ENTREVISTA COM ADRIANO APRÀ
por Lucas Baptista e Bruno Andrade




Entrevistamos Adriano Aprà em duas ocasiões: 29 de outubro de 2016, no Rio de Janeiro, e 16 de maio de 2017, em São Paulo. A primeira entrevista foi realizada no Parque Lage, e a segunda no lobby do Hotel Braston. A partir da transcrição dessas conversas, o material foi editado para destacar os pontos recorrentes no trabalho do crítico e realizador italiano. Em cinco partes, a entrevista passa pela importância da internet, dos DVDs, do critofilm; pela situação do cinema e da crítica; pela relação entre a história do cinema e as obras-primas desconhecidas; e pelo problema das duas vanguardas.

Uma das atividades agendadas para a estadia de Aprà no Rio de Janeiro foi um encontro com os familiares dos cineastas brasileiros que viveram na Itália e desfrutaram de sua companhia e amizade. Antes de iniciar a entrevista propriamente, falávamos de seus amigos do cinema novo.

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ADRIANO APRÀ: Conheço bem todos esses diretores. Glauber eu conheci em Roma pela primeira vez. Paulo César Saraceni foi um grande amigo meu. Gustavo Dahl...

FOCO: Saraceni e Gustavo Dahl estudaram no Centro sperimentale.

ADRIANO APRÀ: Paulo César eu não conheci quando ele estudava em Roma; isso foi logo depois, provavelmente no Pesaro Film Festival, que era na época o lugar dos diretores latino-americanos. Esse era o lugar onde eles podiam se encontrar, o que era muito difícil aqui na América Latina, por conta dos vários problemas políticos. Então foi no Pesaro Film Festival que conheci todos eles. Conheci Gustavo Dahl enquanto ele estudava no Centro sperimentale, junto com [Marco] Bellocchio. Eu gostava muito de Gustavo porque nós tínhamos gostos parecidos em cinema. Mas, além disso, éramos muito bons amigos. Glauber, Paulo César, Gustavo, Leon Hirszman, gosto muito deles. Conheci-os todos enquanto estiveram exilados na Europa, a maioria deles. Foi realmente um período maravilhoso.

Falávamos sobre o cinema experimental em longas-metragens contemporâneos, e eu estava pensando que há muitas pessoas tentando fazer algo diferente, como Pedro Costa em Portugal, Apichatpong Weerasethakul na Tailândia, Lars von Trier na Dinamarca, Roy Andersson na Suécia e muitos mais. E na Itália a situação é um pouco diferente porque, na minha opinião – é uma opinião bem pessoal –, há vários cineastas muito bons, mas a maioria deles é desconhecida mesmo na Itália. Alguns dos filmes nunca são lançados, ou são lançados de uma forma muito precária, e como eles estão todos isolados uns dos outros não há grupos, então não ganham força. Mas eles existem, os filmes existem e alguns deles são maravilhosos. Fiz uma lista com quase 140 filmes italianos, um por diretor, e as últimas entradas são de nomes realmente desconhecidos, mas eu posso garantir que são filmes muito bons. Todos eles estão no lado da experimentação[1].

FOCO: São longas-metragens?

ADRIANO APRÀ: Sim, a maioria.

FOCO: Quando se compara o seu trabalho com o cinema underground com o trabalho que se faz hoje, há uma discrepância. Por mais que esses diretores não formem um grupo, como, por exemplo, o cinema novo ou o cinema polonês, tem-se a impressão de que os críticos de hoje exploram menos este campo em comparação ao trabalho feito no passado, que teve resultados admiráveis. É fácil falar hoje sobre diretores como Věra Chytilová e Dušan Makavejev porque se pode fazer o download do filme, mas imagino que, naquele tempo, ver os primeiros Skolimowski não era fácil. Era preciso ir a um festival de cinema, como Pesaro. Como você vê essa mudança?

ADRIANO APRÀ: Essa situação mudou completamente por causa do DVD e da internet. Esses são novos meios de distribuição. Então posso encontrar quase tudo que eu quero em DVD – quase. Não só no mercado. Há uma rede de colaboradores com os quais mantenho contato; muitas pessoas como eu estão em contato com colecionadores. Para dizer a verdade, eu mesmo sou um colecionador. Então eu posso achar coisas que nunca serão lançadas em DVD, mas que podem ser encontradas. Portanto, é muito mais fácil do que no meu tempo; no meu tempo você saía para ver um filme pela primeira e última vez. Era essa a ideia. Era difícil ver um filme de novo. Hoje, para mim, é maravilhoso, porque tenho a minha história do cinema em casa. Isso é algo importante. Porque esses filmes podem ser marginalizados nos cinemas, mas eles podem existir em DVD. É uma rede diferente. E existe a internet, onde as pessoas ficam postando coisas – o que torna mais difícil encontrar o que é realmente importante, mas de qualquer forma há uma nova forma de distribuição, e essa transformação é algo que ainda está acontecendo, ainda está mudando. Acho que isso vai mudar a ideia de cinema como nós conhecemos. Não sou mais um fã da tela grande porque passei toda a minha vida vendo filmes na tela grande e conheço essa experiência. Agora gosto de ver filme na minha televisão, porque tenho na cabeça a ideia da tela grande, e posso expandir virtualmente o que estou vendo na minha televisão grande.

Sou bastante otimista quanto ao futuro. Porque vejo que há uma criação: o digital estimula a criação de novas maneiras de olhar o cinema. Isso pode se tornar algo como a pintura em movimento. Não quero dizer que seja uma arte nova, mas, mesmo não o sendo, pode ser uma nova maneira de conceber a antiga arte do cinema. Recentemente fiz algo de que estou bastante orgulhoso, para o Pesaro Film Festival: montei um programa de documentários sobre cinema. E apresentei o programa sobre o melhor que já vi desse gênero – é realmente um novo gênero, com os seus subgêneros –, e eles publicaram um e-book com esse tema, o qual, creio, é o primeiro livro feito sobre o assunto.

Nesse livro há uma lista imensa de 2.800 títulos, e acho que esse será o futuro da crítica: uma crítica audiovisual de cinema. Há apenas um problema, um grande problema. Tem a ver com os direitos de citação. Mas para propósitos educacionais, como ensinar cinema em universidades, isso pode ser feito sem problemas. Não sou mais professor, estou aposentado agora, tenho 76 anos, mas se eu ainda estivesse na universidade, não pediria uma avaliação oral ou uma avaliação escrita, e sim um critofilm, minha designação para “documentário crítico de cinema”. É uma palavra que vem do mundo da arte. Houve um artista italiano que concebeu no começo dos anos 1950 a ideia de fazer filmes sobre arte concebidos como ensaios críticos, e ele os chamou de critofilms, então eu trouxe essa palavra para o cinema. E é isso.

Pensando comigo, percebi que já fiz vários critofilms, começando no final dos anos 1970, e depois continuei de tempos em tempos fazendo algo desse tipo, sem saber que era um gênero, porque no final dos anos 1970 havia muito poucas coisas feitas nesse campo. Só nos anos 2000, graças às possibilidades do digital e aos DVDs, aos extras de DVDs, é que esse campo passou a ser explorado. Então hoje existe uma abundância, e nisso não incluo meras entrevistas. Fiz muitas entrevistas para DVDs, mas não é isso que me interessa. Estou interessado em trabalhos que são mais elaborados, e existem muitos hoje. Muitos.

Recentemente, fiz um extra de Os palhaços, de Fellini, um sobre O conformista, de Bertolucci, e outro sobre De crápula a herói, de Rossellini. E você pode achar pelo menos o que fiz sobre Os palhaços e também o que fiz sobre De crápula a herói, que fiz para uma companhia americana chamada Raro Video. O conformista foi feito para a Minerva Film, na Itália. Estou bastante satisfeito com o que fiz. Fazendo isso, percebi que eu era capaz de fazer algo que era impossível fazer apenas com a escrita. E então fiz algo com o documentário poético. Perdi o que eu fiz sobre Red Ashes, que era a minha variação poética sobre a ilha vulcânica de Stromboli, e Stromboli, de Rossellini. Enfim, essas são as minhas atividades recentes.

FOCO: Você falou sobre o fato de hoje poder acessar filmes de uma forma que simplesmente não era possível décadas atrás. É possível ter hoje em casa um filme que pode ser assistido várias vezes. Essa não é uma situação semelhante à que as pessoas tiveram com a literatura por séculos, quando puderam ter o livro em casa para lê-lo várias vezes?

ADRIANO APRÀ: Exatamente. Às vezes eu escrevo alguns textos ao computador, com o filme passando ao mesmo tempo. É uma novidade para mim, para minha geração.

FOCO: O tipo de conhecimento que resulta disso tem de ser diferente.

ADRIANO APRÀ: Eu pensava que a acessibilidade de filmes em DVD mudaria a forma como se pode falar do filme. Antes você tinha de se relacionar com o filme pela memória. Lembro-me de quando eu era jovem e muito interessado em análise fílmica – sempre fui interessado em análise fílmica –, e eu ia ao cinema duas ou três vezes para tomar notas. Via o filme pela primeira vez, e quando eu queria escrever voltava no dia seguinte para tomar notas, por causa da minha memória, e então escrevia. Mas quando releio esses textos hoje, acho-os impossíveis de se ler, porque eu citava um plano, mas se o leitor não viu o filme um dia antes como eu, ele não é capaz de entender nada.

FOCO: A situação é então muito parecida com a da literatura, porque se pode citar, por exemplo, Shakespeare, e o leitor pode conferir no seu próprio exemplar de Shakespeare o mesmo texto.

