VITTORIO DE SICA
Se eu tivesse algum dinheiro certamente investiria na fabricação em série de pequenos De Sica em gesso ou em barro e os venderia a preços módicos como adornos ou amuletos. Ter um De Sica na sala de estar ou no corredor de entrada logo se tornaria indispensável em todas as famílias, substituindo a antiquada ferradura com espigas de milho ou os padronizados bonecos da Disney.
De fato, querendo definir de um ponto de vista crítico a personalidade artística de De Sica, o primeiro termo que me vem à mente é uma locução que aparentemente não contém um julgamento crítico, mas sim uma abordagem humana. A palavra é “simpatia”. E, no entanto, para aqueles que não acreditam na arte pela arte, mas na arte pelo homem, a simpatia também entra no julgamento crítico, porque na realidade é a consequência de uma saúde moral, de uma oferta instintiva de si mesmo, de um imediatismo e universalidade de linguagem que são os elementos constitutivos de um verdadeiro artista. Observe Stroheim, por exemplo: um caso típico, dada a definição da personagem como “antipática” por excelência. Todos os jovens cineastas cultivavam a esperança de vencer na loteria para poderem financiar Stroheim. De qualquer modo, a simpatia de De Sica é extremamente atual e italiana e, coincidindo com o fato de que seu titular produziu alguns dos filmes mais belos da produção mundial nos últimos anos, merece um exame minucioso. O ponto de partida pode ser o seguinte: como fez este homem que todos nós recordamos como ator pouco excepcional e que muitos recordam como chansonnier meridional, antiquado e um tanto presunçoso, para se tornar um poeta das telas e um poeta revolucionário, ademais, da vanguarda da nova escola da cultura moderna? Em sua vida privada não encontramos episódios com o mínimo de interesse. Ele não é descendente de um famoso pirata, não foi toureiro ou funcionário em uma loja de calçados, não pescou pérolas em alguma ilha dos mares do Sul e não há notícias de mulheres que se suicidaram por ele. Vindo de uma família de classe média, ele simplesmente se tornou ator. O primeiro trabalho foi com Tatyana Pavlova, o segundo com Luigi Almirante. Depois encontrou Sergio Tofano e Giuditta Rissone. Fez parte de um grupo infeliz conduzido corajosamente por Guido Salvini, do qual além de Rissone, participavam Amelia Chellini e Umberto Melnati. Finalmente, com eles, entrou na Za-Bum. Aqui, além de atuar e cantar, até chegavam a lhe pagar. Ele obteve o seu primeiro e verdadeiro sucesso de público interpretando o papel do soldado Esposito no espetáculo de Falconi e Biancoli, Navigliana. Até aqui não se pode falar de uma escola de arte e nem mesmo de gosto, e sim de uma escola de vida. Enquanto isso, em 1929, ele teve o primeiro contato com o cinema. Tomou a decisão com a recomendação paterna da parte de Stefano Pittaluga para mudar de profissão, por causa do nariz que, de fato, naquela época, sobretudo, era de dimensões bastante preocupantes. O primeiro filme em que apareceu foi nada menos que Zaganella e il cavaliere (Giorgio Mannini e Gustavo Serena, 1932), no qual ele conseguiu se distinguir cantando o famoso refrão “zagané, zagané”[1]. O segundo filme foi La vecchia signora, produzido em 1932 pela Caesar, de Giuseppe Barattolo. O diretor era o desafortunado Amleto Palermi e os outros atores eram Emma Gramatica e Maurizio D’Ancora. Em seguida, finalmente o primeiro estágio realmente importante de sua carreira: o encontro com Mario Camerini. Este estava à procura de um protagonista para um filme que deveria ter se chamado Taxi. O primeiro teste foi horrendo, o segundo bastante medíocre. Mas Camerini tinha um bom faro e depois houve o famoso caso da simpatia. Parece que na sala de projeção ele exclamou: "Eu fico com você, De Sica, mesmo sendo feio.” O filme saiu com o nome de Gli uomini, che mascalzoni... (1932) e foi um notável sucesso. O roteiro era de De Benedetti e Soldati e os outros atores eram Lia Franca e Cesare