O CINEMA AMERICANO NA HISTÓRIA DO CINEMA
por Sergio Sollima



A história da arte cinematográfica neste primeiro meio século de existência não é outra senão a história da luta de alguns verdadeiros artistas por uma concreta liberdade expressiva contra todos os constrangimentos exteriores, para eles ainda mais numerosos e violentos que para qualquer outro artista.

Isto em qualquer lugar, mas especialmente na América.

Considerada do ponto de vista estético, a história do cinema americano pode ser dividida em dois períodos fundamentais: o primeiro, que poderia ser definido como o estágio “das explorações” e que vai de seu nascimento aos anos do cinema sonoro e da crise mundial, ou seja, à sua afirmação como grande indústria internacional, e o segundo, o instante “do desfrute”, que dura até hoje.

São os mesmos, no fim das contas, da formação da República Estrelada: a imigração individual e coletiva rumo ao Oeste por parte dos pioneiros e a valorização subsequente, ou melhor, a exploração subsequente, por parte de certas camadas da própria geração pioneira e, sobretudo, da geração seguinte.

No primeiro período cada filme foi verdadeiramente uma exploração por terras desconhecidas e ofereceu a possibilidade de descobertas maravilhosas.

Fundamental foi então a contribuição americana à história do cinema.

Como documentado, Edwin S. Porter foi o primeiro, no ano de 1900, a usar o “primeiro plano”, ou, para ser exato, o “plano aproximado”, no seu Vida de um bombeiro americano (Life of an American Fireman, 1903). Ele também foi o primeiro, no mesmo filme, a conceber a montagem, mostrando as cenas da mãe e do menino em perigo, alternadas com as dos bombeiros correndo em seu socorro.

Essas duas descobertas decisivas, junto com a ambientação do western e do filme de aventuras (O grande roubo do trem [The Great Train Robbery, 1903]), fazem de Porter uma personalidade de primeiríssima ordem e um dos pais oficiais do cinematógrafo.

O western, desenvolvido em seguida por William Selig e por Thomas Ince, torna-se não só o gênero mais característico da produção americana, mas até mesmo o seu fundo inapagável. A maioria dos grandes realizadores, como vimos, formou-se na escola do western, de Vidor a Ford, de William Wellman a Jack Conway, de Borzage a Van Dyke.

O outro gênero típico oferecido pela cinematografia americana foi o cômico ou, para ser mais preciso, o slapstick, por mérito como sabemos, de Mack Sennett.

O western e o slapstick são evidentemente duas derivações de uma mesma necessidade fundamental no espírito yankee: a do movimento, do ativismo a qualquer custo, mesmo um fim em si mesmo.

Esta necessidade do movimento e do grandioso ou do colossal estão presentes em outro pai do cinema: David Wark Griffith.

Griffith recolhe as experiências europeias, mas sabe absorvê-las e filtrá-las através de sua natureza de americano e de sua personalidade de homem novo.

Mesmo tecnicamente, seu trabalho está repleto de descobertas importantes. Basta recordar o famoso “final à Griffith”, certamente ligado à façanha de Porter, mas que ele aperfeiçoou a ponto de ser considerado o seu autor legítimo: a alternância em montagem rápida entre as cenas de uma crise e outras de qualquer coisa que esta crise deve resolver. Exemplo típico: a menina cercada por bandidos e o herói que corre para salvá-la, ou uma condenação à morte que está prestes a ser executada e o perdão que está a chegar. Em poucas palavras, é o bom e velho “aqui estão os nossos!” que tem sempre o poder de provocar uma certa agitação no público.

Mas a maior contribuição para a história do cinema foi dada por duas figuras grandiosas que, se as classificações neste domínio não fossem tão arbitrárias, poderiam ser definidas como as mais completas: Charles Chaplin e Erich von Stroheim. De qualquer maneira (é tempo para a cultura oficial se dar conta), esses têm o seu lugar entre as personalidades mais elevadas da arte contemporânea.

As obras destes dois artistas, que apresentam muitíssimos pontos de contato, são dois blocos compactos, privados, ou quase, de peças supérfluas.

Eles têm em comum a tendência de exprimir um mundo, um ambiente bem preciso, que gravita em torno de uma personagem à qual eles próprios dão vida como atores de potência insuperável. Como método de trabalho tendem a concentrar em suas mãos e em seus cérebros o maior número possível de funções, oferecendo dois raros exemplos no cinema de autores únicos.

