FACE A FACE COM SERGIO SOLLIMA
por Fathi Beddiar e Arnaud Bordas


Bem menos conhecido do que o grande Sergio Leone, Sergio Sollima ficará, no entanto, na história do western italiano por ter assinado duas autênticas obras-primas do gênero: O dia da desforra e Quando os brutos se defrontam. Mas não é tudo. Dando provas de um ecletismo notável, trabalhou igualmente no policial perverso (Os raptores em ação, Cidade violenta), no filme de piratas (O corsário negro), no giallo (O cérebro do mal) ou no filme de espionagem (a série Agente 3S3). Catalogado como um cineasta político, Sollima revela-se sobretudo um narrador inigualável, além de um diretor talentoso, de estilo seco e apurado. Com mais de oitenta anos, esse grande senhor não perdeu nada da sua loquacidade mediterrânica e relembra conosco os tempos gloriosos em que o cinema popular europeu brilhava no auge da sua intensidade.



MAD MOVIES: Pode nos falar da época em que era crítico de cinema, nos anos 1940?

SERGIO SOLLIMA: Foi há muito tempo. Defendi uma quantidade de filmes. Nunca deitei abaixo nenhum, ao contrário do que era habitual, porque não gostava de fazê-lo. E depois, para além disso, escrevi um livro sobre a história do cinema americano em 1947.

MAD MOVIES: Tem referências, cineastas preferidos dessa época?

SERGIO SOLLIMA: Não. Para ser sincero, não gosto de favorecer ninguém. Acho que isso é estúpido! Dar dez a John Ford e nove a Chaplin é ridículo! Catalogar assim os cineastas é típico dos jornalistas. Que significado tem preferir Jean Renoir a Howard Hawks? Gosto dos dois! O prazer é esse, e não façamos disso uma questão.

MAD MOVIES: Mesmo assim, houve filmes que o marcaram, não?

SERGIO SOLLIMA: Os bons, unicamente!

MAD MOVIES: Foi nessa época que descobriu a sua vocação de cineasta?

SERGIO SOLLIMA: Foi um pouco difícil. A minha paixão pelo cinema vem de longe, desde os meus seis anos. Gostava de cinema antes mesmo de saber ler e escrever! Devorava o cinema mudo e nunca me fartava. Era quase uma doença. Só isso me interessava. E amplificou-se à medida que os anos passavam. Na realidade, se me tornei cineasta, foi para responder aos meus desejos de espectador. Tinha visto todos os filmes possíveis e imagináveis. Antes havia bom cinema. Agora, quando vejo cinco minutos de um filme americano, posso parar o filme e continuar a escrever o roteiro, por serem tão previsíveis! Por sinal, entrei no cinema como roteirista.

MAD MOVIES: Então não começou como assistente de Domenico Paolella nos seus pepla?

SERGIO SOLLIMA: Não. Era, de fato, muito amigo dele. Conhecia-o há muito tempo. Um dia, durante as filmagens, adoeceu gravemente e chamou-me para substituí-lo. Rodei várias cenas enquanto esperava o seu regresso. Tinha feito o mesmo com Francesco Rosi e Sergio Corbucci. Com Corbucci foi um pouco especial e não pensei mais em repetir a experiência com ele. Foi um inferno. Mas voltando à sua questão, eu apenas substituí Domenico.

MAD MOVIES: No entanto, o senhor estava creditado como assistente de realização nos filmes dele.

SERGIO SOLLIMA: Como? Não é possível, chamem os meus advogados! [Risos] Só fiz de assistente de realização uma vez na vida. E tenho a honra de me considerar o pior de todos, desde a criação do cinema!

MAD MOVIES: Pode contar-nos como estreou como realizador “oficial”, quando você fez um dos episódios de Amores eróticos e os dois Agente 3S3 com George Ardisson (Alta espionagem e Agente especial 3S3)?