ADRIANO APRÀ: É por isso que eu falava sobre a crítica em forma de vídeo, porque isso é, em essência, aquilo com que eu sonhei por muito tempo sem saber que um dia seria possível. Hoje é possível. Então, o que posso dizer é que, como estou velho e escrevo muito raramente, o que eu deixo como mensagem para os jovens é esse tipo de crítica, crítica em vídeo. Essa é a minha ideia.

Há três tipos de filmografias [no e-book]: uma é formada por alguns programas italianos de televisão dedicados ao cinema; outra é mais geral, com várias seções, como filmes sobre a história do cinema, filmes sobre diretores, atores, produtores, filmes sobre filmes específicos, making of e assim por diante, italianos e estrangeiros; e também há uma filmografia sobre o que está sendo lançado na internet. No mais, há a filmografia das séries Cinéastes de notre temps e Cinéma, de notre temps, com apresentação de André S. Labarthe. Então, foi realmente muito trabalho, mas fiquei muito feliz: fui levado a assistir a muitos extras de DVDs, vi todos os extras da minha grande coleção de DVDs, e coletando toda essa informação pude fazer essa vasta filmografia.

Por outro lado, critofilms são feitos pela televisão, que pode pagar pelos direitos dessas citações, ou também como extras de DVDs nos quais quem lança o DVD detém os direitos do filme do qual se está falando. Eu mesmo fiz vários critofilms, e quando tinha o filme e queria citar, usava frames ampliados, stills, para citar ou aludir a alguma coisa que não podia citar em movimento por conta dos direitos. Porém, como essa prática dos critofilms está crescendo de forma muito abrangente, acho que esse problema deve ser resolvido de um ponto de vista legal. Por exemplo, em literatura você pode citar qualquer coisa, não precisa pagar direitos autorais, e acho que em certo tempo isso será resolvido da mesma forma quanto aos filmes, dado que o acesso aos filmes é muito fácil – você tem o DVD do filme. Eu não vejo por que se deve pagar se você estiver citando com uma finalidade cultural. Além disso, as companhias que detêm os direitos dos filmes têm de entender que quando você está citando um trecho de um dos seus filmes, indiretamente está fazendo publicidade do filme, então elas não perdem nada ao permitir às pessoas citarem os filmes sem pagar direitos, entende? E, para mim, essa é a crítica do futuro, porque quando se escreve sobre literatura utiliza-se o mesmo meio do qual se está falando, e quando se escreve sobre pintura, pode-se reproduzir uma imagem da pintura e traçar linhas para analisar a estrutura dessa pintura, diagonais ou o que for acerca da estrutura dela. A mesma coisa deveria ser feita com um filme. É por isso que estou tão interessado nisso: sempre escrevi sobre filmes e sempre fiquei insatisfeito com o que fazia, porque eu me referia ao filme e queria ser preciso quando analisava com palavras, dizendo “neste plano há isso e isso e você pode entender isso e isso”, mas era muito difícil. Quando comecei a fazer critofilms, era muito mais fácil. O melhor dos meus escritos são os critofilms que fiz. Há também outro campo que tentei fazer, uma media analysis através do computador. Não é um filme linear, é algo que se pode fazer no computador, muito mais complexo.

FOCO: Há um sobre Mizoguchi[2].

ADRIANO APRÀ: Exatamente. Mas esse foi muito difícil de fazer, porque levou um mês para fazer todos os links. O problema nesse caso é que você precisa trabalhar com um engenheiro de programação, e juntar o aspecto historiográfico com o de programação é bastante difícil, é preciso montar um programa dedicado a este tipo de análise. Houve algumas tentativas nesse campo, mas até hoje nada foi realmente feito. Porém, eu acho que num futuro próximo alguém irá resolver esse problema e inventar um novo programa. Eu não sou capaz de fazer isso e portanto não o farei, mas estou certo de que alguém o fará.

FOCO: Existe algo na crítica escrita que parece insuficiente para você? Existe algo faltando, nesse sentido, mesmo nos bons críticos?

ADRIANO APRÀ: Depende. Eu acho que essa escrita visual é muito importante para analisar filmes, mas se você está fazendo afirmações gerais como um historiador ou um teórico de cinema, a escrita [tradicional] pode ser um meio de expressão melhor que o visual. Não é realmente necessário mostrar cenas, mas citar títulos, ideias gerais sobre cineastas. O mais importante para mim é a qualidade da escrita. Você sabe, na literatura há todo um gênero de ensaístas que escrevem com a qualidade de escrita de romancistas. Eu gosto de André Bazin não só pelo que ele diz, mas também pelo seu estilo de escrita, que é muito claro, muito essencial; ou alguém muito diferente de Bazin, como Serge Daney, [gosto] por causa da qualidade do texto, mais complexo, articulado, mas que eu gosto de ler como um texto em si mesmo, para além do fato de falar sobre algo. Na literatura, há muitos exemplos de escritores que não são romancistas nem poetas, mas ensaístas.

FOCO: Em relação a isso, um critofilm pode acabar sendo interessante artisticamente, como no caso da sua seleção de filmes sobre filmes, em que você selecionou filmes que não são apenas documentos, mas também obras de arte. E o fato de você poder usar os mesmos meios de expressão, isso significa que a diferença entre a arte e a crítica se torna cada vez mais difícil de definir, como no caso da literatura que você mencionou?

ADRIANO APRÀ: Como eu disse, no meu e-book eu montei uma filmografia com quase 3.000 filmes sobre filmes. Mas a maioria deles é jornalismo, a maioria é making of ou filmes históricos. Kevin Brownlow está fazendo alguns trabalhos muito bons, mas eles não são obras de arte em si mesmas. Ele não buscava isso, ele queria ser claro como um historiador, com a informação correta, a documentação correta etc. Então, assim como acontece com a crítica escrita, a menor parte disso são critofilms de verdade, isto é, obras de arte em si mesmas. Elas são minoritárias, mas existem.

No caso de Bazin, ele não apenas sabia como assistir filmes, mas sabia pensar sobre filmes. Ele também era um ensaísta nato, um homem de letras, por assim dizer. O homem que faz um critofilm tem de ser, da mesma forma, um cineasta. Ele precisa pensar em termos de cinema.

A maioria dos critofilms feitos no mundo não são feitos por críticos de cinema, mas por cineastas, e é raro o fato de críticos se tornarem cineastas, como eu, por exemplo. Ou, por exemplo, Bernard Eisenschitz, que fez um trabalho muito bom sobre a montagem no cinema russo, ou Yuri Tsivian, que é um historiador de cinema letão radicado em Chicago, que fez um filme maravilhoso sobre Ivan, o terrível, de Eisenstein[3]. Mas, por exemplo, Mark Rappaport, que é alguém que hoje em dia faz vários filmes, critofilms, é um diretor; ele não pretende ser um crítico de cinema.


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FOCO: Você se interessa pelo que está sendo produzido hoje na crítica de cinema, se mantém atualizado quanto a isso?

ADRIANO APRÀ: Eu sei que existem muitas revistas na internet, como Cinema Scope, Senses of Cinema. Delas vejo apenas os índices. Acho que devem ser muito interessantes, mas não estou realmente muito interessado em ler. Eu também sou assinante; recebo os Cahiers du cinéma, a Positif, Sight & Sound, mas é apenas para manter contato com o que está acontecendo, ter informações, mais do que ideias críticas.

FOCO: Grande parte da crítica de cinema hoje parece tratar de informações, parece seguir o modelo do jornalismo, mais do que uma tentativa de propor algo novo. Conforme você falou, os critofilms são uma nova maneira de propor conteúdo sobre cinema. E uma das coisas que se pode observar hoje em dia é que o que está sendo escrito tem mais a ver com o que está sendo exibido em festivais, com o que foi lançado esta semana em Paris ou em Nova York.

ADRIANO APRÀ: Mas, por exemplo, uma revista como a Trafic é diferente.

FOCO: Absolutamente diferente, sim.

ADRIANO APRÀ: Eles não estão presos ao que está acontecendo. Fazem reflexões sobre qualquer época do cinema, dependendo do que lhes interessar. Eu escrevo para a Trafic às vezes. Tem um ensaio meu que eles vão publicar em alguns meses sobre um cineasta italiano desconhecido do cinema mudo que, na minha opinião, talvez seja o único realmente interessante no cinema mudo italiano, que é algo que eu não gosto em absoluto. Acho que esse foi um período desinteressante[4].

Na Itália – apesar de eu achar que este é um problema também em outros países – há o seguinte fenômeno, um problema na academia, nas universidades que ensinam cinema. Na Itália, hoje, a maioria das pessoas que ensinam cinema não sabem nada sobre cinema. Elas fizeram suas teses de doutorado a respeito de algum argumento e insistem neste argumento. É raro encontrar um jovem crítico que tenha um conhecimento abrangente do cinema mundial. Há alguns, mas não estão na academia. Eu lecionei na academia, mas fiquei surpreso ao descobrir que muitos dos meus colegas eram pessoas de quem eu nunca tinha ouvido falar. Eles estavam completamente presos à organização acadêmica e não tinham qualquer relação com o mundo – com algumas exceções, obviamente. Esse é o principal problema. Então, é terrível, uma situação terrível. E eles evitam quaisquer questões estéticas. Não gostam de cinema, apenas trabalham como arqueólogos do cinema, ou falam sobre pequenos problemas com palavras difíceis. Eu não gosto nem um pouco disso, desse trabalho. Mas acho que esse não é um problema só da Itália.

FOCO: Gostaria de voltar onde estávamos no começo. Você escreveu para muitas revistas nos anos 1960, passando pela Filmcritica, Film Ideal, e também a Présence du cinéma, os Cahiers, e depois criou a Cinema & Film...