Comum a ambos é o senso social, mais consciente e polêmico em Chaplin, mais violento em Stroheim. E mais: são dotados de originalidade de tal forma que não tiveram, até agora, discípulos nem imitadores.

As circunstâncias, entretanto, concederam ao artista inglês maiores possibilidades de expressão através da sua produtora independente. O grande austríaco, por sua vez, constitui um dos exemplos mais dolorosos da enorme dificuldade que os poetas do cinema têm de superar para realizar suas próprias ideias em uma sociedade como a americana.

Que um homem como Stroheim tenha hoje que se reduzir a interpretar papéis de segundo plano em filmes idiotas, e empresas cinematográficas que gastam milhões de dólares produzindo esses filmes e outros, ou filmes ainda mais idiotas, não lhe queiram dar mais uma vez a possibilidade de trabalhar, é um fato que não pode deixar de suscitar considerações bastante pessimistas.

Não houve, e não há, outras personalidades cinematográficas na América que possam resistir ao confronto com Chaplin e Stroheim.

Existem, no entanto, verdadeiros artistas, cujas carreiras, embora semeadas aqui e ali de episódios inúteis, oferece um número conspícuo de obras de grande valor.

King Vidor e John Ford na linha da frente; ambos americanos puro sangue que também partilham uma profunda sensibilidade social.

Depois, há um grupo de ótimos realizadores a quem devemos filmes de qualidade superior e que influenciaram profundamente a produção americana e também a mundial, como por exemplo Frank Capra, autor do belíssimo A mulher proibida (Forbidden, 1932) e também de Aconteceu naquela noite (It Happened One Night, 1934) na senda do qual ainda hoje são realizados inúmeros filmes; Frank Borzage, Van Dyke, Josef von Sternberg (cuja obra-prima O anjo azul [Der blaue Engel, 1930] foi, contudo, realizada na Alemanha), Ernst Lubitsch e também, num plano de maiores concessões comerciais, Leo McCarey, Gregory La Cava, Lewis Milestone, Howard Hawks, Cecil B. DeMille, William Wyler, Clarence Brown, Jack Conway, William Keighley, Michael Curtiz, Victor Fleming, Alfred Hitchcock, Archie Mayo, William Dieterle, cada um dos quais tem a seu crédito algum encontro fortuito com um roteiro, um ator, um produtor ou sabe-se lá o que, de qualquer maneira com o resultado de fazer bom cinema.

Muitos realizadores estrangeiros, como vimos, também contribuíram, e de forma muito ativa, para elevar o nível artístico do cinema americano com maior ou menor fortuna, como Friedrich Wilhelm Murnau, Fritz Lang, Victor Sjöström, Mauritz Stiller, Paul Leni e Jean Renoir.

Com a chegada do som, mais uma contribuição para a evolução do cinema, e com a definição da indústria cinematográfica como grande indústria nacional (na altura era a quarta) e internacional, aquela energia íntima e aquela busca contínua que enchiam cada filme de novas descobertas começou a enfraquecer.

O início do filme sonoro, que eu indiquei como ponto de referência para a divisão entre os dois períodos, não deve levar ninguém ao engano. A influência do som na evolução do cinema só pode ser positiva, como a da cor e de todos os outros aperfeiçoamentos técnicos que virão em seguida. A verdadeira crise do cinema americano (como, em menor medida, dos outros países) começou quando os meios de produção passaram das mãos dos artistas para as da indústria e, pior ainda, dos comerciantes, ou seja, dos operadores, cujos interesses, como é óbvio e como já disse, são exclusivamente especulativos.

Em suma, verificou-se isto: que os filmes que nós vemos não são feitos por um artista ou por um grupo de artistas, mas “feitos” praticamente por nós mesmos e não na qualidade de homens, mas de bilhetes de entrada. Quero dizer em suma que o “porquê” daquilo que é o filme, o argumento, a escolha dos atores, o diálogo, a fotografia etc. não se rege pela lógica fantástica de um ou mais autores, não é motivado pela sua ou pelas suas sensibilidades, mas apenas pela probabilidade disso convencer o maior número possível de pessoas a desembolsar um certo montante para o ver.