SERGIO SOLLIMA: Foram experiências muito boas. Para Amores eróticos, tivemos uma liberdade criativa sem igual, cada um fazia o que lhe apetecia com o seu episódio. Na série de Agente 3S3, concretizei um sonho de garoto. Adorava os romances de espionagem de Ian Fleming, os Coplan e outros, cujos títulos esqueci. Além disso, preferia aqueles cujos títulos esqueci aos de Ian Fleming! [Risos] A personagem de James Bond é demasiado limpa, demasiado britânica e muito condescendente, não havia identificação possível com ele; por isso preferia os outros, que eram mais populares. Em suma, quando me propuseram fazer filmes de espionagem de orçamento reduzido, aproveitei a ocasião. Era o momento de dar prazer a mim mesmo.

MAD MOVIES: E ainda realizou um terceiro, Perseguição a sangue-frio, com Stewart Granger, que você assinou com o seu pseudônimo habitual: Simon Sterling...[1]

SERGIO SOLLIMA: Simon Sterling... Que vergonha! Era a imbecilidade italiana a triunfar. Ninguém escapava a uma estupidez semelhante. Veja: Sergio Leone – Bob Robertson! Que estupidez: toda a gente sabia que não eram filmes americanos, evidentemente! Abreviando, foi Alberto Grimaldi, um dos maiores produtores da época (e produtor também do próximo filme de Martin Scorsese, Gangues de Nova York [Gangs of New York, 2000-2002] – nota do redator), que me propôs fazer Perseguição a sangue-frio. Tinha visto os meus dois filmes de espionagem precedentes e quis que eu fizesse um para ele. Além disso, eu tinha escrito a história original do filme bastante tempo antes de fazer os Agente 3S3. Era uma novela que eu tinha escrito e que se chamava Spy Story. A história agradou a Grimaldi, que a comprou em seguida. O filme fez-se rapidamente e, quando saiu, foi bem acolhido. Foram só experiências muito boas.

MAD MOVIES: De todo modo, como roteirista, começou com Franco Solinas?

SERGIO SOLLIMA: Aí está correto! Escrevemos os dois um filme sobre o encerramento dos bordéis na Itália.

MAD MOVIES: A sua colaboração com Franco Solinas prolongou-se até Colorado[2]?

SERGIO SOLLIMA: Na realidade, não, porque eu cheguei mais tarde naquilo a que vocês chamam de Colorado. Puxa vida! O verdadeiro título desse filme é La resa dei conti, o que significa “ajuste de contas” em italiano! As deformações que vocês, franceses, fazem são uma loucura: deformam os títulos, os fatos etc.! [Risos] Resumindo: Franco Solinas, muito antes de eu ter chegado ao projeto, já havia escrito o roteiro de O dia da desforra, também com outra pessoa qualquer, cujo nome esqueci...

MAD MOVIES: Fernando Morandi?

SERGIO SOLLIMA: Sim, esse mesmo! E venderam-no a Alberto Grimaldi, que me propôs realizá-lo e eu, evidentemente, aceitei. Em seguida, tive de refazer o roteiro, para torná-lo mais conforme com a minha visão das coisas. Para ser franco, conservei apenas a estrutura da história e as personagens.

MAD MOVIES: O que quis dizer com refazer o roteiro para torná-lo mais conforme com a sua visão das coisas?

SERGIO SOLLIMA: Referia-me a umas intrigas secundárias e à psicologia de certas personagens que não me agradavam. Era mais uma questão de forma do que de fundo.

MAD MOVIES: O senhor e Franco Solinas são politicamente comprometidos...

SERGIO SOLLIMA: A política, pois claro! [Risos] Não, digamos apenas que Solinas é reconhecido oficialmente como tal. Olhe para a carreira dele[3]! É verdade que eu fazia parábolas sobre a sociedade italiana, mas nunca fazia as coisas tão abertamente como Solinas. Para além disso, apesar das aparências, somos relativamente diferentes. Digamos que Solinas era um verdadeiro bom esquerdista e que eu sou um anarquista de peso!