ADRIANO APRÀ: Comecei com a Filmcritica, para a qual colaborei até 1966, quando rompi com o diretor por vários problemas, e fundei a Cinema & Film. Duramos apenas alguns anos, mas acho que ela foi muito influente porque introduzimos conceitos como a semiologia do cinema. Nós lutamos por Rossellini, Straub, que não eram muito considerados naquela época na Itália, e assim por diante. Foi um grande período, e fico satisfeito de e fico contente por isso, mas sentia-me insatisfeito por falar muito sobre filmes que as pessoas não conseguiam ver, então comecei a dirigir um cineclube em Roma...

FOCO: Filmstudio 70.

ADRIANO APRÀ: Sim, Filmstudio. A minha crítica de cinema, portanto, consistia em exibir filmes e ao mesmo tempo colaborar com o Pesaro Film Festival; e, nos anos 1980, fundar o Salso Film & TV Festival, em Salsomaggiore. Depois, nos anos 1990, eu dirigi o Pesaro Film Festival. A minha intenção era sempre fazer com que as pessoas vissem o melhor do que era produzido no mundo. O melhor segundo o meu ponto de vista, obviamente.

FOCO: No Filmstudio havia, após a exibição dos filmes, uma apresentação, uma conversa junto ao público. Houve uma apresentação feita pelo próprio Straub para a exibição de Othon...

ADRIANO APRÀ: Sim. Naquela época, Straub morava próximo ao Filmstudio e o frequentava. Não foi a estreia mundial de Othon, mas quase isso – a primeira vez exibido em Roma foi no Filmstudio, com legendas em italiano. E você sabe, eu atuei nele. É um documento de quando eu era jovem. Eu tinha 29 anos.

FOCO: E que tipo de programação você fez, primeiro no Filmstudio e depois no Salso Film & TV Festival?

ADRIANO APRÀ: Qualquer tipo de filme, desde alguns dos melhores filmes americanos, ao underground, às vezes ao vídeo. No Filmstudio era exibido um filme por dia, três vezes ao dia. Minha regra era: não quero exibir filmes ruins, só os bons.

FOCO: Em retrospecto, essa vontade de exibir coisas diferentes, de diferentes períodos, diferentes escolas (Novo Cinema Americano, Straub, um King Vidor antigo), isso veio do fato de você ter colaborado com diferentes revistas? Você escreveu para muitas que não tinham linhas editoriais semelhantes.

ADRIANO APRÀ: Com certeza. No começo do meu trabalho como crítico eu era muito jovem. Eu tinha 16 anos e estava lendo a principal revista de cinema da Itália, que era a Cinema Nuovo, mas um dia descobri os Cahiers du cinéma. A primeira edição que comprei foi a de dezembro de 1958, edição de natal, que trazia a lista dos melhores filmes da história segundo os Cahiers. O terceiro colocado era Journey to Italy de Rossellini, um título do qual eu nunca tinha ouvido falar. Mais tarde entendi que era Viagem à Itália e fui procurar o que a Cinema Nuovo disse sobre o filme. Não se falou nada sobre ele, o filme não havia sido resenhado. Então comecei a pensar que havia algo errado, em algum lugar. Comecei a ler os Cahiers du cinéma, a colecionar edições antigas, e isso mudou minha maneira de pensar cinema. Um dia pude assistir a Um corpo que cai de Hitchcock, que na época era um diretor desconhecido na Itália, visto no máximo como um diretor de filmes comerciais, e fiquei impressionado com o filme, achei que era o filme mais bonito que já tinha visto, e então mudei minha maneira de ver os filmes. Logo comecei a trabalhar num cineclube onde se exibia um filme por semana, e propus fazer uma retrospectiva de Rossellini apenas para poder ver Viagem à Itália – esse era o meu objetivo. Quando vi esse e outros filmes de Rossellini, me tornei um fanático por Rossellini. E passei o resto da vida o sendo. Então mudei, tornei-me um “cahierista”. Quando li ainda lá o artigo de Michel Mourlet, “Sobre uma Arte Ignorada”, eu me tornei por um curto período um mac-mahoniano. Mais tarde colaborei também com a Présence du cinéma, com um texto curto, nada muito importante. Naquele momento conheci os novos integrantes dos Cahiers du cinéma, como Bernard Eisenschitz, que foi o primeiro crítico francês que conheci na vida. Ele era mais novo do que eu, lembro-me de que na primeira vez que o encontrei em Roma ele devia ter 17 anos, e ainda hoje parece mais jovem. Fiquei impressionado com o conhecimento que ele tinha. Eu tinha 21 ou 22 anos à época. De todo modo, depois conheci Comolli, Fieschi, Narboni, Jean Douchet, toda essa gente. E até hoje sou muito amigo dessa velha geração dos Cahiers du cinéma.

FOCO: Você mencionou antes que, em 1967, em Pesaro, você teve contato com o Novo Cinema Americano. Esse foi um momento de ruptura em relação ao que era visto na época? Levando em consideração o cinema underground e Carmelo Bene, Straub e aquele auge do cinema clássico que ocorria com os filmes de Chaplin, com os filmes derradeiros de Ford, com Gertrud de Dreyer... O Novo Cinema Americano seria uma ruptura em relação a isso?

ADRIANO APRÀ: O momento em que eu descobri o Novo Cinema Americano foi também o momento em que esses velhos diretores estavam concluindo suas carreiras. Eu sempre fui um admirador de John Ford, acho-o um dos maiores diretores do mundo, mas ali estava o seu último filme em 1966, Sete mulheres, uma obra-prima. Ou Howard Hawks. Todos eles. A minha ruptura se deu com o cinema da “Nova Hollywood”, no sentido de que, por um período de cerca de cinco anos, eu não estive interessado no que estava vindo de Hollywood. Então eu descobri a Nova Hollywood um pouco tardiamente, não no momento em que os filmes estavam sendo lançados. Fiz algumas viagens a Hollywood, São Francisco e Los Angeles para ver principalmente o cinema experimental. Um livro muito importante para mim foi Expanded Cinema de Gene Youngblood, que conheço muito bem e é um livro que me influenciou muito. Em 1986, o Torino Film Festival me propôs fazer uma retrospectiva sobre o Novo Cinema Americano em geral, tanto underground quanto documentários e ficção, como Cassavetes ou Robert Frank. Voltei a Nova York para ver mais filmes na época e me envolvi [com esse cinema] por uma segunda vez. Publiquei um livro, fiz a curadoria de um livro com esse tema, cujos principais ensaios estão publicados no meu blog. Eu estava muito curioso pela reação de uma geração nova que chegou depois, porque, em 1986, isso era visto como algo “histórico” e a reação foi incrivelmente boa. Fiquei muito feliz com esse programa. Ainda hoje dizem que me interesso mais pelo que tem algo de experimental, a pesquisa de uma nova linguagem.

FOCO: Você escreveu bastante sobre alguns desses cineastas, como Snow e Warhol. Você entrevistou Michael Snow...

ADRIANO APRÀ: Eu o conheci em 1972 no Pesaro Film Festival. Eu estava pesquisando para um programa sobre o Novo Cinema Americano para Pesaro e terminei exibindo apenas Michael Snow. Ele veio e fiquei muito satisfeito de conversar com ele. Há uma entrevista que fiz com Snow em Nova York no meu blog. Gosto muito de Michael Snow, um grande diretor. Um grande artista, aliás.

FOCO: Inicialmente, então, foi Michael Snow. Há também um longo texto sobre Warhol em seu site.

ADRIANO APRÀ: Publiquei um livro sobre Warhol. O que está no meu blog são ensaios que escrevi sobre ele. Eu os escrevi junto com um amigo, Enzo Ungari. Sim, Warhol foi uma descoberta que fiz no começo dos anos 1970 no Filmstudio. Pude programar alguns dos seus filmes, que na verdade eram cópias piratas, porque na época Paul Morrissey havia proibido a exibição dos filmes de Andy Warhol. Vi algumas coisas de passagem pela Alemanha, mas não muitas, então escrevi o livro conhecendo uma parte pequena do seu trabalho. Com o passar dos anos vi muito mais. Porém, naquele tempo se tratava muito mais de sonhar com os filmes do que vê-los de verdade. Por exemplo, eu não tinha visto Chelsea Girls quando escrevi o livro.

Eu conheci muitos desses diretores. Em Roma, conheci Gregory Markopoulos nos anos 1960, após Pesaro; ele estava vivendo por um curto período na Itália. Encontrei Jonas Mekas várias vezes. Nunca conheci Stan Brakhage: só o vi em Nova York no Millennium Film Forum, quando ele estava dando duas palestras, muito interessantes, mas não falei com ele. Também conhecia muito bem Ernie Gehr, Ken Jacobs e Kenneth Anger, a quem convidei para o Salso Film & TV Festival para selecionar alguns filmes hollywoodianos, da “Babilônia hollywoodiana”[5], digamos, e ele veio e foi muito bom. Quando estive em Los Angeles ele me convidou para a sua casa, que era uma casa muito estranha porque era uma casa ocultista, e lembro que os quartos eram todos vermelhos, azuis, algo assim, parecia mais um museu do que uma casa de verdade. Eu fiz muitas coisas na minha vida...

FOCO: Como foi para alguém que escreveu para revistas como Présence du cinéma, onde se tinha um gosto muito particular de filmes e se defendia tipos muito específicos de cineastas, passar de repente a escrever sobre Andy Warhol, Stan Brakhage, e não apenas escrever mas defendê-los, enxergar esses filmes como significativos. Como foi esse processo?