Tudo, repito, na produção média americana (que, como vimos, só apresenta raríssimas exceções) é feito para o espectador-bilhete de entrada: o tema (o amor, final feliz obrigatório etc.); a escolha dos atores (todos belíssimos, divulgados ao máximo para que quem os viu uma vez volte para vê-los); os roteiros e os diálogos, que apontam única e exclusivamente para os interesses superficiais e para a diversão epidérmica; a fotografia, a cenografia e os figurinos que dão sempre a sensação de estarem bem postas, aprazíveis, claramente visíveis, ou engomadas há pouco.

Evidentemente, apesar das consequências sociais e morais, este critério de trabalho desfalca o fundamento de qualquer esforço artístico, afasta a forma cinematográfica para um plano que lhe é, por natureza, completamente estranho.

O som, portanto, engajado nesta situação, torna-se inevitavelmente um feito negativo pela simples razão de não ter sido somente “mais um meio” para o artista, mas também “um meio a mais” para o especulador.

Entretanto, quando as condições particulares permitiram o aparecimento de exceções, estas se chamaram, para continuar nos primeiros anos da grande mudança, Aleluia (Hallelujah, King Vidor, 1929), por exemplo, ou Tabu (Tabu: A Story of the South Seas, F. W. Murnau, 1930-1931) ou Sem novidade no front (All Quiet on the Western Front, Lewis Milestone, 1930) ou O pão nosso (Our Daily Bread, King Vidor, 1934).

Outro equívoco possível a esclarecer é a crença nociva, dado o caráter artístico do cinema, no seu intenso desenvolvimento industrial. Muito pelo contrário, o equipamento industrial nunca será suficientemente desenvolvido e aperfeiçoado. Mas é a indústria que tem de servir ao filme e não o filme que tem de servir à indústria, ou seja, insisto: o equipamento industrial tem que estar à disposição de quem “faz” o filme.

Este complexo industrial americano é, como todos sabem, o mais completo dos dias de hoje e permite que se trabalhe nas melhores condições.

As duas fases da realização de um filme nas quais os americanos se destacam são a escrita de roteiros e a atuação, esta última em particular.

Entre os melhores roteiristas recordo-me de Ben Hecht, Charles MacArthur, Robert Riskin, Dudley Nichols, Waldemar Young, Harry Behn, Frances Marion, Salka Viertel, Ernest Vajda, Jo Swerling, Morrie Ryskind, Bella e Samuel Spewack, John Emerson, Anita Loos, além de escritores bem conhecidos como James Hilton, John Dos Passos, Clifford Odets, Bert Brecht, Aldous Huxley.

Mas, no geral, o nível de todos os técnicos é muito elevado. Entre os operadores de câmara lembro-me de William Daniels, Lee Garmes, Gregg Toland, Victor Milner, Clyde De Vinna, Tony Gaudio, Bert Glennon, Sol Polito, Hal Rosson, Karl Freund; entre os cenógrafos Cedric Gibbons, Max Rée, Hans Dreier; entre os figurinistas Adrian, Travis Banton, Dolly Tree, Irene.

Outro setor em que os americanos se especializaram, ao ponto de terem criado um verdadeiro monopólio, é o dos desenhos animados.

Aqui encontramos a única figura que pode não parecer deslocada ao lado de Stroheim e Chaplin: Walt Disney. A este notável artista do nosso século deve-se reconhecer, entre outras coisas, o mérito de uma contínua busca de aperfeiçoamento dos próprios meios expressivos da técnica. Para se ter uma ideia, basta comparar os seus primeiros curtas-metragens com Mickey Mouse aos últimos: Alô, amigos (Saludos Amigos, Wilfred Jackson/Jack Kinney/Hamilton Luske/Bill Roberts, 1942) ou Você já foi à Bahia? (The Three Caballeros, Norman Ferguson/Clyde Geronimi/Jack Kinney/Bill Roberts/Harold Young, 1943-1944).

Notáveis também são as atividades dos irmãos Fleischer, criadores de Popeye, de Betty Boop e do belo longa-metragem As aventuras de Gulliver (Gulliver’s Travels, 1939).

Quanto aos atores, à parte o problema do estrelato, eles constituem a maior força do cinema americano. A grande confluência de aspirantes que permite uma seleção muito precisa, a escalação sempre inteligente, a engrenagem perfeita das outras rodas (argumento, diálogo, fotografia etc.) e a desenvoltura natural de um povo saudável, habituado ao esporte e provido de um certo grau de maturidade democrática, são as causas principais desta força que, junto à escrita de roteiros, como disse, é a maior de Hollywood, a que torna os seus filmes de categoria mais baixa indubitavelmente superiores aos filmes similares das outras cinematografias.

