O SOM E A FÚRIA
por Matheus Cartaxo


(De bruit et de fureur). 1988. Les Films du Losange/Centre National de la Cinématographie/Sofica Investimage (90 minutos). Produção: Margaret Ménégoz. Roteiro: Jean-Claude Brisseau. Fotografia: Romain Winding (Kodak - Agfa Gevaert). Som: Louis Gimel, Dominique Hennequin. Música: Charles Trenet, Nana Mouskouri. Cenografia: Lisa Garcia. Montagem: Maria-Luisa Garcia, Jean-Claude Brisseau, Annick Hurst. Elenco: Vincent Gasperitsch (Bruno), Lisa Hérédia (a aparição), François Negret (Jean-Roger), Bruno Cremer (Marcel), Thierry Helaine (Thierry), Sandrine Arnauld (filha de Marcel), Victoire Buff (namorada de Thierry), Françoise Vatel (mãe de Jean-Roger), Albert Montias (irmão de Marcel), Lucien Plazanet (um vizinho), Antonio Garcia (o avô), Fabienne Babe (a professora), Antoine Fontaine (diretor do C.E.S.), Luc Ponette (o subdiretor), Isabelle Hurtin (a assistente social), Laurent Tardieu (o funcionário do prédio), Jean Cherlian (o chefe de segurança), Fejria Deliba (Mina), Aurélie Sterling (namorada de Mina), Edouardo DaLuz, César DaLuz, Frédéric Prévost, Éric Verbeque, Frank Caudron, Marc Colin, Frédéric Vaz (os rapazes), Elsa Vergnaut (a primeira moça), Florence Marschall (a segunda moça).

Imaginemos os termos principais do título unidos de outro modo: o som da fúria. Poderíamos considerar tal ruído como um grito, um tiro, o resultado do que começa como uma agitação interior e explode na superfície, podendo modificar o exterior. Este filme é um painel sobre como transformações desse tipo conduzem um mundo antigo ao colapso.

Será testemunha dessas transformações e fio condutor do filme por diferentes espaços (ruas, conjuntos habitacionais do subúrbio parisiense ou a sala de aula de uma professora refratária a esse ambiente hostil) um garoto que na primeira seqüência sobe as escadas para o seu apartamento e se depara com uma fauna distinta de moradores.

Um jovem delinqüente põe fogo nas portas dos vizinhos, os quais tentam a todo custo atacá-lo, até serem interrompidos pelo pai do vândalo, figura imponente que toma para si a tarefa de dar-lhe uma lição. Ao mesmo tempo em que a sua intervenção introduz um meio no qual a violência é parte da rotina, é ela que aporta o resquício de moral que impede, por enquanto, de ser dado o empurrão definitivo em direção à barbárie.

De tudo o que o menino observa, o que mais condensa essas mudanças é a relação desse pai com seus filhos: além do incendiário, existe um mais velho, com vontade de mudar-se para longe do bairro, escolha da qual seu pai zomba por achar que se trata de uma mera ambição por uma vida burguesa e desprezível. Para a nossa surpresa, porém, aquele homem do passado, intransigente como um John Wayne, tem com o filho um diálogo franco. Por trás da sua brutalidade, vemos que existem consciência e limites.

Já o filho mais novo, ao tentar ganhar a atenção do pai, copia dele apenas as explosões enxergadas na superfície, sem a base que as sustentam. Disso decorre a inconseqüência e o absurdo de todas as ações que esse filho pratica: ele tortura um cachorro, ateia fogo à roupa de um mendigo, tenta estuprar a namorada do irmão e, junto com o bando de que faz parte, cogita matá-lo atirando-o a uma fogueira.

Na iminência do fratricídio, o pai surge mais uma vez, espingarda na mão, a tempo de conseguir espantar o bando. Resta apenas o filho mais novo... mas este o mata com um tiro. Aqui é o ponto em que o filme culmina (não à toa, quantos sons ouvimos: a fogueira que arde, o disparo e até o silêncio): falhas de formação do caráter, ciúmes, disputas internas invadem o mundo e têm por conseqüência uma tragédia familiar a qual definirá os rumos das demais pessoas que habitam aquele lugar. Com a morte do pai, os jovens delinqüentes serão os próximos a ditar as regras.

No epílogo após o tour de force, a professora lê uma carta escrita pelo filho mais novo no reformatório, na qual ele se declara arrependido das atrocidades que cometeu. Pensativa, ela encara a noite pela janela, apesar da escuridão não permitir que se veja o horizonte. O mito grego narra que a caixa de Pandora foi fechada a tempo de um último mal não ser liberado: a previdência. Sem ela, os homens desconhecem o futuro. Com ela, seríamos incapazes de ter esperança.

 

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