ADRIANO APRÀ: O meu mac-mahonismo durou um período muito curto. Foi quando estive envolvido com os Cahiers e li o texto de Michel Mourlet – a quem conheci e com quem conversei – em que ele rejeitava Rossellini, rejeitava Hitchcock, sem falar de Eisenstein, e ficava só com Preminger, Losey, Lang, Walsh e alguns outros. Vi recentemente, por exemplo, As aventuras de Hajji Baba de Don Weis. É bom, mas nada que tenha a ver com o grande cinema. Então aquele foi um curto período no qual eu rejeitava, por exemplo, Antonioni, obviamente, porque não era “puro”. Mas foi um erro, um erro di gioventù. Lang eu admirava enormemente. Gosto muito de Preminger, gosto muito de Walsh, mas eu gosto de John Ford, gosto de Hawks... Não posso fazer esse tipo de seleções drásticas, sou incapaz, gosto de todos os grandes filmes, todos os melhores diretores do cinema mundial, embora eu tenha algumas idiossincrasias. Por exemplo, é o caso de Tarkovski, ou uma parte de Fellini. Mas em geral, tenho um gosto abrangente. Um gosto seletivo, porém abrangente.


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FOCO: É importante para você então uma abrangência, visando a todos os tipos de filmes, mesmo que se deva ser rigoroso em relação ao que se destaca. É importante ter contato com todo tipo de cinema.

ADRIANO APRÀ: Sim, especialmente agora, com uma videoteca abrangente com a qual podemos ver filmes que nunca vimos antes. Por exemplo, recentemente descobri um grande diretor alemão, Helmut Käutner, que é um diretor muito interessante; e o descobri recentemente, antes de lembrar que tinha visto um filme dele do qual tinha gostado bastante, mas nada além disso. Mas agora a maioria dos seus filmes está disponível com legendas e é possível assisti-los. Este ano, no fim de junho, meu amigo Olaf Möller fará uma retrospectiva Helmut Käutner – que não é desconhecido, devo dizer, mas não é considerado tão grande quanto realmente é[6]. Para Olaf Möller, ele é o melhor diretor alemão de todos os tempos. Eu não penso assim, mas é um dos melhores. Também descobri um cineasta japonês, Hiroshi Shimizu, que é um dos maiores diretores japoneses. Ele trabalhou principalmente no período mudo e nos anos 1930, começo dos 1940. Realizou uma enorme quantidade de filmes. De cerca de cem filmes eu vi quinze, todos muito bons. Acho que ainda hoje é possível descobrir obras-primas desconhecidas. Eu propus para o próximo Pesaro Film Festival um programa bem curto chamado “Quem os viu?” [“Who Has Seen Them?”]. Obras-primas desconhecidas. Selecionei quatro títulos que eu acho que são desconhecidos. Um de um diretor japonês chamado Kōzaburō Yoshimura; um cujo título não lembro, o diretor é desconhecido; outro de um diretor sueco chamado Per Lindberg; e outro de um diretor tcheco, Antonín... não sei, algo assim. Lindberg era principalmente diretor de teatro e fez dez ou doze filmes, dos quais eu vi alguns – três ou quatro –, e são filmes maravilhosos. Yoshimura é alguém que fez uma enorme quantidade de filmes, como muitos diretores japoneses. Eu só vi três de seus filmes, dos quais dois são muito bons e um é uma obra-prima. Onde estão os outros filmes? Quem conhece o nome dele? Quase ninguém. Além dele, eu também exibiria os filmes de um diretor tcheco, de quem eu não lembro o nome agora, mas que era um diretor de teatro e fez três filmes, entre eles um que é uma obra-prima e outro que é muito interessante. De todo modo, eu faço isso porque acho que, ainda hoje, a história do cinema pode ser aprimorada, e que hoje isso é possível por causa da disponibilidade – os filmes estão na internet, em DVD. Não todos: por exemplo, esse filme do diretor sueco, precisei pedir a esse diretor para me enviar uma cópia em DVD, sem legendas, apenas com uma sinopse. Mas esse filme é realmente difícil de se achar; nós precisamos escrever para o Svenska Filminstitutet (Instituto Sueco do Cinema) para conseguir uma cópia com legendas. Eles fizeram para mim o DVD, logo você vê como é algo que está escondido.

FOCO: Você sabe se esses diretores são conhecidos em seus países?

ADRIANO APRÀ: Até onde eu sei, não, mas não posso afirmar. Na história do cinema eles nunca são mencionados.

FOCO: Essas descobertas foram feitas em festivais de cinema e retrospectivas ou principalmente através da internet?

ADRIANO APRÀ: Não, através de trocas de DVDs com amigos. A minha coleção de DVDs é feita através de trocas com amigos, colecionadores. Foi no meio disso que eu encontrei esses filmes.

FOCO: Você se lembra da última vez que fez descobertas desse tipo através de festivais ou retrospectivas?

ADRIANO APRÀ: Na verdade, não. Acho que as minhas descobertas são através da minha coleção de DVDs, porque eu tenho muitos deles, sou um colecionador. Compro muitos filmes que nunca vi e aos poucos, quando os vejo, tenho uma surpresa. E escrevo para algum amigo meu de fora sempre com o mesmo pedido: “Envie-me uma lista de títulos que em sua opinião são obras-primas desconhecidas.” Eles respondem com uma lista de filmes que são desconhecidos para mim.

FOCO: Existe então uma comunidade. Um grupo de pessoas interessadas em fazer isso.

ADRIANO APRÀ: Como Olaf Möller na Alemanha, Miguel Marías na Espanha, Jonathan Rosenbaum nos Estados Unidos...

FOCO: Esse processo de descoberta de obras-primas desconhecidas, isso pode não acontecer tão rápido ou tão frequentemente quanto gostaríamos, mas às vezes acontece. Ao mesmo tempo, há trabalhos que parecem sair de moda ou do gosto dos críticos. Existem filmes ou diretores que você gostaria, digamos, de rebaixar?

ADRIANO APRÀ: Em geral? Não. Acho que a grande remoção foi feita nos anos 1950 e 1960, quando uma nova geração releu a história do cinema, especialmente os franceses. Por exemplo, o período inicial de René Clair foi removido do panteão, e eu concordo com isso; eu sei muito bem que René Clair tinha atingido seu limite, que ele tinha feito alguns bons filmes, como Quatorze Juillet, mas que havia sido superestimado. Eu me lembro de quando era muito jovem e ele era considerado como um Chaplin, o que não tem cabimento. O mesmo com Marcel Carné. Estou me referindo aos primórdios dos anos 1960. Então ele foi removido do panteão, Vsevolod Pudovkin foi removido do panteão, e por aí vai. Mas depois disso uma das pessoas removidas do panteão foi Pabst, que eu acho que fez filmes muito bons. Ele teve uma carreira irregular, filmou durante o cinema mudo e fez bons filmes, e nos anos 1930 teve alguns problemas. Depois da guerra ele foi quase esquecido, mas eu acho que nós exageramos um pouco, porque ele era muito bom. Depois disso, acho que os novos nomes que foram estabelecidos nos anos 1960, como Hitchcock, Hawks, os novos autores descobertos pelos Cahiers du cinéma ainda estão aí, acho que eles acertaram em relação aos americanos. Você pode me dar mais exemplos?

FOCO: Você disse algumas vezes que tem problemas com Fellini. Mas você diria que a crítica deveria falar menos de Fellini por causa disso? Você acha que ele não foi tão importante quanto Rossellini, por exemplo?

ADRIANO APRÀ: Eu não diria que se deve falar menos. Eu diria que há um excedente de livros sobre Fellini e não o suficiente sobre Rossellini. Mas isso é o meu gosto pessoal. Eu nunca pensei sobre por que há diretores que são considerados muito bons dos quais eu não gosto ou não tenho sentimentos, como Tarkovski. Eu não tenho nada contra ele, não há nada de ruim entre eu e Tarkovski, entre eu e algumas obras-primas de Fellini, como Oito e meio e Amarcord. Eu também não gosto muito de Sokurov, que é uma espécie de pupilo de Tarkovski.

FOCO: Em relação a essa ideia de “crítica negativa”, que, por exemplo, foi praticada pelos franceses nos anos 1960, e que dizia não a Pudovkin, Pabst, René Clair, em relação a isso você diria que no futuro provavelmente alguém dirá “bem, devemos dar uma olhada de perto nos filmes de Pudovkin”?

ADRIANO APRÀ: Mas isso nunca aconteceu!

FOCO: Eles consolidaram com isso então uma história particular do cinema. Estabeleceram quais seriam os principais nomes, as grandes conquistas, as questões importantes. O que aconteceu fora disso impôs problemas a esses críticos, como no caso das vanguardas, porque não estavam interessados nesses filmes como estiveram em Hitchcock ou Rossellini. Isso levou você a se interessar em algum momento pelas discussões mais voltadas para filmes de vanguarda tais como as que aconteciam em revistas como Film Culture, Millennium Film Journal e October?

ADRIANO APRÀ: Sim, eu conheço todas elas, claro. Eu lia regularmente a Film Culture, porém menos a Millennium. Tenho alguns números da Millennium, mas tenho a coleção completa da Film Culture. Bem, na Film Culture, por exemplo, foi onde eles publicaram pela primeira vez o dicionário de Andrew Sarris sobre o cinema americano. Ele antes era um cahierista, o cahierista americano, mas como ele conhecia muito bem o velho cinema americano, o cinema americano sonoro, eu fui muito influenciado pela sua seleção de filmes, que era a melhor. Muitas vezes os filmes de que ele falava eram muito difíceis de se assistir. Lembro-me de quando fui a Nova York. Eu era amigo de Adrienne Menschel que na época era curadora do Museum of Modern Art, e eu pedia a ela para me mostrar alguns dos filmes que Andrew Sarris destacava no seu dicionário.

FOCO: Você manteve contato com críticos como P. Adams Sitney e Annette Michelson?

ADRIANO APRÀ: Sim. Eu encontrei recentemente P. Adams Sitney na Itália, há alguns meses, e nós falamos bastante sobre nossas carreiras, foi muito bom. Annette Michelson, eu a conheci, nós conversamos, e ela me convidou para ir ao Underground Film Festival, que não era um festival realmente. Foi em Montreux, na Suíça. Ela estava exibindo o melhor do novo cinema underground americano experimental e me convidou. Acho que isso foi em 1972. Mas mantive contato com Annette e Sitney.


