ESTRANHA COMPULSÃO
De uma base literária estatisticamente comprovada como horrível, Richard Fleischer extraiu o foco central de seu filme, e o resto dela se tornou acessório. O próprio título, maravilhoso, de Compulsion (compulsão) por si só sugere esse enfoque puramente físico e que, especialmente em Fleischer, não pode permitir o menor apriorismo.
Os dois protagonistas se satisfazem em experimentar suas capacidades de controlar suas emoções entre si, e jogam de modo a incorporar todos os fatores do evento que os confronta, evento que com frequência eles próprios elegem. Ao analisá-los sistematicamente, seus impulsos são reduzidos a correntes nervosas, com perfeito controle mecânico sobre elas. O único fator externo que pode interferir nessas decisões é puramente circunstancial.
Bradford Dillman e (mais ainda) Dean Stockwell se tornam máquinas. Pela forma e pela maneira com que se movem e usam seus trajes, assemelham-se a homens que são apenas pele – uma pele de chapa metálica –, ocos por dentro e carentes de qualquer tecido maleável e deformável. Seus músculos só existem quando estão em um período dinâmico de contração ou relaxamento; caso contrário, aniquilam-se economizando energia. Tudo é funcional. Quando respiram, é apenas ar que entra e sai causando atrito, sem aumentar o volume do corpo nem fazer sentir um impulso ou um peso. Para muitos fins, seus corpos não pesam, e quase nada pesa em Estranha compulsão, filme de superfícies e vazios. Raramente se viu, livre de falsos efeitos de iluminação, um sorriso como o de Dillman, tão desprovido de impulso.
Com os seus menores movimentos perfeitamente controlados, eles podem seguir com a mão ou com o corpo uma superfície, adaptando-se a todos os detalhes e cantos, sem volteios inúteis. O braço de Stockwell executa um movimento mínimo, medido, ao pegar uma jaqueta para vesti-la, estando tudo no jogo ultrarrápido de seu pulso e dedos, e novamente quando procura os óculos nos bolsos e acaba franzindo a testa. Tudo sem a menor sensação de peso, de ação das forças de inércia, dessa corporeidade especial que dá toda a emoção, por exemplo, aos filmes de Walsh e Edwards.
Fleischer sempre gostou muito de espaços vazios. Mas em Sábado violento eles atuavam no espectador forçando-o, e realmente se tratavam de efeitos cinematográficos subjetivos através da luz, da temperatura, da poeira, do brilho. Aqui não resta mais nada disso, e mesmo a nuvem de um flash parece ser um corpo errante que atravessa espaços interestelares. O desaparecimento de Stockwell pela escada fascina seu irmão, que permanece olhando para o vazio que foi deixado para trás, mas nós, espectadores, apenas observamos o funcionamento desse fascínio.
Esse vazio sideral em CinemaScope, que, no entanto, conserva as propriedades luminosas, térmicas etc., proporciona uma clareza e liberdade verdadeiras, por exemplo, quando Dillman dá um soco seco na mesa com um copo na mão, e ao quebrá-lo corta um dedo, enquanto, em um piscar de olhos, o vazio que há atrás é preenchido com casais que dançam freneticamente. Ou quando ele atravessa um enxame de jornalistas que os policiais mal conseguem conter e finalmente chega a um elevador, no qual ri e se move com todo o espaço apenas para ele, vivaz e livre.
Dean Stockwell comporta-se como um robô – olhar, gestos com o pescoço rígido, braços caídos, a forma como desce as escadas, olhares e palavras a seu irmão, e seus impulsos são como pequenas explosões silenciosas e vazias, algo cuja potência contrasta com o vazio em que se apoiam (lembra o Farley Granger de O escândalo do século). O que torna Fleischer um grande humanista é que ele se coloca com sua câmera de modo que o instante de vida que existe dentro de cada um desses impulsos seja percebido, dentro de cada decisão, dentro de cada rapidíssima compilação de fatores. Às vezes, esse momento se dilata em um colapso do ator, que de repente perde todo apoio – como quando aqueles que interrogam revelam a Stockwell o descuido de seu parceiro e ele foge incontrolavelmente em direção à porta, colidindo nos policiais, gritando. O mesmo nas cenas com Diane Varsi, o melhor do filme. Diane Varsi: diante da tentativa de estupro, mesmo quando começa a cair para trás, coexiste seu impulso ativo de continuar apoiando Stockwell e de se entregar totalmente a ele, com a consciência física do que está acontecendo consigo. Às coisas que ele diz a ela, ela responde com gemidos tensos e incoerentes, ela continua recebendo tudo de Stockwell, não há nada como um movimento de compaixão.
A câmera de Richard Fleischer é implacável com os atores de gestos seguros. Não podem nos enganar. Detecta-se facilmente sua segunda natureza, pessoal, interior, distinta do que querem aparentar. É o caso de Kirk Douglas e Anthony Quinn; é também o caso de Orson Welles, que acaba nu diante de Fleischer (nem sempre). Nós o conhecemos aqui muito melhor do que em A marca da maldade (Touch of Evil, 1957-1958) ou O processo (The Trial/Le procès, 1962), nós o conhecemos em toda a sua ingenuidade e astúcia, sua energia e fraqueza, sua moral, seus desejos de honestidade e sinceridade acima do que o mundo diz etc., no momento do seu discurso final, quando diz: “Eu peço para o futuro um mundo em que não haja ódio...” Ou quando, depois de conhecer os dois jovens, ele toma uma atitude em relação a eles. Há entre os três uma corrente de apoio e um olhar de igual para igual.
Durante o processo em si, muitos planos são físicos e verdadeiros. É muito interessante perceber a diferença entre os olhares, o efeito que as palavras de uns produzem nos outros etc., mas aqui tudo é visto estabelecendo uma lógica artificial no espectador do filme, filme que deixa de ser um olhar sobre o funcionamento da realidade. É falso.
J. M. P.
(Film Ideal n.º 139, Madri, Espanha, 1.º de março de 1964, pp. 172-173. Traduzido por Valeska G. Silva e Bruno Andrade) |
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