Zoppetti. A partir de então começa o segundo período da carreira de De Sica. No teatro formou uma companhia com Giuditta Rissone e Umberto Melnati, interpretando centenas de comédias burguesas, vazias e superficiais, semelhantes nisso, no fundo, à sua atuação. Entretanto, no cinema, a colaboração com Camerini revelou-se muito frutífera. O diretor era competente e mostrou a De Sica o sentido do cinema. Mas Camerini não era só um bom técnico: era também um homem de gosto, com um mundo próprio e atento à realidade que o circundava. Isto, sobretudo: ele possuía (e possui, naturalmente) um sentido único de observação. Assim, logo se tornou o “cantor dos gestos” da pequena burguesia italiana, com as suas misérias, suas ingênuas aspirações, suas inúmeras desilusões. Um mundo, em suma, visto de uma forma um pouco superficial, mas com a sua própria validade poética e realista, tendo em conta a situação política e cultural da época. De Sica, com Camerini, aprendeu a atuar a sério, mas acima de tudo conseguiu fazer o que poucos atores italianos haviam feito: criar uma personagem viva que tinha, de fato, as suas origens na realidade. Alida Valli era a típica menina de classe média, filha de um industrial milanês, costureira de Turim ou estudante de letras romana. Era a mais popular, portanto, principalmente entre as garotas que estavam começando a fumar, que noivavam com o profissional de boa família, que cultivavam no coração uma simpatia indisfarçável por Bob Taylor e sonhavam com a América. Logicamente, após a guerra, Alida mudou-se para a América, personificando também, com esta viagem, os sonhos que moviam milhares e milhares de meninas deslocadas. Carla Del Poggio, ao invés disso, foi a “pariolina” bastante precisa, daquelas que depois da guerra tiveram “a crise” e começaram a falar do proletariado. Agora, de fato, ela faz filmes populares. Amedeo Nazzari era um pouco “o homem do regime”, introduzido pela sua atitude autoritária, com um gosto espantoso para se vestir e cachos até o pescoço, mas com muito “fígado”, pronto para seguir Rodolfo Graziani à África e habituado a saudar meninas com voz sorrateira: “Olá, pequena”. Coerentemente, após a guerra, faz O bandido (Il bandito, Alberto Lattuada, 1946), ou procurou fortuna na Argentina. Fosco Giachetti também era um homem do regime, mas daqueles que foram convencidos a fazê-lo “pela pátria”, como possibilidade de salvação, em resumo. De Sica, por outro lado, não teve nada a ver com o regime. Nenhum vozeirão, nenhum Graziani, nenhum corporativista industrial. Ele foi o Travet 1935 ou 1939 em luta diária por poucas liras, com certa disposição para enganar ao próximo a fim de obtê-las, com o sonho atormentado de subir para a classe alta, na Via Veneto ou em Capri, com o Lancia personalizado e a amante em Parioli. Mas foi também, acima de tudo, Nápoles, “meu coração”, “eu te amo”, “se não canto, morro”, todo esse conjunto de sentimentos falsos e verdadeiros, de cristianismo pagão, de superstições, de um sorriso contínuo e de íntima, secular tristeza, de pobreza inata e de inata elegância, que constitui o italiano meridional. Era, em suma, uma personagem poética e “simpática”, ainda não totalmente realizada, no entanto. Enquanto isso, durante este segundo período, duas coisas importantes ocorreram com De Sica, que excederam o nível suportável. Eram realmente muitos, e muito maus. Hoje, ele admite abertamente ter tido uma forma particular de inércia que o deixou nas mãos daqueles tipos de produtores e diretores que na época caíam sobre a Cinecittà como gafanhotos nos campos de grão ou piratas caribenhos sobre um galeão espanhol. Responsabilidade também sua, naturalmente. De qualquer modo, e até certo ponto, o espetáculo da tolice artística e da incompetência técnica do qual participava constantemente fez brotar no cérebro a ideia de se tornar diretor. E assim falou com Giuseppe Amato, que intrigado com a ideia o convidou a dirigir, junto com ele, um pequeno