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FOCO: O que você acha do fato de a maioria dos críticos dos Cahiers não ter entrado em contato com eles ou pelo menos não ter demonstrado tanto interesse nisso?

ADRIANO APRÀ: Eu realmente não consigo entender por que os Cahiers du cinéma nunca se interessaram por esse cinema – exceto por Andy Warhol, por alguns filmes narrativos de Andy Warhol, não todos eles. Não consigo entender por quê... Essa é uma das coisas que repreendo nos meus velhos amigos dos Cahiers du cinéma. Eu falei com eles sobre isso, eles não responderam, eles realmente não responderam. Eu me lembro de conversar com Daney sobre cinema de vanguarda e ele não estava interessado, o que me surpreendeu[7]. Por outro lado, muitos dos que falavam sobre cinema de vanguarda falavam apenas disso. Alguém como Raymond Bellour, na França, é um dos raros críticos de cinema que é capaz de falar ao mesmo tempo sobre vanguarda – ele conhece muito bem o cinema de vanguarda – e cinema clássico, e ele consegue louvar ambos. Ele é parecido comigo, embora seja mais interessado em teoria do que eu. Não sou muito interessado em teoria, mas em termos de filmes nós dois conseguimos gostar ao mesmo tempo de Hitchcock, Minnelli, o cinema underground, o vídeo experimental, o que é raro.

Lembro-me de quando descobri o vídeo em um lugar chamado The Kitchen, um dos primeiros a exibir vídeos nos anos 1970. Quase todos os críticos de cinema eram contra o vídeo e os críticos de vídeo eram contra o cinema. Eu gostava muito do que estava sendo feito em vídeo e lembro-me de conversar com alguns críticos de vídeo que só se interessavam em vídeo, que não conseguiam ver a relação entre filme de vanguarda e vídeo de vanguarda – o que aos meus olhos era completamente óbvio, mas eles estavam ligados apenas no vídeo. Não conseguiam ver que era possível relacionar essas coisas, por isso encontrar alguém que era capaz de entender tudo – cinema experimental, cinema clássico, vídeo – era muito raro, e Raymond Bellour era um deles. Tinha outro, que eu não consigo lembrar.

FOCO: Ele é da mesma geração que Bellour?

ADRIANO APRÀ: Não, ele é de fora dos Cahiers, de fora da Positif, era bem isolado. Ele escreveu alguns livros...

FOCO: Dominique Noguez?

ADRIANO APRÀ: Sim, ele mesmo. Eu o conheci muito bem.

FOCO: Há uma história interessante, não sei se verdadeira ou não. Quando Godard estava começando a fazer o seu História(s) do cinema, ele tinha acabado de ler um ensaio de Hollis Frampton, chamado “Por uma metahistória do filme”, e tentou entrar em contato com Frampton, acho que através de Serge Daney. E só então Godard descobriu que Frampton estava morto há cerca de cinco anos. Ele sequer sabia disso. Frampton é um dos últimos nomes a aparecer na tela em História(s) do cinema.

ADRIANO APRÀ: Eu não tinha notado.

FOCO: O projeto das História(s) do cinema de certa forma já está sugerido nesse ensaio.

ADRIANO APRÀ: Gostaria de ler esse ensaio do Hollis Frampton, porque gosto muitíssimo do seu Zorns Lemma. É uma das obras-primas do cinema experimental.

FOCO: Retomando a questão do vídeo: alguns dos cineastas americanos da vanguarda se interessaram pelo vídeo, porém alguns, como Kubelka ou Brakhage, eram completamente contra o vídeo. Acho que alguém como P. Adams Sitney permaneceu próximo a Brakhage nesse sentido.

ADRIANO APRÀ: Mas era inevitável mudar. Alguém como Ernie Gehr, que era tão rígido quanto Brakhage ou Kubelka, está agora fazendo vídeos, porque o problema agora é conseguir filmes 16 mm. É difícil achar, praticamente ninguém produz mais.

FOCO: Brakhage, no final da vida, concordou em disponibilizar seus filmes em DVD. Acho que Fred Camper supervisionou o processo. Kubelka ainda não se interessa por isso, diz que seus filmes perderiam muito com a transposição. Em contrapartida, é curioso que alguém como Gehr, mesmo fazendo filmes digitais, não disponibilize nesse formato os filmes que fez em 16 mm.

ADRIANO APRÀ: Eu sei. Eu me lembro de um encontro entre Pip Chodorov e Ernie Gehr, e eu estava com eles. Pip Chodorov tentou convencer Gehr a deixá-lo lançar seus filmes em DVD. E de fato, não tenho nada de Ernie Gehr. Eu conheço seus filmes, conheço-o pessoalmente, mas eles não estão disponíveis em DVD.

FOCO: Eles estão disponíveis numa qualidade muito ruim na internet. Com relação aos críticos de vídeo não se darem bem com os críticos de cinema, você sempre buscou lidar com o cinema experimental e o narrativo da mesma maneira, ou você pensa que deve haver diferenças na maneira de se lidar com esses tipos de obras?

ADRIANO APRÀ: Não faço distinções, porque o cinema underground é apenas um tipo diferente de cinema. Abordo-os da mesma forma. Não sei bem o que dizer... Talvez fosse preciso outra pessoa ler o que escrevo para dizer se nota diferenças nas formas de abordar esses temas. Um exemplo: é quase impossível falar sobre filmes underground em termos de análise, porque é impossível de traduzir em palavras e é difícil de memorizar, exceto alguns filmes estruturais que são mais fáceis de descrever. Por outro lado, como falar de Brakhage? Eu não sei. Posso falar de forma geral – bem geral. É diferente de como se fala, por exemplo, num certo tipo de crítica de vídeo. Bem, é difícil aplicar certas análises a um filme de Brakhage porque é um fluxo de imagens, algo no qual não se consegue isolar cenas ou o que quer que seja, é um fluxo de imagens. É algo diferente.

FOCO: E parte da crítica de cinema tende a postular diferenças baseada no “status” social do filme. O fato de, por exemplo, um filme de Brakhage não ser exibido comercialmente. Brakhage não é tratado seriamente nesse caso porque seus filmes seriam apenas para outros artistas.

ADRIANO APRÀ: Sim, mas, você sabe, não estamos aqui falando da crítica de cinema convencional. Eles só estão interessados no que está sendo exibido nos cinemas, não falam sobre coisas diferentes que não se relacionam com o jornalismo. Estão interessados em dar informações sobre o que está acontecendo. Nós falamos sobre a crítica de cinema de verdade, que também é uma tentativa de tornar conhecidos filmes desconhecidos.

FOCO: Em relação ao que você estava dizendo, que a crítica de cinema não é jornalismo: você não diria que algumas revistas, incluindo os Cahiers du cinéma, possuíam alguma relação com o jornalismo? Não em relação à qualidade do texto, mas ao fato de lidarem com filmes que estavam sendo lançados comercialmente. Eles não lidavam com, por exemplo, Brakhage, porque não estavam interessados no fato de que Brakhage fosse bom, ou original, ou qualquer outro critério positivo. Estavam interessados, digamos, em John Ford, Alfred Hitchcock. A perspectiva a respeito da criação nos filmes parecia muito relacionada ao fato de tratar-se de uma indústria. Há uma citação de Bazin na qual ele diz que “a verdadeira vanguarda é Jean Renoir”. Segundo Bazin, cineastas como Hans Richter, pelas próprias características dos filmes que produziam, não teriam quaisquer seguidores. Renoir seria a verdadeira vanguarda porque, devido ao fato de ser comercial, as pessoas poderiam ver o que ele estava produzindo, logo, o tipo de inovação que Renoir estava fazendo poderia ter um efeito real na história do cinema[8].

ADRIANO APRÀ: Talvez essa citação de Bazin possa ser a explicação para o porquê de os Cahiers não terem lidado com o underground americano. Por exemplo, há um filme francês de que gosto muito de Isidore Isou, que é o elo perdido em relação a Godard. Eu não sei se Godard viu esse filme, mas para mim é um elo perdido.

FOCO: Traité de bave et d’éternité.

ADRIANO APRÀ: Eu acho esse filme maravilhoso. Havia uma exceção entre os críticos, Olivier Assayas, que escreveu um livro, um pequeno livro sobre In girum imus nocte et consumimur igni, de Guy Debord. É uma exceção entre os críticos dos Cahiers, da segunda geração dos Cahiers.

FOCO: Éric Rohmer escreveu uma crítica sobre Isou na única edição dos Cahiers dedicada à vanguarda. Mas ele não parece ter gostado do filme.

ADRIANO APRÀ: Bem, essa é a diferença entre eu e os Cahiers. [Risos] Não, eu entendo, mas a situação nas artes plásticas é completamente diferente. As vanguardas, digo, as pinturas experimentais, trabalhos, instalações são muito louvadas. Visitei um museu perto de Belo Horizonte, bem aberto, cheio de construções com obras de arte que são pura vanguarda. E isso é mostrado para milhões de pessoas. No cinema, é completamente diferente. Todos esses tipos de cinema são marginalizados, sem valor comercial, mas é a mesma coisa que é feita em outros meios. Outra coisa: muitos artistas reconhecidos hoje usam vídeo nos seus trabalhos. O Museum of Modern Art de Nova York tem uma coleção de filmes de vanguarda que são regularmente mostrados nos seus programas. Mas isso é nos Estados Unidos; em outros países é um pouco diferente. De todo modo, alguma coisa está mudando quanto à situação do cinema de vanguarda, na forma como é lançado.

