, porque muitas vezes é artificial e mecânico...” “... Gosto que o espectador sinta a dor, ou a alegria, ou seja o que for. Então, se certa dureza é necessária, essa dureza está lá...”


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Por essa razão Richard Fleischer se preocupa que em todos os momentos e sem ênfase fique evidente a matéria com que todas as coisas estão compostas, a qualidade de sua superfície, as mudanças bruscas ou lentas que podem entrar nessa composição ou qualidade superficial. Não me estendo para esclarecer isso, porque Marcelino Villegas já o fez suficientemente em sua crítica de Barrabás. Eu gostaria de salientar:

1) Que em Fleischer quase tudo se reduz a (ou vem de) um estado de tensão ou à sensação de qualidade de matéria, e penso não só, por exemplo, nos dois gritos estridentes absolutamente secos de Margaret Hayes ao soar os dois tiros e cair. Falar assim não é reduzir a importância da obra de Fleischer: só assim a câmera pode chegar a ser um microscópio espiritual. Os close-ups de cineastas tidos como espirituais só parecem refletir a alma, porque há uma convenção, que é a do close-up de rosto, que diz: “Quando há um plano assim, estamos na presença do interior da personagem”, e qualquer gesto incomum parece uma revelação da alma da personagem (não havendo outra alma senão a do ator, isso é ridículo). Os cineastas físicos podem chegar às almas em um plano geral, em um plano médio ou em um close-up também.

2) Que nos filmes de Fleischer há autênticas rajadas, acumulações desses contatos, atritos, transformações violentas, rupturas, contusões. Verdadeiras e organizadas rebeliões da matéria. Os homens mergulham em um mundo novo: na realidade é o mesmo de sempre, mas nesses momentos coincidem em intervir quase em avalanche uma série de objetos externos ou elementos do décor. Que poderiam atuar de muitas outras maneiras, mas que agora coincidem em fazê-lo, todos em função da sua composição material, da sua estrutura interna ou de superfície, da sua capacidade de chocar ou atritar com os outros elementos, produzindo novos desajustes recíprocos ou novas texturas.

Os exemplos mais conhecidos – eles existem em todos os seus filmes – estão no final de Sábado violento, todo Entre o Céu e o Inferno e provavelmente a sequência nas minas de enxofre em Barrabás. As reações entre matérias, choques superficiais ou atritos etc., têm a propriedade de serem verdades irrefutáveis, acontecimentos sem reversão possível. São em si uma das armas mais poderosas que o cinema tem para produzir uma sensação física real. Isso foi inventado há muito tempo por Mack Sennett com suas tortas de creme. Mas as tortas de creme tiveram uma consequência negativa: foram usadas apenas como suporte para produzir precisamente certas sensações, incorporadas como fórmulas seguras para golpes traumáticos. Pouquíssimos, entre os quais King Vidor e Gordon Douglas, souberam como evitar essa consequência.

A novidade de Richard Fleischer reside: A) em utilizar essas reações e sensações intencionalmente e organicamente como um elemento fundamental dentro do filme; B) em descobri-las com a câmera de modo que elas sejam integradas no conjunto do ar que as rodeia; que suas coincidências sejam verdadeiras casualidades, meros acontecimentos; que não rompam o tempo, a sucessão da vida – que não equivalham a mudanças de plano –; que não sejam elementos puramente narrativos. (A apoteose das minas de enxofre em Barrabás, teoricamente maravilhosa, torna-se um artifício mecânico de narração por obra e graça da montagem e da música, e quiçá também da cor.)

Em Sábado violento e Entre o Céu e o Inferno, como em Fama a qualquer preço e Vikings, os conquistadores, que haja momentos em que tudo funcione em um mesmo sentido é algo que surge naturalmente da realidade, e por isso, após se deixar o cinema, pode-se falar de rebeliões da matéria, de mergulhar totalmente em um mundo novo e de todos os tipos de conceitos ideais baseados em destinos superiores.