MAD MOVIES: Você foi frequentemente apresentado como o realizador de westerns italianos mais comprometido politicamente, em comparação a Sergio Leone ou Sergio Corbucci. Efetivamente, nos seus filmes há um contexto político, mas nunca é ideológico...

SERGIO SOLLIMA: Sim, percebo o que quer dizer. Nos meus filmes a questão política não ultrapassa duas ou três réplicas, ou uma personagem muito especial, como Cuchillo, por exemplo, em Corre homem, corre. Falar de um pobre mexicano durante a guerra civil sem evocar a Revolução é quase como falar de Robespierre sem falar da Revolução Francesa, ou omitir o fato de que Hitler era nazista: não cola! O meu compromisso militante na sétima arte limita-se a isso. Mas Solinas reivindicava-o abertamente, dizendo: “Eu faço filmes políticos!”, como mais tarde Oliver Stone reivindicaria. Eu sou apenas um contador de histórias, e a isso me limito! Se houver uma questão política no filme, chegará bastante mais tarde, na sutileza de uma situação, por exemplo. Não esqueçamos que estamos ali para divertir e não para nos armarmos em pedagogos! Muitas pessoas esquecem este fato, responsabilizando-nos por coisas que não nos dizem respeito, à custa de muitas análises extremadas! Vocês, franceses, são um pouco assim... [Risos]

MAD MOVIES: No entanto, em Quando os brutos se defrontam, o senhor diz com toda a clareza que o saber e o poder corrompem. Mostra-nos a inteligência como um vício e não como uma virtude, ao apresentar-nos a personagem de Gian Maria Volontè, na segunda parte do filme, como uma espécie de tribuno, diabolicamente inteligente, que galvaniza as suas tropas à maneira de Mussolini...

SERGIO SOLLIMA: É verdade que isso existe quando se vê o filme. Mas, no momento em que o realizei, não pensei em nada do gênero. Sou muito instintivo, e é possível que tenha sugerido a Gian Maria Volontè representar a cena “a Mussolini”, é bem possível. Mas já não me lembro. Prefiro criar personagens populares a personagens políticas. Por isso estou muito orgulhoso de ter criado uma personagem como Cuchillo. Que eu tenha conhecimento, foi o primeiro verdadeiro herói popular criado no cinema. Era preciso um herói com o qual as classes sociais mais desfavorecidas se pudessem identificar. Ele está à margem de tudo aquilo que o cinema americano, ou mesmo o italiano, puderam fazer. Não é um herói no sentido literal; é pura e simplesmente o homem do povo: sujo, gentil, inculto, banal, vulgar e escroque.

MAD MOVIES: O fato de ele ser lançador de facas, em vez de pistoleiro, reforça essa imagem popular...

SERGIO SOLLIMA: Exatamente! A faca é a arma do povo. Mas, além disso, gosto muito do fato de que ele não evolui. Permanece o mesmo nos dois filmes em que aparece. Não queria fazer dele um político ao fim de Corre homem, corre, como a tradição a Pancho Villa teria desejado: um bandido de condição social medíocre que se torna revolucionário e político. Mais tarde, Franco Solinas e Giulio Petroni fizeram-no com Tepepa (1969), com Tomas Milian e Orson Welles. Mas não era isso que eu queria.

MAD MOVIES: Na realidade, seria mais um individualista do que um revolucionário?

SERGIO SOLLIMA: Ele nem se colocaria esta questão. É empurrado pelas circunstâncias e age à mercê dos acontecimentos. Os meus filmes não são panfletos, são simplesmente fábulas sobre a miséria, a ganância, o poder, a coragem e o idealismo, apesar de tudo. Comparado com os outros westerns que fiz, Quando os brutos se defrontam é, sem dúvida nenhuma, aquele que mistura mais habilmente todos esses temas.

MAD MOVIES: Durante a rodagem de Quando os brutos se defrontam, que ambiente havia?