Quanto aos últimos anos, houve importantes estreias de homens de cinema, mas tirando o caso de Orson Welles, possivelmente não mais que dignas de nota.

Fala-se muito bem de O homem que se vendeu (The Great McGinty, 1940) de Preston Sturges, um roteirista, realizador e produtor a que se devem por outro lado filmes muito ruins como As três noites de Eva (The Lady Eve, 1941) e Natal em julho (Christmas in July, 1940).

O homem que se vendeu venceu um prêmio para o melhor roteiro e é interpretado por Brian Donlevy, Muriel Angelus, Steffi Duna e Akim Tamiroff. O jovem Billy Wilder também revelou-se um ótimo realizador, autor de, entre outros, um A incrível Suzana (The Major and the Minor, 1942), com Ginger Rogers e Ray Milland, não mais que divertido, e sobretudo de Pacto de sangue (Double Indemnity, 1944) a partir de Dupla indenização de James Cain, interpretado por Barbara Stanwyck, Fred MacMurray, que nos revela uma energia até agora insuspeitável, e Edward G. Robinson. Uma peça de cinema de primeira qualidade, em suma, como o também premiado Farrapo humano (The Lost Weekend, 1945).

Encarregado pelo Departamento de Agricultura, Robert Flaherty rodou um documentário em 1941, que dizem (e não é difícil de acreditar) ser de grande beleza: The Land (1941-1942) (ou seja, “Terra”). No entanto, parece que se revelou demasiadamente documental no que diz respeito às condições do país e dos trabalhadores da terra, tanto que preocupou as autoridades em causa, que procederam a limitar de forma rigorosa a projeção do filme.

Mas, além da escassez de obras excepcionais, é possível notar na produção um movimento duplo: um descendente e outro timidamente ascendente.

De fato, uma clara decadência do produto médio é inegável. Aquela máquina quase perfeita, aquele relógio de precisão que era o filme médio americano tem alguns problemas, alguns fracassos. Os filmes divertidos já não divertem como antes, os emocionantes já não emocionam como antes, os comoventes já não comovem como antes. Isto acontece por dois motivos: primeiro porque, pelo menos na Europa, a maturidade do espectador sofreu evoluções profundas, e depois porque existe um fenômeno normal de produção excedente.

Depois de alguns anos que General Motors, por exemplo, constrói um certo tipo de automóvel, ela o substitui por outro. Depois de 12 anos de amarelo-rosa, por exemplo, do tempo de A ceia dos acusados (The Thin Man, W. S. Van Dyke, 1934), todo indivíduo normal tem direito à sua dor de barriga. Em resumo, é evidente uma certa relutância da parte dos homens de cinema responsáveis em mudar de ideias ou métodos. Com a consequência de que o tecido gasto revela a trama até aos míopes.

Por outro lado, no entanto, um certo cheiro de ar fresco é menos facilmente mas certamente perceptível. Por enquanto é uma sensação; justificada apenas por algumas sequências, por um gracejo, pelo modo de resolver uma certa situação, por certos rostos novos de atores e, se quisermos, de uma aproximação mais calorosa à melhor literatura americana, cuja posição global, artística e social parecia pô-la até o momento cada vez mais longe dos interesses dos senhores do cinema. Trata-se da realidade, que começa a invadir aquela espécie de ilha perdida, naquela tenaz fábrica de sonhos que é Hollywood, com os milhões de soldados que lutaram na guerra indo concluir o seu trabalho.

Hoje, Hollywood é a oficina cinematográfica mais bem equipada do mundo. Os trabalhadores do cinema podem ter tudo à sua disposição; estão nas melhores condições para renovar o milagre eterno da criação de uma obra de arte. Mas ainda hoje é proibido aos artistas a entrada nesta oficina e torna-se quase impossível para eles utilizar o material empregado. Se este estado de coisas mudará ou não, só o saberemos pela história dos Estados Unidos nos anos que virão.


(Il cinema in U.S.A. Roma: Anonima veritas editrice, 1947, pp. 225-233. Traduzido por João Palhares)

 

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