O AMOR, SEMPRE O AMOR
por Vincent Zeis



(The Happy Time). 1952. Columbia Pictures/Stanley Kramer Productions (94 minutos). Produção: Stanley Kramer. Produtor associado: Earl Felton. Roteiro: Earl Felton, baseado na peça de Samuel A. Taylor e em contos de Robert Fontaine. Fotografia: Charles Lawton Jr. (P/B). Música: Dimitri Tiomkin. Cenografia: Rudolph Sternad (p.d.), Carl Anderson (a.d.), James Crowe (s.d.). Montagem: William A. Lyon. Elenco: Charles Boyer (Jacques Bonnard), Louis Jourdan (Desmond Bonnard), Marsha Hunt (Susan Bonnard), Bobby Driscoll (Robert “Bibi” Bonnard), Linda Christian (Mignonette Chappuis), Kurt Kasznar (Louis Bonnard), Marcel Dalio (vovô Bonnard), Jeanette Nolan (Felice Bonnard), Jack Raine (Sr. Frye, diretor da escola), Richard Erdman (Alfred Grattin), Marlene Cameron (Peggy O’Hare), Gene Collins (Jimmy Bishop).


Esta comédia de Richard Fleischer se inscreve em 1952 em um período de ruptura para o cineasta, entre os filmes de pequeno orçamento para a R.K.O., como Rumo ao Inferno, e uma carreira de realizador de grandes projetos, como 20.000 léguas submarinas. É um filme médio, um filme de transição, como O circo da morte, realizado no ano seguinte. Uma crônica familiar do tipo “Americana”, embora se passe no Canadá e em Ottawa, fornece a ocasião de uma lição das coisas. A história relata uma série de pequenos fatos dos quais decorre o amadurecimento sentimental de um jovem da comunidade francófona. A coletânea de contos não está longe. O espírito francês está bem presente com os frenchies de Hollywood. Estão todos lá: Boyer, Jourdan, Dalio. Falta apenas Maurice Chevalier. O filme se diverte muito com os clichês sobre os franceses sedutores. Ele se agarra com toda a força a esses clichês para descobrir uma profunda verdade. Tudo se organiza em torno da descoberta do desejo sexual. Essa educação se faz por linhas tortas, mas o importante é que se faz. Seu caráter necessário e natural é sempre evidente. A mensagem absolutamente antipuritana é favorável ao espírito e ao comportamento francês contra a educação anglófona, associada à hipocrisia, aos cálculos e aos castigos corporais dados nas escolas. Entretanto, nada de didatismos, mas, ao contrário, uma aliança feliz entre essa mensagem e uma forma descontraída e precisa. Ao invés de uma frontalidade que correria o risco de fazer o filme cair na vulgaridade, Fleischer prefere a elegância da isenção para tratar de seu assunto.

Um recuo jubiloso é tomado diante de cada situação narrativa que acrescenta uma etapa a mais à lição moral. A família e a casa se tornam o teatro de todas as dimensões da vida evocadas pelo pai: o amor, o desejo, a amizade, a fidelidade e a solidariedade. O filme é a oportunidade de se medir o estranho domínio da representação e das mentalidades dos séculos XIX e XX que Fleischer exerceu durante toda a sua carreira, estranho pela sua perfeição tranquila e a sua serenidade soberana. A abordagem é nostálgica, com as canções e a interpretação à moda antiga incentivada nos atores, mas a violência do presente, no entanto, é o que importa para Richard Fleischer. Kasznar se embriaga em tempo real como Jourdan sobe as escadas e Boyer toca violão. A cultura obscena que serve de gatilho, de terreno fértil para o despertar da sexualidade de Bobby Driscoll adquire uma presença marcante através da capa de revista e das cintas-ligas colecionadas por Jourdan.

Da mesma forma, a existência concreta do mundo doméstico, escolar e erótico com a tábua de passar, o beijo roubado, o aparelho dentário da menina, a máscara de beisebol e mesmo o rosto de Valentino sobre a tela de cinema é indubitável. No entanto, Fleischer não faz mais que contemplar a vida de suas personagens e observar sua crônica vir a ele. Ele integra as ações aos seus ambientes ao criar diferentes níveis de profundidade de campo, num estilo transparente que se permite focar apenas nos pontos essenciais para a evolução e a compreensão da iniciação de Bobby Driscoll. E isso se faz pelo raccord da moça que espera na porta, por um plano sobre o voo dos pássaros, pela utilização do passa-pratos ou por um plano das pernas da dançarina, visíveis pelo degrau das escadas. Coisas que modificam e se vingam do estetismo afetado, agitado ou absurdo de todas as reconstituições francesas ou americanas que surgiram a partir dos anos 1980.


(Traduzido por Yuri Ramos)

 

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