FOCO: Peter Wollen escreveu em 1975 um artigo chamado “As duas vanguardas”, no qual ele falava algo relacionado ao que estamos discutindo aqui, o fato de que os Estados Unidos tinha cineastas experimentais lidando com questões muito específicas, conseguindo financiamento principalmente através de museus, subsídios de universidades etc., enquanto, na Europa, Godard estava lidando com outras coisas. Ele fala sobre isso e diz que há questões políticas envolvidas, não apenas diferenças estéticas.

ADRIANO APRÀ: Eu conheço muito bem Peter Wollen e me lembro desse texto. Concordo com a ideia de “duas vanguardas”. Não me lembro exatamente ao que ele se referia, mas de qualquer forma lembro de concordar com o tema. Eu concordo com a maioria das coisas que ele escreveu, na verdade. Ele era muito bom – ele ainda é, continua vivo.

FOCO: Mencionamos esse artigo do Peter Wollen porque o tema da revista que estamos preparando concentra-se nesse problema. Por isso perguntamos sobre essas coisas. Interessamo-nos pelo fato de se poder ver todos os tipos de cinema.

ADRIANO APRÀ: Essa é a minha ideia, porque, como eu disse a vocês, eu acho que a maioria dos melhores filmes que estão sendo produzidos no mundo hoje está do lado experimental.

FOCO: Há uma coisa sobre a questão das duas vanguardas, que é a seguinte: alguns críticos ou pesquisadores que se dedicam ao cinema experimental, por exemplo, não parecem ter critérios, tudo parece igualmente bom ou importante, e tudo acaba sendo tratado de maneira condescendente.

ADRIANO APRÀ: Não têm uma seleção.

FOCO: Sim, exato. Não fazem uma seleção. Isso talvez cause uma má impressão nas pessoas que estão fora desse círculo, porque quando se vê um filme de que não se gosta, é preciso dizer, e dizer quais os filmes bons para que as pessoas possam trilhar algum caminho.

ADRIANO APRÀ: Sim, é preciso fazer seleções. Hoje há um excedente de supostos filmes bons.

FOCO: Isso é precisamente o que pensamos! [Risos]

ADRIANO APRÀ: Sempre estão pensando sobre obras-primas que não são obras-primas.

FOCO: Há uma obra-prima por semana. Mesmo nos anos 1950 é difícil se pensar em uma obra-prima por semana.

ADRIANO APRÀ: Nos anos 1950 havia menos filmes e entre eles era mais fácil encontrar um realmente bom. Hoje há muitos filmes e, claro, muitas obras-primas, obras-primas forçadas.

FOCO: É como a contraparte do que falávamos sobre as obras-primas desconhecidas. Existe um grande diretor italiano, por exemplo, cujos filmes são pouco discutidos: Franco Piavoli.

ADRIANO APRÀ: Ah, maravilhoso Franco Piavoli! Esse é um dos maiores diretores italianos. Agora ele está muito velho, mas ele fez alguns poucos filmes e todos são obras-primas. Eu gosto muito dele.

FOCO: É muito pouco mencionado...

ADRIANO APRÀ: E é acessível, porque os filmes dele não precisam de legendas, não têm diálogos, então é possível assistir sem problemas.

FOCO: Em Portugal há um casal de cineastas, Joana Torgal e Rodolfo Pimenta, que trabalham em colaboração, como Danièle e Jean-Marie. Fizeram um filme chamado Wolfram, a saliva do lobo. Há também essa realizadora, Manuela Serra, que fez um filme chamado O movimento das coisas, seu único filme, feito em 1985, que circulou apenas em Portugal. Uma obra-prima. Infelizmente esses filmes parecem não existir, não se fala sobre eles. A crítica de cinema ainda tem muito a fazer, muito em que trabalhar. A primeira coisa é mostrar esses filmes, mas também é preciso dizer por que são importantes, localizá-los.

ADRIANO APRÀ: Ainda é possível encontrar na história do cinema obras-primas desconhecidas. Estou certo disso.


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FOCO: Você mencionou a ascensão da mídia digital, e explicou a ideia do critofilm. Quão importante é para você a ideia de uma crítica que não seja simplesmente escrita, mas que também inclua imagens em movimento e sons? Você diria que a passagem da escrita para a crítica digital é inevitável, necessária ou é apenas uma nova maneira de falar dos filmes?

ADRIANO APRÀ: Obviamente é uma nova maneira de se falar de filmes. Mas acho que é inevitável por causa da cultura digital. E imagino que, por exemplo, considerando que um dos principais problemas para a crítica visual são os direitos de imagem, acredito que em primeiro lugar, no campo educacional, esse problema possa ser superado, porque você está apenas ensinando numa sala de aula com o auxílio de imagens. Você pode não apenas mostrar trechos de filmes – que é algo regularmente feito nas universidades – mas também construir todo um discurso com a ajuda de imagens.

Amanhã darei uma masterclass sobre Antonioni, e construí essa masterclass no PowerPoint de uma forma que tenho que falar muito pouco, quase nada, apenas com imagens a serem vistas – tudo muito claro. Muito mais claro do que eu dizendo “Nesta cena de Antonioni...” e as pessoas dizendo “Que cena? Eu não vi, eu não entendo o que você está falando”, por exemplo[9].

FOCO: Você falou muito sobre a vanguarda americana. Alguns daqueles críticos e cineastas estiveram em contato com a vanguarda britânica (e algumas vezes entraram em discussões acaloradas com eles: penso especialmente em Peter Gidal e Malcolm Le Grice[10]). O que você acha da cena de vanguarda em outros países? O que pensa, por exemplo, da vanguarda na França, na Alemanha, no Japão? Eles têm uma tradição tão rica quanto a americana?

ADRIANO APRÀ: Bem, eu vi filmes de vanguarda que não eram americanos, porém isso faz muitos anos, então não estou atualizado em relação ao que está sendo feito ultimamente. Naquele tempo eu não gostava, não me interessei no que os franceses e os ingleses estavam fazendo, não vi qualquer coisa original em relação ao que a vanguarda americana fazia. A vanguarda francesa, até onde eu sei, não tem nada de interessante. Havia alguma coisa na vanguarda alemã, como Werner Nekes, que eu gostei. A Áustria anda apresentando muitos bons cineastas recentemente, como Peter Tscherkassky, e eu gosto do que Gustav Deutsch está fazendo até hoje. Martin Arnold também. Mas eles não são recentes, eles trabalharam nos anos 1980, 1990...

FOCO: Nos anos 1960 e 1970 os cineastas alemães e austríacos eram Kurt Kren...

ADRIANO APRÀ: Eu tenho problemas com Kurt Kren, tenho de admitir.

FOCO: Há também um casal, Birgit e Wilhelm Hein, e outro cineasta dessa geração, chamado Klaus Wyborny.

ADRIANO APRÀ: Conheço-o de nome, mas nunca pude ver os filmes.

FOCO: Ele fez uma série chamada Histoire du cinéma.

ADRIANO APRÀ: Acho que eles estão na filmografia que eu organizei, mas eu não vi. Gustav Deutsch fez critofilms maravilhosos.

FOCO: Você mencionou o filme de Isidore Isou, Traité de bave et d’éternité, e o descreveu como sendo “um elo perdido” entre a vanguarda e Godard. Você diria que o papel da crítica hoje seria estabelecer esses elos perdidos? Preencher as lacunas deixadas na história do cinema?

ADRIANO APRÀ: Sim. A mesma coisa vale para os filmes de Guy Debord, que estiveram indisponíveis por muitos anos, e agora estão disponíveis depois de sua morte. E, obviamente, você pode ver que ele fez algo relacionado com o que outras pessoas fizeram no período. Ontem eu exibi Verifica incerta. Eu não sei se Grifi e Baruchello viram os filmes de Guy Debord, mas senti que havia ali uma conexão.

FOCO: Em 1976, Peter Kubelka organizou em Paris um programa chamado “Uma História do Cinema”. Na sua seleção constam majoritariamente filmes vanguardistas; mas alguns nomes se destacam por serem frequentemente associados à narrativa. Por exemplo, Philippe Garrel e Chantal Akerman. Quão importante você diria ser a junção desses tipos diferentes de filmes? Ou melhor, essa tentativa de ligar o que o sistema industrial e mesmo a crítica tende a separar?

ADRIANO APRÀ: Quando eu estava muito envolvido com o cinema de vanguarda, nos anos 1970 e 1980, estive completamente dedicado a isso, mas depois disso... Lembro-me de que o problema com críticos vanguardistas era que eles excluíam tudo que era produzido dentro da indústria. E eu não concordava de jeito nenhum. Lembro-me da única vez que eu vi Stan Brakhage: ele estava fazendo duas conferências incríveis no Millennium Film Forum em Nova York e mencionou algo que para ele, obviamente, era a prova da ignorância do sistema: disse que conseguiu um grande prêmio nacional junto com John Ford. Para mim foi maravilhoso e genial colocar John Ford e Stan Brakhage juntos; para Stan Brakhage foi um insulto. Não concordei de jeito nenhum. Peter Wollen no seu artigo mencionava Brakhage, Warhol, Kubelka e assim por diante, na primeira vanguarda; e na segunda vanguarda mencionava Godard, Straub, Garrel, Akerman. Ontem eu falei sobre vanguarda hard e soft, o que é algo semelhante, e acho mais importante conectar essas duas, porque são a mesma coisa. Trabalham em campos diferentes, mas com o mesmo espírito: inventar o cinema. Você não pode separá-las[11].