SERGIO SOLLIMA: O ambiente era muito tenso. Tomas Milian e Gian Maria Volontè nunca conseguiram entender-se, porque tinham ciúmes um do outro. Do que o Milian recebia, Volontè queria o dobro, e assim por diante. Eram como dois meninos em um parquinho de areia muto pequeno para eles. Volontè estava convencido de que era a personagem principal, assim como Milian. Embora lhes tivesse dito que ambos o eram, fizeram orelhas moucas e pediram-me que encurtasse as cenas do outro. Foi um inferno trabalhar com eles.

MAD MOVIES: Como conheceu Tomas Milian?

SERGIO SOLLIMA: Foi há muito tempo, na época de O dia da desforra. Foi engraçado, porque Grimaldi não queria que fosse ele a encarnar Cuchillo. Milian tinha saído do circuito dos “filmes de arte”, com os filmes que fazia para Mauro Bolognini e Alberto Lattuada. Grimaldi estava convencido de que ele não poderia ter um desempenho correto em um western. Tomas havia feito o Actor’s Studio, mas ninguém acreditava nisso. Eu segui a sua pista em vários filmes nessa época e desejava muito trabalhar com ele. Gostava dele sobretudo quando exteriorizava a sua natureza latina, ao passo que, nesse período, todos tinham americanizado os seus nomes e queriam ser o próximo James Dean. Era o ator ideal para encarnar Cuchillo. Consegui convencer Grimaldi e então conheci Tomas. O roteiro agradou-lhe muito e com O dia da desforra começamos a nossa colaboração. No começo, Tomas parecia muito introvertido, mas acabou por revelar-se como alguém muito vivo, sempre muito atento e que aprofunda a sua personagem até ao limite. Milian teve o mesmo professor que Robert De Niro e Al Pacino no Actor’s Studio. Vi Tomas recentemente em Traffic: ninguém sai limpo (Traffic, Steven Soderbergh, 2000) e ele estava realmente incrível. É o rei do jogo corporal, e nenhum limite se lhe aplica. Mesmo em JFK: a pergunta que não quer calar (JFK, Oliver Stone, 1991) ele foi notável. Possui uma aura e uma presença tais, que é difícil não o notar. Charles Bronson também é assim, apesar de, um pouco traído pelo seu físico, ser remetido apenas para papéis de braços musculosos. Exceto talvez em Unidos pelo sangue (The Indian Runner, Sean Penn, 1991), onde encarnava uma personagem dramática.

MAD MOVIES: Então falemos agora de Cidade violenta. Devia, nessa altura, fazer o filme com Tony Musante e Florinda Bolkan?

SERGIO SOLLIMA: Exato, foi a minha primeira escolha, e pensei que era a boa. Tony Musante tem uma boa aparência, mas é um ator bastante medíocre. Bolkan era uma boa escolha, teria sido perfeita no filme, se Jill Ireland tivesse desistido. Mas Bronson era claramente o ator ideal para um papel semelhante, tanto artística quanto comercialmente.

MAD MOVIES: Como é que Lina Wertmüller[4] trabalhou no roteiro de Cidade violenta?

SERGIO SOLLIMA: Lina e eu somos amigos há um bom tempo. Na realidade, tinham-me proposto o primeiro tratamento do roteiro de Cidade violenta e eu recusei. O roteiro original estava assinado por Arduino Maiuri e Massimo De Rita, que eram roteiristas muito em voga nessa época. O filme se passava na Itália e era de uma insipidez fora do comum. O produtor não parava de me aporrinhar; então disse-lhe que o filme só me interessaria se se passasse nos Estados Unidos e se eu pudesse reescrever completamente o roteiro. Ele disse que sim. Logo convoquei Lina Wertmüller e outros dois roteiristas para trabalharem comigo. Fazer Cidade violenta foi uma experiência fantástica. Para mim foi também a oportunidade de filmar nos Estados Unidos, de associar numerosos talentos como Lina, Ennio Morricone, Bronson, Ireland e Telly Savalas que, na altura, era tão célebre quanto Charles Bronson.

