ERIC ROHMER
Lisa Hérédia foi a montadora de Rohmer em O Raio Verde (1986) - no qual ela interpreta o papel de Manuella -, As Quatro Aventuras de Reinette e Mirabelle (1987) e Conto da Primavera (1990).
EXPERIMENTAR
Em O Raio Verde Eric empregou jovens garotas que, em sua maioria, estavam sendo chefes de função pela primeira vez, sem assistente, o quê por vezes tornou as coisas um tanto acrobáticas. Quanto a mim, havia apenas estagiado em dois de seus outros filmes; eu era, portanto, completamente novata. O filme era ‘bruto’, ou seja, sem pontos de sincronização som-imagem, o que complicava as coisas. Mas a montagem correu maravilhosamente. Eu comi o tempo todo, e isso andou bem já que Éric, durante a montagem, passava seu tempo beliscando sanduíches de queijo, petits gâteux, uvas.
Ele queria se liberar de uma espécie de academicismo e estava muito empenhado em trabalhar com jovens, que poderiam trazer novas idéias. Queria se desfazer também da influência de Nestor Almendros, seu fotógrafo titular, voltar ao 16 mm., fazer um filme improvisado em torno de uma trama simples. Eu me lembro que, um pouco antes, Rosette havia escrito toda uma série de pequenos roteiros que foram filmados em super 8, Les aventures de Rosette. Eric queria operar a câmera e ajudar na mise en scène para ganhar um pouco de segurança e aprender a enquadrar. O estilo Rohmer deve-se em boa parte à presença de Nestor Almendros (mesmo se a partir de A Mulher do Aviador ele tenha também trabalhado com Bernard Lutic ou Renato Berta). Nestor, por exemplo, filmava extremamente bem as mulheres, e com Eric eles encontraram um tipo de equilíbrio, de graça. Mas às vezes eles não estavam de acordo. Eric queria movimentar os atores, fazer zooms, e Nestor se opunha. “Seus atores sentam-se no sofá, eles conversam, ele lhe disse, os zooms não são adequados ao seu cinema.”. Depois, em O Raio Verde, Eric novamente quis fazer zooms, mas desta vez fomos Sophie Maintigneux e eu mesma a recusarmos!
HORROR À TRAPAÇA
Eric estava muito presente na montagem da imagem, muito menos na montagem do som, mas ele mesmo escolheu as ambiências e as colocou inicialmente de maneira imprecisa, sabendo que tudo seria mixado muito baixo. Eu me dei conta de a que ponto o som proporciona quase sessenta por cento da emoção. Quando eu falo de som, incluo a voz dos atores, que é muito importante para ele. Rohmer tinha horror de trapacear com os atores, com suas vozes. Se tal ator gaguejara e se numa outra tomada a fala estava melhor, ele me autorizava às vezes a colocá-la sobre a tomada que ele havia escolhido, mas era extremamente raro. Além disso, ele fazia poucas tomadas, o que limitava consideravelmente a possibilidade de remendar. Isto valia também para a montagem da imagem. Os filmes de Rohmer são escritos de tal modo que na montagem é difícil deslocar os eventos. Em O Raio Verde, para a cena com o motorista de táxi, nós tínhamos três grandes passagens que estavam todas muito boas. Rohmer me disse: “É terrível, será necessário escolher. Há uma das três que deverá desaparecer porque na continuidade isto não funciona.” Eu não era desta opinião e lhe propus montá-las numa ordem diferente. Ele era hostil à idéia, convencido de que o espectador veria a trapaça. Ele teve mesmo um pequeno acesso de pânico à idéia de transformar as coisas. Ele foi comprar bolos e tangerinas enquanto eu mudei a ordem das cenas, misturando o início, o meio e o fim. Ao retornar, ele ficou surpreso e alegre com o que eu havia conseguido.
Na cena da estação de Saint-Jean-de-Luz, ao fim do filme, havia problemas de direção de olhares. Esperava-se que Marie Rivière e Vincent Gauthier se olhassem, mas na realidade, durante a visão dos planos, ele a via, mas ela não. Eu levei algum tempo para compreender que na realidade eles estavam face a face, o que não se via. Eu estava ante um grande senhor do cinema francês, que havia feito uma tese sobre o espaço em Murnau, e me tranqüilizou um pouco ver que ele podia cometer erros. Nós finalmente encontramos uma solução: os olhares não se cruzavam, mas havia um dos dois que via o outro.