FOCO: É curioso, porque há duas coisas sobre Brakhage. A primeira é que na Universidade do Colorado, onde ele foi professor, existem vários registros em áudio de suas aulas[12], e algumas são sobre cineastas narrativos como Fritz Lang, Orson Welles, Luis Buñuel. Ele parecia gostar desses cineastas. Nessa ocasião que você mencionou ele talvez estivesse “marcando sua posição” como um cineasta de vanguarda, mais do que expressando seu verdadeiro gosto cinematográfico. E a outra coisa é que, recentemente, um ex-aluno de Stan Brakhage na Universidade do Colorado postou na internet uma lista de filmes que faziam parte de suas aulas nos anos 1990. O que Brakhage fazia era mostrar, toda semana, um filme de longa-metragem narrativo e comercial, e logo depois disso um ou dois filmes experimentais. Então toda a discussão transitaria entre esses filmes.

ADRIANO APRÀ: Na verdade, a lista de filmes selecionados pela Anthology Film Archives não é apenas vanguardista. A maioria sim, mas existem muitos filmes narrativos como os de Dreyer, Rossellini... Às vezes a seleção é curiosa, Bresson está lá, Buster Keaton, Chaplin, Eisenstein, e assim por diante. Eu não sei se ampliaram essa lista agora[13].

FOCO: Essa lista parou na década de 1970. A respeito das duas vanguardas, é curioso porque entramos em contato com dois críticos americanos que são principalmente associados a filmes de vanguarda, e eles tiveram reações opostas a ela. A reação positiva foi de Fred Camper: ele se interessa muito em fazer essa ligação entre as duas vanguardas. Ele concorda com você, e disse que “é isso que devemos fazer, devemos ligar os dois grupos.” A outra reação foi negativa, de P. Adams Sitney. Numa resposta por e-mail ele disse que não concordava com Peter Wollen, achava que a questão das duas vanguardas era despropositada e ficou incomodado em saber que estavam tentando trazê-la de volta, por assim dizer[14].

ADRIANO APRÀ: Isso é estranho, porque ano passado eu encontrei P. Adams Sitney, que conheci no passado, mas ele publicou um livro sobre neorrealismo, um livro muito bom, e perguntei a ele: “Eu pensei que você só se interessasse por filmes de vanguarda”, e ele disse: “Não, não!” E se ele escreveu um livro sobre neorrealismo, acredito que deva aceitar muitos filmes similares...

FOCO: Sitney de fato escreve sobre filmes que pertencem à “outra vanguarda”. Além do livro sobre cinema italiano (Vital Crises in Italian Cinema), ele escreveu outros dois: Modernist Montage, no qual fala sobre Brakhage e Frampton, mas também sobre Dreyer, Bresson, Straub; e seu mais recente, chamado The Cinema of Poetry, em que fala de Pasolini e Tarkovski entre outros.

ADRIANO APRÀ: Estranho ele ter rejeitado sua proposta e a ideia das duas vanguardas.

FOCO: Ontem, durante sua conversa na universidade, você mencionou que o cinema, como visto popularmente, pertenceria à “era industrial”, e que hoje, com as tecnologias digitais, estaríamos entrando numa “era circular”, na qual o cinema parece menos central nas nossas vidas. Por conta disso, cineastas que trabalham na indústria estariam encarando uma crise, e os filmes mais interessantes estariam nas margens. Você poderia elaborar mais sobre isso?

ADRIANO APRÀ: Não que o cinema seja menos central, mas é considerado de forma diferente. Hoje eu procuro por filmes pela internet, em DVDs. Existem muitos cinemas independentes exibindo filmes que não ficam em cartaz nos cinemas comuns. Isso é algo que acontece na Itália, mas acho que também acontece por todo o mundo. É um novo jeito de conceber o cinema.

Quando estive no Rio de Janeiro, vi no Museu do Amanhã telas incríveis que são cinema, mas de uma forma diferente; são como megainstalações, e esse é um novo jeito de conceber o cinema. Não se trata, portanto, apenas dos filmes como filmes, exibidos em um lugar diferente das salas de cinema convencionais. Isso influencia o modo como os filmes são feitos, que pode ser diferente da ideia linear do cinema, tanto narrativo como de vanguarda, que são sempre lineares. Então você pode considerá-los de modo interativo. Isso é algo que a indústria do cinema não entendeu, tais mudanças: a maneira como os filmes são feitos, como são exibidos, vai além do cinema. Cinema expandido é um livro muito importante escrito por Gene Youngblood, de que gosto muito, e que realmente entendeu tudo isso muito cedo, pois ele o escreveu em 1970. É um livro muito atual.

FOCO: O crítico literário canadense Northrop Frye disse algo que se conecta com o que você disse: que a literatura está para as ciências humanas como a matemática está para as ciências naturais, no sentido de que tudo que os matemáticos descobrem, todos os métodos utilizados por eles podem ser usados por físicos ou químicos. Então cada técnica, cada estrutura descoberta pela literatura pode ser usada por historiadores, sociólogos e assim por diante. Você acha que algo semelhante é necessário em termos de imagens e sons, tendo em vista que todo tipo de tecnologia de imagem em movimento de que você falou – digamos, filmes comerciais, instalações, documentário para TV –, todas usam imagens em movimento. Nesse sentido, um crítico de cinema deveria ter a mesma relação com essas áreas?

ADRIANO APRÀ: Sim, hoje um crítico de cinema deve estar aberto a tudo que está acontecendo, porque estamos em um momento excitante de redescoberta do cinema. É uma pena eu estar velho demais agora, pois eu gostaria de me envolver mais para fazer algo. Mas é tarde demais, eu tenho 77 anos.

FOCO: É curioso porque entramos em contato com várias pessoas sobre a questão das vanguardas e algumas das que estavam mais interessadas em contribuir foram as de mais idade, como você e Camper. Muitos da nossa geração não parecem se interessar ou dizem coisas que não têm grande importância em relação a isso.

ADRIANO APRÀ: Mas veja, Godard ainda hoje está na vanguarda, e tem 86 anos; Straub também, ele tem 84 anos. É nosso dever: servir-nos da nossa experiência para ensinar aos jovens a descrever o mundo de hoje, e não só o passado. As coisas que acontecem agora.

FOCO: E seus alunos, eles se interessam por isso como deveriam?

ADRIANO APRÀ: Não muito. Eles estão nos seus trinta anos agora, interessam-se por novidades. Mas, obviamente, a maioria das pessoas ainda está amarrada à ideia antiga do cinema, os filmes narrativos, o que está passando nos cinemas. É isso o que levam em consideração, mas na verdade isso é apenas uma parte do que o cinema realmente é feito.

FOCO: Quando se pensa sobre imagens em movimento em geral, pode-se diferenciar essas imagens que são obras de arte daquelas de um programa de TV, onde na maioria das vezes não se tenta fazer obras de arte, mas sim lidar com informações. Alguns críticos tentam analisar também as imagens desse segundo grupo. Para você isso é importante?

ADRIANO APRÀ: Pessoalmente não, ainda sou um esteta, ainda me interesso por obras de arte. Entendo que se possa estudar propagandas, mas é mais uma tarefa sociológica do que crítica.

FOCO: Então isso seria talvez o equivalente aos críticos literários e os sociológicos? Tudo isso me lembra de uma citação do Hollis Frampton, que é lida por Godard no final do seu História(s) do cinema: “Enquanto uma era se dissolve lentamente na outra, alguns indivíduos metabolizam os antigos meios de sobrevivência física em novos meios de sobrevivência psíquica. A esses últimos chamamos de arte.” Frampton também diz: “O que eu estou sugerindo, em termos mais simples, é que nenhuma atividade pode se tornar uma arte até que sua própria época tenha terminado e que tenha caído, como acessório para a sobrevivência primária, na total obsolescência.” Você diria que a obsolescência do cinema poderia ser produtiva artisticamente?

ADRIANO APRÀ: Muitos dos movimentos artísticos mais interessantes do cinema foram criados em momentos de decadência, como o neorrealismo ou a nouvelle vague depois dos anos 1950, que foi um período de conservadorismo, não apenas nos estúdios, mas na sociedade. O que quero dizer é que eu cresci nos anos 1950, nasci em 1940, era um jovem rapaz e me lembro do tipo de convencionalismo que existia, e de repente nos anos 1960, apareceu o novo cinema que era contra o “cinéma de papa”, e contra os hábitos do “papa”. Eu tinha uma experiência pessoal além do cinema. Então, hoje é o momento da crise internacional do sistema, e eu vejo muitos novos talentos surgindo, porque eles querem lutar com isso. A geração jovem não quer ser sufocada por essa crise e está tentando olhar para o futuro.

FOCO: Estamos no começo dos nossos trinta anos, e achamos que os jovens de hoje são, na verdade, muito conservadores.

ADRIANO APRÀ: Sim, a arte sempre foi criada por uma minoria. Mas essa minoria será o futuro – quero dizer, assim espero. No começo da década de 1960 nós éramos o futuro, certamente, saíamos de um período muito conservador, e provavelmente éramos uma minoria – com certeza éramos –, mas nós fizemos o futuro.

FOCO: Acredito que muitas pessoas desta geração olham para a geração dos anos 1960 e acham que eles fizeram o trabalho que deveriam ter feito, mas que agora algo deve ser feito e ainda não foi alcançado.

Uma última pergunta, tentando ligar duas ideias que discutimos: primeiro, que existe uma “história oficial do cinema”, a qual foi estabelecida e proposta décadas atrás, e hoje muito do trabalho dos críticos seria procurar o que está faltando nessa grande história, onde estão as passagens secretas que existiam e que não foram descobertas naquele tempo. E a outra é a ideia da mídia digital e a maneira como ela permite ver os filmes mais de perto, pois, como você estava dizendo, décadas atrás você tinha que ver o filme e ter uma ideia geral dele e isso influenciaria o jeito que você escreveria sobre esse filme. A ideia de uma análise cerrada, minuciosa, de poder escrever um artigo inteiro sobre um único plano, por exemplo, isso provavelmente seria inconcebível antes, porque você não poderia analisar um plano quadro a quadro, você teria que ver o filme algumas dúzias de vezes.

