FILHOS DO DIVÓRCIO
por Jacques Lourcelles



(Child of Divorce). 1946. R.K.O. (61 minutos). Produção: Lillie Hayward. Produção executiva: Sid Rogell. Roteiro: Lillie Hayward, baseado na peça Wednesday’s Child, de Leopold L. Atlas. Fotografia: Jack MacKenzie (P/B). Música: Leigh Harline. Cenografia: Albert S. D’Agostino, Ralph Berger (a.d.), Darrell Silvera, William Magginetti (s.d.). Montagem: Samuel E. Beetley. Elenco: Sharyn Moffett (Roberta “Bobby” Carter), Regis Toomey (Ray Carter), Madge Meredith (Joan Carter Benton), Walter Reed (Michael Benton), Una O’Connor (Nora, a empregada), Doris Merrick (Louise Norman), Harry Cheshire (juiz), Selmer Jackson (Dr. Sterling), Lillian Randolph (Carrie, a empregada), Pat Prest (Linda), Gregory Muradian (Freddie), George McDonald (Donnie), Patsy Converse (Betty), Ann Carter (Peggy Allen).


O primeiro filme de Richard Fleischer já é uma obra-prima. Já que o filme se situa à margem dos gêneros tradicionais (não é, de forma alguma, um melodrama), pode-se ver a olho nu o talento de Fleischer: o de um analista das relações sociais, para quem o realismo é sempre sinônimo de crueldade. Fleischer analisa aqui a situação particular de alguns filhos do divórcio, que ao invés de serem disputados com toda a força por um ou outro de seus progenitores, são rejeitados pelos dois. Essa rejeição é posta em prática de modo doce, com uma boa dose de desconforto e de hipocrisia que Fleischer examina sem complacência mas também sem piedade. Um grande número de cenas mostra as crianças juntas entre si, ou seja, no próprio centro da verdade e da dureza de suas situações. A rejeição da qual são vítimas as coloca numa solidão que lhes dá, em certos momentos, uma maturidade prematura (neste aspecto, a última cena é genial). A mise en scène de Fleischer é aguda, precisa, sem floreios; os diálogos de Lillie Hayward de uma justeza e de um modernismo surpreendentes.


(Dictionnaire du cinéma: Les films, pp. 280-281. Paris: Laffont, 1992. Traduzido por Yuri Ramos)


O ESTRANGULADOR MISTERIOSO
por Jacques Lourcelles



(Follow Me Quietly). 1949. R.K.O. (60 minutos). Produção: Herman Schlom. Roteiro: Lillie Hayward, baseado em argumento de Francis Rosenwald e Anthony Mann. Fotografia: Robert De Grasse (P/B). Música: Leonid Raab. Cenografia: Albert S. D’Agostino, Walter E. Keller (a.d.), Darrell Silvera, James Altwies (s.d.). Montagem: Elmo Williams. Elenco: William Lundigan (tenente Harry Grant), Dorothy Patrick (Ann Gorman), Jeff Corey (sargento Art Collins), Nestor Paiva (Benny), Charles D. Brown (inspetor Mulvaney), Paul Guilfoyle (Overbeck), Edwin Max (Charlie Roy, “o juiz”), Frank Ferguson (J. C. McGill), Marlo Dwyer (garçonete), Michael Branden (Dixon), Douglas Spencer (falso “juiz”).


Filme policial do início da carreira de Fleischer. Obra já brilhante e apaixonante, ainda que realizada com uma ninharia. Seu pertencimento à corrente do filme noir está aberta à discussão. É que Fleischer, mais que pela atmosfera da época, a violência e a ação exterior, se interessa aqui, quase exclusivamente, pela psicopatologia do assassino, domínio que assombrará grande parte da sua obra. Ele também acentua as relações obsessivas que se estabelecem entre o policial e a sua presa. Os hábitos do assassino, ao mesmo tempo precisos e impenetráveis, são minuciosamente descritos por Fleischer através da obstinação do policial em compreendê-los. Essa minúcia na descrição de comportamentos que escapam à razão culmina no fantástico, ou seja, no insólito e no improvável, mas repletos de uma forte dose de realismo e crueldade: daí a cena surpreendente na qual o assassino, tendo tomado o lugar do manequim numa cadeira do gabinete do policial, escuta o monólogo deste, na penumbra.