Ele havia olhado os copiões pelo menos durante um mês antes da minha chegada. Nós começamos pela última cena, o encontro na estação e aquela da aparição do raio verde, porque ele partia do princípio de que se essa cena não funcionasse, o filme não tinha nenhuma razão de ser. Portanto eu descobria as cenas passo a passo. Eric gostava muito do fato de eu ser sua primeira espectadora. E como eu sou franca, eu lhe dizia exatamente o que eu pensava. De repente a montagem se deu na mais plena confiança, num ambiente muito alegre.
IMPROVISAÇÃO
Eric se deu conta de que nem todo mundo era capaz de improvisar, visto que se deve geralmente improvisar sob a ótica e o estilo do metteur en scène. Para O Raio Verde, ele escolheu atores que já eram “personagens” na vida cotidiana. Às vezes, na montagem, nós nos deparávamos com tomadas onde os atores se paralisavam nitidamente, não sabendo mais como continuar. Esta é sem dúvida a razão pela qual este é o filme que necessitou do maior trabalho de montagem, para consertar as interpretações secas dos atores, os problemas de mise en scène e os falsos raccords. Havia quase apenas mulheres neste filme. É necessário dizer que a presença de homens em um set modifica o comportamento de algumas garotas. Com uma presença masculina tão reduzida, uma familiaridade maior se estabelecia entre as garotas, que se sentiam mais livres. Geralmente, para as pessoas presentes no set, Eric dava a sensação de que não dirigia absolutamente nada, que ele nem mesmo olhava para os atores. Mas era uma falsa impressão, porque se você estivesse atuando, você sentia imediatamente quando isso não o convencia.
JEAN-CLAUDE BRISSEAU
Meu primeiro longa-metragem, La croisée des chemins (1975), realizado em Super 8 sonoro, foi exibido em um festival amador, no Olympic, a sala de Frédéric Mitterrand. Eric Rohmer e Maurice Pialat estavam na sala. Alguns dias mais tarde, um de meus companheiros me levou ao escritório de Eric, que havia gostado muito do filme. Foi ele quem me encorajou a continuar. Sem ele, provavelmente, eu não haveria transformado o ensaio. Foi também nosso encontro que despertou seu interesse pelo Super 8. Ele havia comprado uma câmera e, de tempos em tempos, ele fazia pequenos filmes. Isso o divertia.
O que eu sempre apreciei nele é que a cada vez que novas ferramentas técnicas apareciam, ele se interessava. Era uma pessoa muito audaciosa. Assim que encontrava o sucesso com filmes que constituíam sua marca de fábrica, ele tomava um outro caminho, para romper com o que eu chamo de “conformismo técnico”. É este o caso de O Raio Verde.
Foi graças a ele que Les Films du Losange produzira meus filmes até Boda Branca. Mas ele não queria se meter na produção porque seria difícil, então, não entrar no processo estético. Nós tínhamos gostos comuns, mas duas personalidades muito diferentes. Por exemplo, nós gostamos muito de Amar é Minha Profissão de Claude Autant-Lara. Mas nós jamais falamos de nossos respectivos filmes. Eu apenas lhe disse um dia que os meus preferidos eram A Mulher do Aviador e O Raio Verde, ambos rodados em 16 mm., entre outros pelo fato de que apareciam personagens pertencentes às classes populares que nós não víamos em seus outros filmes. Uma das coisas que nos interessavam era o descompasso que pode existir entre o projeto inicial e o princípio de realidade ao qual se está atrelado quando se filma, depois quando se monta, e que muda o projeto de origem.
Ele considerava que a realidade era sempre mais forte que o cinema, e é por isso que ele não queria tudo controlar e deixar de fazer certas coisas. Eu também gostaria de reencontrar essa dimensão amadora. Em Pauline na Praia, que foi realizado com Almendros, os quadros e a luz são feitos com gosto e talento, mas eu prefiro O Raio Verde porque dele emana mais vida. Eric pôde financiar O Raio Verde com o seu próprio dinheiro e o filme foi feito em condições não profissionais. Hoje em dia é quase impossível de se fazer filmes assim, e isso obscurece muito a criação.
(Declarações recolhidas por Jean-Sébastian Chauvin no dia 15 de janeiro de 2010. Cahiers du Cinéma nº 653, fevereiro 2010, pp. 36-37. Traduzido por André Barcellos)
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