ADRIANO APRÀ: É óbvio que a existência do DVD mudou completamente o modo como se analisa os filmes. Eu fui criado num período em que eu tinha o sentimento de estar vendo um filme pela primeira e última vez, e a memória não é algo de que se pode depender. Agora, hoje, o DVD é algo que você pode ler como um livro, você pode parar e voltar... É uma invenção incrível, eu gosto demais de DVDs. Você pode fazer algo completamente diferente, no sentido de que com o DVD todo o cinema começa do início, de um jeito que todos os filmes ficam no mesmo nível de alcance. Filmes eram apenas vistos em cinemas, nós éramos influenciados pelo sucesso de um filme, e o filme que fosse um fracasso de bilheteria era um filme muito difícil de se encontrar. Hoje, todos os filmes estão no mesmo nível, então pode-se reescrever a história do cinema por causa disso, se tivermos tempo e vontade de olhar sem preconceitos. Eu acreditei que a nova geração seria capaz de escrever uma história diferente para o cinema, o que é muito mais fácil hoje do que era antes. A história do cinema foi feita por pessoas que assistiam a vários filmes, mas em um número limitado em relação ao que era produzido. Hoje pode-se ver muito mais filmes que antigamente, então a história do cinema pode ser reescrita.


Notas:


[1] A mesma ideia é desenvolvida por Aprà no texto “A via neoexperimental do cinema italiano”.

[2] Uma das análises de Aprà sobre Mizoguchi – sobre Conto dos crisântemos tardios (Zangiku monogatari, 1939) – foi realizada com a colaboração de Sara Leggi e Simone Starace. Em 2008, foram introduzidos no site Cinemetrics os dados resultantes da divisão do filme em planos e a classificação dos planos na escala dos enquadramentos.

[3] Yuri Tsivian colabora frequentemente com o site Cinemetrics. Algumas de suas análises de Griffith foram incluídas no site, dentre as quais merece destaque a de Intolerância (Intolerance: Love’s Struggle Throughout the Ages, 1916).

[4] Adriano Aprà, “Lucio D’Ambra retrouvé”, Trafic n.º 101, primavera (março) de 2017.

[5] Aprà refere-se ao livro Hollywood Babylon (1959), em que Anger explora a mitologia hollywoodiana, sobretudo os aspectos ligados ao sexo e à violência.

[6] “Cauto sognatore: la malinconia sovversiva di Helmut Käutner”. Programa curado por Olaf Möller na 31ª edição (2017) do festival Il Cinema Ritrovato.

[7] Ver a entrevista de Annette Michelson a Mark Webber em Speaking Directly: Oral Histories of the Moving Image (São Francisco: SFCBooks, 2013), pp. 16-17: “Langlois exibia ocasionalmente filmes de vanguarda na Cinemateca, mas não tão frequentemente. Ele defendia a vanguarda, mas de maneira geral os Cahiers du cinéma foram o instrumento de uma geração em ascensão, uma geração brilhante e que teve minha simpatia e meu interesse. A revista em si nem sempre teve minha simpatia e meu interesse pois eu achava, e ainda acho, que nunca compreendeu a importância do que acontecia nos EUA. Recentemente [Visionary Film: The American Avant-Garde 1943-1978, de P. Adams Sitney] foi traduzido para o francês, e os Cahiers du cinéma publicaram uma resenha do livro... A resenha começa se perguntando, ‘como é que precisamos esperar 25 anos’, ou algo equivalente, ‘para ter uma tradução desse livro?’ Eu por acaso sou amiga do atual diretor da revista, Jean-Michel Frodon, de modo que, numa edição da October, escrevi sobre essa resenha, e expliquei o motivo de terem tido que esperar. Foi porque os Cahiers du cinéma nunca deixaram esses cineastas americanos ver a luz do dia, e Serge Daney recusou minha oferta de artigos sobre Michael Snow, e se recusou a colocar alguém para cobrir a primeira importante exibição de Snow em Paris [...], e outro editor da revista se referiu à obra de Brakhage como ‘moedor óptico’. Então é por isso que tiveram que esperar um quarto de século”.

[8] “É essa vanguarda que continua possível hoje, e é ela que é preciso desenterrar e apoiar. Ela tem seus artífices, conscientes ou não, pouco importa, em realizadores como William Wyler, Orson Welles, Preston Sturges nos Estados Unidos; Renoir (o inesgotável, o magnífico), Bresson e Leenhardt na França; o Rossellini de Paisà (1946) e o Visconti de A terra treme (La terra trema, 1947-1948) na Itália...” André Bazin, “Découverte du cinéma : Défense de l’avant-garde”, Écran français n.º 182, dezembro de 1948. Citado por Antoine de Baecque em Cinefilia, trad. André Telles (São Paulo: Cosac Naify, 2010), p. 69.

[9] Aprà se refere à masterclass apresentada durante a mostra Aventura Antonioni, realizada no Centro Cultural Banco do Brasil entre abril e maio de 2017, com curadoria de Paulo Ricardo Gonçalves de Almeida. O catálogo da mostra, organizado por Aprà, encontra-se disponível para download.

[10] Não foram poucas as ocasiões em que as vanguardas americana e britânica travaram embates críticos e teóricos. Alguns ocorreram presencialmente, como a discussão entre P. Adams Sitney e Malcolm Le Grice no Millennium Film Forum (transcrita e publicada na edição de 1986 da Millennium Film Journal); mas outros foram impressos, como a troca de cartas entre Annette Michelson e Peter Gidal (publicadas na edição de setembro de 1971 da Artforum).

[11] No dia 15 de maio de 2017, Aprà realizou na Universidade de São Paulo uma palestra intitulada “Vertentes do Cinema Experimental Italiano, Ontem e Hoje”. Concentrando-se na produção dos anos 1960 e 1970, ele mencionou o que seria uma linhagem “hard” da vanguarda, em que os filmes buscam radicalizar seus experimentos, levando-os às últimas consequências, e uma linhagem “soft”, em que os experimentos são feitos num contexto mais próximo da ficção ou documentário tradicionais. Um dos argumentos de Aprà sobre a produção recente do cinema italiano é que nela predomina a linhagem “soft”. Para mais sobre o tópico, ver seu texto “A via neoexperimental do cinema italiano”.

[12] Os arquivos de áudio de Brakhage se encontram no site da Universidade do Colorado em Boulder.

[13] Aprà refere-se ao programa “The Essential Cinema”, organizado pelos membros-fundadores do Anthology Film Archives (Jonas Mekas, P. Adams Sitney, Ken Kelman, Peter Kubelka, James Broughton). O programa original, com mais de 300 filmes apresentados em ciclos, deveria funcionar como um cânone em desenvolvimento da arte cinematográfica. A morte de Jerome Hill, responsável pelo apoio financeiro da instituição, impediu a continuidade do projeto. As informações encontram-se no próprio site do Anthology Film Archives.

[14] Uma reação de Sitney a outro ensaio de Wollen sobre o tema pode ser encontrada no n.º 18 da revista Framework, onde uma troca de cartas entre os dois críticos revela as diferentes premissas através das quais encaram o problema das vanguardas.


Filmes mencionados:


Os palhaços (I clowns, Federico Fellini, 1970)
O conformista (Il conformista, Bernardo Bertolucci, 1970)
De crápula a herói (Il generale Della Rovere, Roberto Rossellini, 1959)
Red Ashes (Rosso cenere, Adriano Aprà e Augusto Contento, 2013)
Stromboli (Stromboli, terra di Dio, Roberto Rossellini, 1949-1950)
Cinéastes de notre temps (série televisiva, 1964-1972)
Cinéma, de notre temps (série televisiva, 1988-2020)
Ivan, o terrível (Ivan Groznyy, Sergei M. Eisenstein, 1942-1944)
Ivan, o terrível – Parte II (Ivan Groznyy. Skaz vtoroy: Boyarskiy zagovor, Sergei M. Eisenstein, 1946-1958)
Othon (Les yeux ne veulent pas en tout temps se fermer, ou Peut-être qu’un jour Rome se permettra de choisir à son tour, Jean-Marie Straub e Danièle Huillet, 1969-1970)
Viagem à Itália (Journey to Italy/Viaggio in Italia, Roberto Rossellini, 1953-1954)
Um corpo que cai (Vertigo, Alfred Hitchcock, 1958)
Gertrud (Carl Theodor Dreyer, 1964)
Sete mulheres (Seven Women, John Ford, 1965-1966)
Chelsea Girls (Andy Warhol e Paul Morrissey, 1966)
As aventuras de Hajji Baba (The Adventures of Hajji Baba, Don Weis, 1954)
Quatorze Juillet (René Clair, 1933)
Oito e meio (, Federico Fellini, 1963)
Amarcord (Federico Fellini, 1973)
História(s) do cinema (Histoire(s) du cinéma, Jean-Luc Godard, 1988-1998)
Zorns Lemma (Hollis Frampton, 1970)
Traité de bave et d’éternité (Isidore Isou, 1950-1951)
In girum imus nocte et consumimur igni (Guy Debord, 1978-1981)
Wolfram, a saliva do lobo (Joana Torgal e Rodolfo Pimenta, 2008-2010)
O movimento das coisas (Manuela Serra, 1978-1985)
Histoire du cinéma (Klaus Wyborny, 2005)
Verifica incerta – Disperse Exclamatory Phase (Alberto Grifi e Gianfranco Baruchello, 1964-1965)


(Rio de Janeiro, 29 de outubro de 2016, e São Paulo, 16 de maio de 2017. Transcrito por Waleska Antunes. Traduzido por Matheus Cartaxo e Camila Fittipaldi. Revisado por Valeska G. Silva, Bruno Andrade, Lucas Baptista e André Barcellos)

 

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