Na cena final da fazenda em Sábado violento, Victor Mature e Ernest Borgnine com toda a sua família têm suas mãos amarradas atrás das costas e os olhos e a boca cobertos com largas tiras de fita adesiva. Mature arranca a sua com um prego que ele encontra às cegas, primeiramente a que tampa os seus olhos. O prego vibra com um som musical. Esfregando-as nos dentes de uma serra, consegue desamarrar as mãos. Liberta então Borgnine, e este, com gestos cuidadosos, começa a tirar as fitas de sua esposa. Perfuração de uma porta de madeira com um gancho. O carro azul com brilho metálico é posto em marcha por uma grande pedra no acelerador e um ancinho de fortes pontas de aço no volante, e quebra a porta; os bandidos ateiam fogo ao tanque de combustível – fumaça, palha, poeira – e Mature e seus companheiros, cercados, não têm outra escolha a não ser empurrar o carro para fora, expondo-se, ao ar livre. Um tiro que espirra água da calha mata Stephen McNally.

A ficção científica desencadeada nesta cena, como se algo no ar catalisasse todos os processos físicos em uma determinada direção unificada, não empobrece a realidade. Há três momentos em particular: quando Mature se desloca com as mãos amarradas pelo piso superior do celeiro para se encarregar da sua situação, passeio filmado em um travelling lateral, a partir de uma galeria paralela e oposta e a uma distância considerável; quando Lee Marvin, filmado de corpo inteiro, desliza ao lado da parede de madeira vermelha para verificar antecipadamente se Mature tem armas ou não. Especialmente quando, vendo Victor Mature no chão, imobilizado, Lee Marvin, completamente calmo, alivia a sua tensão e toma todo o tempo necessário para dar a volta pelo carro, carregar a sua arma e assim poder atirar em Mature de maneira mais confortável e relaxada; então vemos Marvin se aproximando de frente, pronto para atirar; Borgnine aparece atrás dele e, depois de pensar por um momento, lança o forcado que tem em mãos, cujas pontas atravessam suas costas. Lee Marvin abre a boca, seus olhos se fecham, sua respiração é interrompida, ele cai morto. Tudo visto de frente, sem cortes.


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Eu falei de algo que se encontra no ar, de um certo destino superior nessa rebelião da matéria. Na realidade ela domina todo o filme e é uma ideia de Richard Fleischer – diz algo sobre isso na entrevista. Sábado violento é uma espécie de antecedente do Preminger de Tempestade sobre Washington (Advise & Consent, 1962). O roteiro incluía um curto período de tempo de uma série de vidas de habitantes da mesma cidade, as quais de uma maneira ou de outra convergiam no acontecimento base: o assalto ao banco. Fleischer arquitetou uma unificação de todas essas trajetórias em uma única passagem de tempo e em um único ar. No seu primeiro filme em CinemaScope[1] ele tenta captar essa coisa indefinível que há no ar de uma população e que diferencia cada hora do dia, esse perfume que todos sentimos quando voltamos à nossa cidade natal depois de uma temporada de férias e vemos as pessoas que saem à rua, que voltam às suas casas, que se encontram por casualidade; as conversas soam diferentes do que em outros lugares e você anda na rua com uma fluência diferente.

A cor DeLuxe do primeiro período nunca foi tão boa (e o DeLuxe do segundo período nunca foi tão bom quanto em Fama a qualquer preço); em relação ao que acabo de dizer, nunca vou esquecer, por exemplo, de Margaret Hayes com um suéter amarelo no campo de golfe, até parar ao lado de uma árvore e falar com o seu amante, que a acompanha. O filme são alguns planos abertos em CinemaScope, fixos ou com pequenas panorâmicas, nos quais homens e mulheres se unem, se separam, algo os relaciona no mesmo transcorrer de tempo. Vemos o ar e descobrimos pessoas se movendo em uma hora específica do dia; mas o procedimento acaba por ser artificial porque é algo forçado e sobreposto, postiço, e suja quase todas as cenas, mesmo aquelas que conhecemos mais completamente. Eis alguns exemplos:

O filme abre com alguns planos fixos e panorâmicas lentas do grande vale amarelado da exploração de minério. Uma grande explosão. Espaço imenso. Depois dos créditos aparece um ônibus que para e dele desce o primeiro protagonista, Stephen McNally. Um carro conduzido por Margaret Hayes quase o atropela. Ele entra no hotel e se vira para olhar uma enfermeira (Virginia Leith) que desce as escadas. Ele anda pela rua e, ao passar por baixo de uma janela do banco, alguém ergue as persianas: é o gerente, Tommy Noonan, que olha para fora.