(Dictionnaire du cinéma: Les films, p. 78. Paris: Laffont, 1992. Traduzido por Eduardo Savella)


RUMO AO INFERNO
por Jacques Lourcelles



(The Narrow Margin). 1950-1952. R.K.O. (71 minutos). Produção: Stanley Rubin. Roteiro: Earl Felton, baseado em argumento de Martin Goldsmith e Jack Leonard. Fotografia: George E. Diskant (P/B). Música: Gene Rose (não creditado), Leith Stevens (não creditado), Dave Torbett (não creditado), Roy Webb (não creditado). Cenografia: Albert S. D’Agostino, Jack Okey (a.d.), Darrell Silvera, William Stevens (s.d.). Montagem: Robert Swink. Elenco: Charles McGraw (sargento detetive Walter Brown), Marie Windsor (Sra. Frankie Neall), Jacqueline White (Ann Sinclair), Gordon Gebert (Tommy Sinclair), Queenie Leonard (Sra. Troll), David Clarke (Joseph Kemp), Peter Virgo (Densel), Don Beddoe (sargento detetive Gus Forbes), Paul Maxey (Sam Jennings), Harry Harvey (condutor do trem).


Laconismo, eficácia, tensão, desconforto, ação incessante e sem tempos mortos: Rumo ao Inferno leva todas essas noções ao seu limite extremo de virtuosismo, em particular por causa da exiguidade do décor do trem, onde se desenrolam três quartos da ação, o que constitui, portanto, uma espécie de tratado da mise en scène hollywoodiana como praticada no seu mais alto nível no filme noir e na série B. A surpreendente perfeição formal do filme marca o fim do longo aprendizado (uma dezena de filmes em cinco anos) pelo qual passou esse prodígio da mise en scène que Richard Fleischer já era nessa época. Rumo ao Inferno, com efeito, é o seu último filme para a R.K.O. (onde ele fez o essencial de seus filmes iniciais) e seu penúltimo filme em preto e branco em formato normal (antes da deliciosa comédia realizada para Stanley Kramer, O amor, sempre o amor). Por mais brilhante que seja, o filme está longe de ser um puro exercício de estilo. É também e completamente um filme de autor, o que é perceptível pela ausência voluntária de humor e de ambiguidade moral nos heróis, por onde Fleischer afirma suas escolhas e o tom grave que pretende dar à sua narrativa. Por outro lado, Rumo ao Inferno apresenta estranhas semelhanças com obras muito posteriores do autor, como Os novos centuriões. Nos dois filmes, o que se delineia é o mesmo aspecto trágico, absurdo, improvável e quase suicida da condição policial. O que ocorre em Rumo ao Inferno antes e durante a viagem de trem é, de fato, uma tragicomédia de erros bastante assustadora. Gus Forbes, o parceiro do herói, morrerá por nada, assim como a mulher policial (Marie Windsor) que deu sua vida para testar a honestidade de seu colega. Quanto à verdadeira Sra. Neil, ela não precisaria de ninguém para chegar sã e salva em Los Angeles e é seu encontro (fortuito) com o policial que a colocará em risco! Diante dessa impossibilidade real de ação, o policial interpretado por Charles McGraw tenta sobreviver e fazer seu trabalho com essa obstinação taciturna e desiludida que será vista muitas vezes nos heróis de Fleischer, especialmente naqueles interpretados por George C. Scott em Os novos centuriões e A última fuga. Em relação a Rumo ao Inferno, a sua escuridão não é apenas a característica convencional ou estrutural de um gênero, mas o indício certeiro, mesmo que tratado como coadjuvante e com uma grande modéstia estética, de uma grave crise moral que gangrenará mais e mais a civilização urbana americana e cujos filmes de Fleischer, entre outros, se mostram seu perturbador espelho. Como em muitos dos filmes de Fleischer, este tratado de mise en scène é também, e sobretudo, um tratado de decomposição.


N.B. Impressionado com o filme, Howard Hughes, que à época comandava a R.K.O., quis que Fleischer o refizesse com um orçamento muito maior e Robert Mitchum e Jane Russell como estrelas. Isso não interessou muito a Fleischer, que, por causa disso, acabou enfrentando um longo atraso para a estreia do filme. Realizado em 13 dias em 1950, o filme não saiu antes da primavera de 1952, obtendo grande sucesso.


(Dictionnaire du cinéma: Les films, pp. 477-478. Paris: Laffont, 1992. Traduzido por Yuri Ramos)

 

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