MAD MOVIES: Sem esquecer Aldo Tonti, o soberbo fotógrafo do filme...

SERGIO SOLLIMA: O Aldo, que personagem incrível! Transbordava de vitalidade, apesar da sua idade. Era um galhofeiro extraordinário, aquele Aldo. Ninguém tinha tanta experiência como ele na filmagem. Os produtores preocupados com o seu estado, diziam-me: “Não devias contratar pessoas tão idosas para filmes de ação.” E o Aldo preparava a sua cena pondo-se em tronco nu, exibindo os seus músculos e correndo no plateau em todas as direções.

MAD MOVIES: Como se passaram as filmagens nos Estados Unidos?

SERGIO SOLLIMA: Foi algo de muito especial! A nossa autorização para filmar lá tinha expirado e nós continuamos. Não apenas isso, mas para filmar a famosa perseguição de carro que está no início do filme. Foi durante as manifestações hippies e eu ia militar na companhia de outras pessoas. E foi aí que a polícia me prendeu. Deixaram-me sair algumas horas depois, mas a atmosfera estava tensa. A filmagem de Cidade violenta foi uma grande aventura.

MAD MOVIES: Viu o filme Profissão: ladrão (Thief, Michael Mann, 1980-1981), com James Caan? Há muitos pontos em comum entre esse filme e Cidade violenta. Sobretudo na maneira de mostrar a associação de ladrões como uma gigantesca indústria que recusa a livre iniciativa. Além disso, as relações entre James Caan e Robert Prosky são como que um eco daquelas entre Bronson e Savalas.

SERGIO SOLLIMA: Falaram-me muito desse filme, mas infelizmente nunca o vi. Vocês não são os primeiros a mencionar essas semelhanças. Por acaso é aquele que se passa em Chicago, com Caan no papel de um arrombador de cofres?

MAD MOVIES: Sim, é esse.

SERGIO SOLLIMA: Pois, é esse mesmo, sem tirar nem pôr. Tenho de vê-lo. Até porque Michael Mann é realmente um cineasta muito talentoso. Adorei Fogo contra fogo (Heat, 1995) e O último dos moicanos (The Last of the Mohicans, 1991-1992).

MAD MOVIES: O que foi que o levou a fazer Os raptores em ação? É uma versão urbana de Quando os brutos se defrontam...

SERGIO SOLLIMA: É verdade. Tinha entre as mãos um enésimo roteiro assinado por Massimo De Rita, o responsável pelo primeiro tratamento de Cidade violenta. O roteiro, é claro, era uma merda inclassificável. Só as personagens me interessavam. Eu tinha efetivamente matéria para aprofundar ainda mais o universo de Quando os brutos se defrontam, reatualizando a história e as personagens. Acabei, pois, por reescrever a coisa na totalidade. Mas, comparando-o a Quando os brutos se defrontam, acho que Os raptores em ação é muito mais sombrio, muito mais pessimista.

MAD MOVIES: Oliver Reed está muito bem em Os raptores em ação. Mas na pele de um homem de ferro que se encontra prisioneiro da sua condição, Lino Ventura, ou até mesmo Enrico Maria Salerno, seriam mais adequados para o papel...

SERGIO SOLLIMA: Mas eu queria o Lino Ventura! A personagem era ele, pintado e escarrado! Falei bastante com ele, Lino adorou o roteiro. O único problema é que estava comprometido com outro filme na França, do qual só ficaria livre em dois meses, o que não nos convinha. Fiz o meu luto em relação ao fato e passei a Oliver Reed, que era jovem a essa altura e ainda só tinha participado em Oliver! (Carol Reed, 1968), Os demônios (The Devils, Ken Russell, 1970-1971) e Mulheres apaixonadas (Women in Love, Ken Russell, 1968-1969). Depois tornou-se uma verdadeira máquina de filmar.

MAD MOVIES: Como foram as vossas relações durante a rodagem?

