AS CLASSES
por Sergio Sollima



Em sua visão de sociedade, Hollywood parece ignorar a existência das classes no sentido econômico do termo, e mais ainda os seus contrastes.

De fato é peculiar a constatação de que a luta de classes – que deu origem à manifestação histórica de maior relevo da época moderna, a uma enorme Revolução na Rússia, a movimentos poderosos em quase toda a Europa, na Ásia e na própria América, a duas contrarrevoluções na Alemanha e na Itália, com a consequente instalação de regimes antidemocráticos que provocaram em seguida uma Segunda Guerra Mundial, e que como manifestação de importância social deu origem à existência de organismos colossais como os trusts e os sindicatos, que juntam milhões e milhões de homens – não tenha constituído o tema de nenhum filme americano. É peculiar, mas coerente com o dogma comercial segundo o qual todos os clientes têm sempre razão. Pelo menos até o dia em que pedirem a substituição do diretor do negócio.

Até para aquelas que podem ser as manifestações menos importantes, como algumas greves ou uma atividade sindical qualquer, ou mesmo simplesmente as relações entre empregadores e empregados, os filmes que tocam o tema podem ser contados nas pontas dos dedos, e tocam-no sempre com uma precaução infinita.

Com muito boa vontade podem-se encontrar algumas alusões à luta de classes em alguns velhos westerns nos quais é representada a conquista da terra, apesar das intrigas de companhias financeiras, ou a luta dos camponeses ou cowboys contra os proprietários das terras. Mas geralmente estas lutas são motivadas principalmente pelo mau-caráter e pela paixão imprudente pela heroína loira que os roteiristas davam ao vilain da história.

Em O pão nosso (Our Daily Bread, King Vidor, 1934) encontramos não a representação de uma luta de classes entre camponeses pobres e proprietários de terras, mas um sentido sincero do trabalho e da solidariedade entre homens que só pedem para poder trabalhar a “sua” terra, contra todas as tentativas de expropriação por parte da companhia financeira e contra todas as outras adversidades que os homens e a natureza colocam no seu caminho.

Em A casa do jornaleiro (Newsboys’ Home, Harold Young, 1938), com Jackie Cooper e Edmund Lowe, era retratada a história de um outro grupo de trabalhadores que se juntavam para a defesa dos próprios interesses, jornaleiros de um grande diário.

Há um vago sentimento socialista, de caráter humanista, em quase toda a obra de Capra, mas especialmente em O galante Mr. Deeds (Mr. Deeds Goes to Town, 1936) e em Do mundo nada se leva (You Can’t Take It with You, 1938). É evidente que as suas experiências devem ter tornado críveis histórias de plutocratas que, ou pelos belos olhos de uma não plutocrata, ou pela paixão por cavalos, ou pelo som de uma gaita ou então por um sentido inato de bondade, se decidem a instalar barracas e bonecos ou até a oferecer aos desprovidos as barracas e os bonecos mencionados.

O bom Charles Coburn em O Diabo e a mulher (The Devil and Miss Jones, Sam Wood, 1941) faz menos, mas trata-se sempre de algo verdadeiramente belo e nobre.

O tema do rico atormentado por complexos sociais volta, por exemplo, em O cowboy e a grã-fina (The Cowboy and the Lady, H. C. Potter, 1938), no qual não é ninguém menos que um candidato à Presidência que é persuadido pela peroração de um cowboy duro a abandonar os negócios e a vida política para se retirar no campo.

Em A mulher proibida (Forbidden, 1932), por sua vez, ainda de Capra, o rico é absolutamente imune a complexos sociais, não abandona os sucessos políticos e mundanos e deixa que a pobre, que na verdade é pobre, por assim dizer, se consuma lentamente além da barricada das classes. Em Segunda lua-de-mel (Second Honeymoon, Walter Lang, 1937)[1] fala-se de uma greve inoportuna que provoca dores de cabeça fastidiosas em um alegre grupo que passa férias tranquilamente numa praia da moda. Num diálogo entre Tyrone Power, capitalista belíssimo, que explica o seu método de enviar uma dúzia de girls para junto dos grevistas, e Loretta Young, esta o repreende por “não saber lutar”. Creio que seja o único filme em que a palavra luta e o conceito real de luta de classes tenha escapado à censura hollywoodiana.

Também aparecia uma greve em Assim é Hollywood (Stand-In, Tay Garnett, 1937) em que os trabalhadores de um estabelecimento cinematográfico abandonam o trabalho quando a propriedade deste está prestes a passar para as mãos de um negociante sem escrúpulos.

Em Noite de pecado (When Tomorrow Comes, John M. Stahl, 1939) até há um protagonista, personificado pelo ator Onslow Stevens[2], que é um sindicalista de profissão, um indivíduo estranho, metade asceta metade legionário da salvação, cuja presença, contudo, eu consideraria perigosa em qualquer sindicato que se preze.

Até em Manequim (Mannequin, Frank Borzage, 1937) havia uma certa importância em uma greve que vinha interromper bruscamente a felicidade inicial dos dois protagonistas, causando o seu débacle econômico.

Muito importante, pela profundidade da investigação, é Stella Dallas, mãe redentora (Stella Dallas, King Vidor, 1937), em que é representado o contraste, julgado parcialmente intransponível, entre a classe operária e a classe médio-burguesa.

Ernst Lubitsch, um dos estandartes mais cotados da burguesia cinematográfica internacional, tocou no tema do “socialismo” em Ninotchka (1939). Os propósitos de propaganda evidentes do filme, realizado num determinado período da política estadunidense, e o temperamento superficial particular do realizador não permitem catalogá-lo como obra cinematográfica de investigação social.

Resta então falar de Chaplin. Até ele, embora sob um plano artístico e humano muito superior ao de Capra, não sai dos limites de um socialismo humanista. Mais do que qualquer outro autor cinematográfico americano, Chaplin representou as contradições e as distorções da sociedade capitalista, mas, chegando ao ponto de crise, que ele bem reconhece como econômica e política, não parece vislumbrar os métodos necessários para superá-la. Ou indica antes um só, de caráter moral e não econômico nem político: a bondade; a bondade que poderá vir a ser punida e desprezada mas não vencida. E quando foi preciso lidar com um tema que tão facilmente poderia se prestar à denúncia precisa de uma sociedade em colapso, no tratamento, digo, da figura de Adolf Hitler e o caráter do nazismo, limitou-se a uma polêmica antirracista e a uma exaltação genérica da liberdade.

Em conclusão, portanto, a sociedade no cinema americano não é vista como dividida em classes, mas no máximo em categorias sociais e morais: os ricos e os pobres.


Notas:


[1] No texto original o filme é creditado a Tay Garnett. [N.T.]

[2] No texto original o ator creditado é Harvey Stephens. [N.T.]


(Il cinema in U.S.A. Roma: Anonima veritas editrice, 1947, pp. 201-204. Traduzido por João Palhares)

 

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