filme: Rose scarlatte, lançado em 1940. Outro acontecimento importante deste período foi o encontro com Cesare Zavattini, que tinha escrito o argumento para um dos melhores filmes da dupla Camerini-De Sica: Darò un milione (1935). Zavattini tinha saído de Milão com uma grande paixão pelo cinema e cogitou, durante algum tempo, a ideia de se tornar diretor. Enquanto isso, ele procurava alguém que fosse capaz de exprimir cinematograficamente as mil ideias por segundo que vinham da sua cabeça, que fosse o “seu” diretor. Esperava encontrar isso em Camerini, mas pouco mais tarde foi em De Sica que encontrou o seu homem. Mas em um primeiro momento os dois não tiveram a oportunidade de trabalharem juntos. O segundo filme de De Sica como diretor foi Madalena, zero em comportamento (Maddalena... zero in condotta, 1940). Este fazia parte da famigerada série de comédias cômico-sentimentais que eram a peste bubônica do nosso cinema, mas apresentava uma sensacional novidade: era realmente cômico e realmente sentimental. Era bem feito, era cinema. Tinha também o mérito não pouco importante de apresentar um grupo de novos rostos, o de Carla Del Poggio, Irasema Dilián, Paola Veneroni, que inclusive ameaçavam saber atuar. Alguns críticos puxaram suas orelhas. Mas com Teresa Venerdì (1941) a curiosidade tornou-se certeza: De Sica era um diretor. Tinha o senso de cinema e aquele “algo a mais” que autorizava ansiar ainda mais. Convém recordar que foi neste filme que Anna Magnani fez sua estreia no cinema, com recursos já desenvolvidos. Depois veio Recordações de um amor (Un garibaldino al convento, 1942). Era então possível ver que cada novo filme era um passo adiante, marcando uma expansão do seu mundo e um aprofundamento. O último trabalho, antes do armistício e da crise que o seguiu, foi A culpa dos pais (I bambini ci guardano, 1942-1944). A partir daqui os passos à frente eram de pelo menos meia-dúzia. Não se tratava mais de comédias cômico-sentimentais bem feitas; tratava-se de um drama social com o qual o seu autor não se limitava a narrar um fato, mas exprimia ideias. Este filme foi, juntamente com Obsessão (Ossessione, Luchino Visconti, 1942-1943), o mais interessante do período. Ele marcou, entre outras coisas, a passagem da série “signorinette” à de “bambini”. De Sica havia encontrado na infância o seu verdadeiro mundo poético.
Mas a boa fortuna de De Sica deveu-se também ao fato de que seu desenvolvimento artístico ocorreu durante os últimos anos do fascismo, no momento em que na sociedade italiana os contrastes e a fratura entre o povo e o regime estavam se tornando cada vez mais abertos. Formavam-se as frentes e isto significava também o início de um novo período de cultura, de luta e, portanto, de vida. No campo mais especificamente cinematográfico de então formava-se um campo de batalha que era composto principalmente por jovens. A revista Cinema já havia sido lançada, contribuição não negligenciável para a difusão de uma cultura e de uma consciência cinematográfica. Em suma, foi um bom momento para aqueles que sabiam como compreendê-lo. E De Sica esteve muito presente. Durante a ocupação dirigiu La porta del cielo (1945), filme desigual mas interessante que marcou o início da colaboração com Zavattini. Esta significou para De Sica uma contribuição cultural e de fantasia de primeira ordem, tanto que desde então os dois são inseparáveis. Vítimas da tormenta (Sciuscià, 1946) foi o primeiro verdadeiro produto da colaboração e foi também o verdadeiro ato de nascimento do novo poeta. Depois de dois anos, eis Ladrões de bicicletas (Ladri di biciclette, 1948). Aqui a palavra pertence à crítica.
Nota:
[1] Sollima se confunde; foi em La vecchia signora, e não em Zaganella e il cavaliere, que De Sica cantou o refrão “zagané, zagané”. [N.T.]
(Cinema, nova série, vol. 1, n.º 7, janeiro de 1949. Traduzido por Kevin Albuquerque, Bruno Andrade e Fábio Visnadi) |
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