SERGIO SOLLIMA: Oliver era meu amigo, gostava muitíssimo dele. Entendíamo-nos muito bem pela manhã, das 7 às 12 horas; à tarde, das 13 às 16, entendíamo-nos menos bem e, ao fim do dia, já nem valia a pena tentar! [Risos] Oliver é o maior pinguço que conheci. À noitinha, estava constantemente embriagado, o que se tornava um pouco intratável. Mas Oliver tinha a capacidade de desembriagar-se rapidamente para filmar uma cena importante, terminá-la com êxito e depois cair extenuado. Era um fenômeno, aquele Oliver! Uma vez, chegou a um restaurante quatro estrelas, descalço e sem gravata – só para chatear as pessoas. Era um bon vivant que viveu intensamente, sem peso nem medida. Quando soube da sua morte durante a rodagem de Gladiador (Gladiator, Ridley Scott, 1999-2000), em Malta, num bar, enxuguei uma lágrima, mas sorri ironicamente. O homem passou a vida em bares e encontrou a morte em um deles.

MAD MOVIES: O papel de Fabio Testi em Os raptores em ação estava previsto para Terence Hill. Por que mudou de ideia?

SERGIO SOLLIMA: Mario (o verdadeiro nome de Terence Hill é Mario Girotti – nota do redator) é um ator muito bom, mas após os sucessos de Meu nome é Ninguém (Il mio nome è Nessuno/My Name Is Nobody, Tonino Valerii e Sergio Leone, 1973) e dos dois Trinity (Chamam-me Trinity [Lo chiamavano Trinità.../They Call Me Trinity, Enzo Barboni, 1970] e Trinity ainda é meu nome [Continuavano a chiamarlo Trinità/Trinity Is Still My Name, Enzo Barboni, 1971]), tornou-se um ator muitíssimo caro! Revi, portanto, os meus objetivos e contratei Fabio Testi para o papel. E fiz bem. Testi é magnífico no papel que desempenha e forma um excelente duo com Oliver Reed.

MAD MOVIES: A paixão que o animou nos seus primeiros filmes de espionagem foi a mesma que o levou a realizar O corsário negro, adaptado de Emilio Salgari?

SERGIO SOLLIMA: Certamente! Gostava muito do que Salgari escrevia. Quando a li, a história de O corsário negro intrigou-me imensamente. Era preciso, todavia, ousar fazer nascer uma história de amor entre uma princesa rica e um pirata malaio. Na altura, muitas pessoas interpretaram a coisa como se Lady Di se tivesse apaixonado pelo E.T.! No entanto, a maior parte delas não conhecia o romance original e, todas as vezes que eu falava sobre a história do filme, tinha sistematicamente de mostrar num mapa onde ficava a Malásia!

MAD MOVIES: Rodou O corsário negro e logo a seguir começou a série televisiva Sandokan, com personagens e num quadro praticamente idênticos. Tirando as narrativas de Salgari, gostaria de ter adaptado outros romances picarescos, como Dom Quixote ou até O capitão Fracasso? São duas obras bastante próximas do seu universo...

SERGIO SOLLIMA: Nem calcula quanto: teria adorado fazê-lo! Ambas são pérolas da literatura picaresca. As aventuras de heróis fora das normas sempre me apaixonaram. Gostei muito da adaptação de O capitão Fracasso com Jean Marais e Louis de Funès (Le capitaine Fracasse, Pierre Gaspard-Huit, 1961). Quando fiz O corsário negro e Sandokan queria fazer algo diferente do western e do policial. Ilustrar as aventuras de Sandokan fez-me mesmo bem.

MAD MOVIES: Falemos de um filme um pouco estranho na sua filmografia, O cérebro do mal, com Maurice Ronet e Micheline Presle. Foi a sua primeira e última tentativa de incursão no giallo...