Próxima sequência: plano fixo muito aberto de uma grande planície horizontal atravessada por trilhos de trem. O trem passa e desaparece. Interior: os outros dois gangsteres em assentos adjacentes. Eles se levantam e andam pelo corredor central; veem uma família amish e conversam com ela.

Sequências seguintes: uma senhora entra na biblioteca da cidade, a câmera a acompanha até enquadrar em primeiro plano Sylvia Sidney. Esta se afasta e empurra o carrinho; a câmera a segue; ao fundo se encontra Stephen McNally estudando uma maquete dos arredores da cidade. Ao perceber que ele (justamente ele, que irá roubar o banco) é o único que viu Sylvia Sidney roubar a bolsa, sorri e vira a cabeça para o outro lado. A bibliotecária termina sua viagem com o carrinho seguida pela câmera; McNally sai da biblioteca, ouve uma gritaria de crianças e desce os degraus para ver o que acontece. Panorâmica rápida que começa em McNally e termina em dois garotos que lutam cercados por um grupo de espectadores. Um deles saberemos mais tarde que é filho de Victor Mature. A polícia interrompe o tumulto; logo depois, Mature chega com seu carro e abre espaço entre as pessoas.

Agora seguimos Mature no seu trajeto, que passa pelas minas e termina no seu escritório administrativo. Ao entrar, sua secretária lhe entrega um pacote; ele, sem parar de andar, joga o pacote de uma mão para a outra e seu movimento segue para a outra porta (tudo em uma panorâmica em ângulo reto) que se abre e podemos ver, quase de frente, Richard Egan, que recebe Victor Mature tirando uma foto com flash. Dentro do outro escritório, Egan continua seu movimento e coloca a câmera fotográfica de disparo automático sobre a mesa; em seguida, põe-se ao lado de Mature e nesse momento o flash funciona; nem um segundo se passou e os dois sócios se afastam e voltam a mover-se e falar. Richard Egan não parou de falar por um segundo e tudo acontece em um único plano: uma das cenas mais interessantes de verdadeiro cinema musical que Fleischer introduz com certa frequência – especialmente a meia-volta ligeira com a qual Egan inicia seu movimento.

Assim vemos, pela primeira vez, todos os protagonistas das histórias entrelaçadas do filme – a mais significativa sendo a aparição de Egan com o flash em um movimento de câmera, sem interrupções ou cortes para a apresentação – e assim é todo o filme. Obedece, de certo modo, não apenas a uma abordagem exclusiva de Sábado violento, mas a uma maneira de abordar a realidade que Fleischer tinha então. Estudarei essa abordagem no meu texto sobre O escândalo do século; por ora apontarei duas coisas: A) Que Fleischer tenta obter uma fascinação que tem bastante de artificial. Fascinação baseada em mostrar um movimento implacável, mas excessivamente construído. Pensemos especialmente nesses enquadramentos em CinemaScope, tão frequentes em suas obras, concebidos com o fim de captar o melhor possível o desaparecimento de uma pessoa ou objeto, fazendo com que o vazio que fica seja imenso e proporcione uma enorme sensação de peso ao que desapareceu e ao fato transcorrido. Fleischer dispensará cada vez mais esses efeitos excessivamente construídos e nos seus últimos filmes (obedecerá também a uma sintonia maior com o CinemaScope?) esses desaparecimentos agirão mais sobre os protagonistas e menos forçosamente sobre o espectador.

B) Que o Fleischer de Sábado violento peca por considerável falta de confiança de que as coisas surjam naturalmente e, portanto, precisa construir artificialmente relações. Me parece que é o que Javier Sagastizábal pensa quando classifica Fleischer como um dos cineastas predominantemente técnicos. Quando um dos filhos de Ernest Borgnine cai ferido e a mãe e os outros o jogam em uma pilha de palha e se preparam para cuidar dele, a câmera sobe e se separa do grupo para se aproximar do rosto de Borgnine, estabelecendo uma consequência, um princípio de dúvida dos seus preceitos pacifistas que não é mostrado diretamente no ator. Esses efeitos são muito mais sensíveis pelo fato de Fleischer ser em outras ocasiões o mais natural e ontológico de todos os que fazem filmes.

Essa falta de confiança, própria de Sábado violento e de muitos momentos de Entre o Céu e o Inferno e também de Vikings, os conquistadores, traduz-se na intencionalidade com que aparecem algumas das obsessões predominantes do diretor e que revelam nele uma evidente imaturidade pessoal se pensarmos no que será Fama a qualquer preço. A insistência de que os gangsteres não pareçam absolutamente perversos chega a incomodar no caso de J. Carrol Naish (o de óculos), especialmente quando em pleno roubo dá doces ao filho pequeno de Victor Mature. Incomoda porque Fleischer ainda reconhece no fundo do seu coração que existem boas e más pessoas e o que busca diligentemente é uma ambiguidade, mesclando em uma pessoa detalhes sádicos e angelicais. Isso está mais relacionado a uma miserável técnica convencional do gênero policial noir do que ao conhecimento livre e amplo das coisas e das pessoas acima de toda classe de conceitos moralistas, o que é igualmente confirmado por Fama a qualquer preço.

Mas isso também é confirmado por Sábado violento em outros momentos, totalmente distantes dos horrores do thriller típico. Lee Marvin, que tem por base todos os elementos do gângster pitoresco (possivelmente inspirado pela personagem de Richard Widmark em A rua sem nome [The Street with No Name, William Keighley, 1948], incluindo o inalador nasal), no filme o conhecemos e amamos: é um dos melhores atores de Fleischer. Suas mudanças de olhar quando tenta ver algo com um nível de atenção ou um ponto de vista diferente. Todo o seu desconforto e preconceito quase infantis misturados com a fascinação que produz a mera presença de Naish ao seu lado: a cena em que diz a McNally que observou cuidadosamente Naish enquanto ele dormia e “ele é ruim, tenho certeza”; o momento em que McNally ordena que ele coloque uma venda nos olhos de Mature e ele se dá o prazer de tirar de Naish seu eterno lenço de bolso e ver a expressão de perplexidade e raiva no seu rosto; nos preparativos imediatos para o assalto, Naish se dedica a passar meticulosamente um pano por todos os móveis no quarto e atira um ao pé da cama em que Lee Marvin está sentado: este, com um ar hipnotizado, agarra o pano e esfrega distraidamente o encosto da cama até se dar conta do que faz e colocar um pé no colchão para limpar o sapato. Sua morte; uma das pouquíssimas mortes súbitas em que, naquele momento, passamos a conhecer a vítima com toda intensidade.

Por Lee Marvin, pela tristeza gelada e geométrica dos olhos de Sylvia Sidney (e seu corpo, velho, mas que trabalhou, e seus olhares fixos e livres para a janela que o gerente do banco espia à noite, e o seu afrontamento a ele), por uma disposição louvável de extrair algo de alma de Victor Mature (longa cena estática no quarto com seu filho; na fazenda do final, o sorriso com o qual ele se apodera de sua própria situação e a posição da família amish; o olhar por debaixo do carro), pela cidade, a luz, a cor, o espaço, a luta na fazenda e uma maravilhosa penúltima cena entre Richard Egan e a enfermeira, vale a pena ver e rever Sábado violento.


* * *


Entrando para vê-lo com suficiente amplitude e liberdade de alma, Sábado violento é (foi para mim) possivelmente o filme mais triste da história do cinema. Especialmente na penúltima cena citada. Mas é uma tristeza real, total e desoladora, que se impõe. Sem dramatização nem espalhafato; é uma tristeza ontológica. A tristeza, a felicidade, o humor, o terror, o amor etc., ontológicos são patrimônios exclusivos dos maiores filmes. Misturar esses sentimentos com crises, instantes dramáticos ou consciência de situações-limite é geralmente uma manifestação de insuficiência para fazê-los emanar livremente sem literatura.

É curioso observar como há um momento em que Fleischer parece ter sido arrastado por essa corrente que estava surgindo diante de seus olhos através do canal que ele próprio abrira. Cena entre Richard Egan e sua esposa quando ele acorda de sua embriaguez: os dois terminam abraçados, aconchegados na escada. Então Richard Fleischer faz algo que eu não vi em nenhum outro filme e que é uma falta de controle – e também de confiança – inexplicável à primeira vista (motivos pessoais?): altera o plano para afastar lentamente e em um longo intervalo a câmera dos dois...




Nota:


[1] José María Palá evidentemente esquece 20.000 léguas submarinas. [N.T.]


(Film Ideal n.º 139, Madri, 1.º de março de 1964, pp. 164-166. Traduzido por Valeska G. Silva)

 

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