SERGIO SOLLIMA: Precisava de uma nova experiência. Os gialli de Dario Argento eram muito populares àquela época, e eu decidi arriscar. Queria todavia ir no sentido oposto ao que se fazia. Não queria homicídios sangrentos com arma branca, nem chamadas anônimas à noite, com uma voz rouca do outro lado do fio. Porque acho tudo isso ridículo. Além disso, a Itália produzia a toda a força imitações baratas de Dario Argento. O filme é apenas uma simples investigação policial. Não há mais nada! É um giallo light. Ronet saiu-se muito bem no filme; dizia-me incessantemente que a minha maneira de filmar lhe lembrava a de René Clément. Que elogio!

MAD MOVIES: Georges Rivière, Michel Lemoine, Michel Constantin, Maurice Ronet, Philippe Leroy-Beaulieu, Micheline Presle... Você gosta muito de filmar com atores franceses?

SERGIO SOLLIMA: Adoro! Além de serem todos excelentes atores, eram sobretudo meus amigos. Quando comecei, simpatizei muito com Georges Rivière; em seguida, com aqueles que você acabou de citar. Adorava a Micheline Presle! Era uma mulher com tanta classe. É raríssimo encontrar uma pessoa assim que, com um olhar apenas, encanta-nos. Era a sua maior qualidade.

MAD MOVIES: Gosta dos filmes de Dario Argento?

SERGIO SOLLIMA: Sim, um pouco. É um verdadeiro autor, não é como Bava, que não o é! Antes Argento era um excelente autor. Hoje não é mais do que a sua própria sombra.

MAD MOVIES: Da sua filmografia, qual é o filme que prefere?

SERGIO SOLLIMA: Um filme que fiz para a televisão e que se chamava I ragazzi di celluloide (os rapazes de celuloide). Era um telefilme quase autobiográfico, que contava a história de dois jovens adolescentes numa escola de cinema durante a Segunda Guerra Mundial.

MAD MOVIES: Por que já não filma hoje?

SERGIO SOLLIMA: Ah... Estou ficando velho. E depois, como querem filmar na Itália hoje!? Com Berlusconi, que fez merda em todo o lado!? Na Itália, já não há nem cinema, nem literatura, nem nada! A privatização destruiu tudo! Nos dias de hoje, a cultura e a política estão, como nunca, em baixa. Antes tínhamos tipos como De Sica, Fellini, Rossellini no cinema, e outros como Alberto Moravia, Italo Calvino ou Umberto Eco na literatura. Hoje o que temos!? Temos Berlusconi! Pedi a um número considerável de franceses que nos dessem Le Pen e Mégret em troca de Berlusconi, mas ninguém quis! A arte na Itália morreu por causa de Berlusconi.


Notas:


[1] Os entrevistadores se enganam: Perseguição a sangue-frio foi o primeiro filme que Sollima assinou com o próprio nome; o pseudônimo “Simon Sterling” foi utilizado em Alta espionagem e Agente especial 3S3. [N.T.]

[2] Título francês de O dia da desforra. [N.T.]

[3] Franco Solinas é o autor, entre outros, dos roteiros de Kapò: uma história do holocausto (Kapò, 1959-1960) e de A batalha de Argel (La battaglia di Algeri/La bataille d’Alger, 1965-1966), ambos de Gillo Pontecorvo, e de Estado de sítio (État de siège, Costa-Gavras, 1972), três filmes político-panfletários de uma virulência extrema, que fizeram correr muita tinta quando das suas exibições em salas.

[4] Lina Wertmüller foi assistente de Fellini. É considerada, junto com Liliana Cavani, a dama de ferro do cinema italiano. Ela é responsável, entre outros, pelos filmes Pasqualino sete belezas (Pasqualino Settebellezze, 1975), com Giancarlo Giannini, e Camorra (Un complicato intrigo di donne, vicoli e delitti, 1985), com Harvey Keitel e Francisco Rabal.


(Mad Movies, edição especial n.º 18, dezembro de 2002, pp. 60-65. Traduzido por Luísa Braga)

 

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