MULHER COBIÇADA, Jean Grémillon, 1949
por Jacques Vallée


Numa aldeia bretã, uma mulher trazida da cidade pelo dono de uma pousada é manipulada pelo filho legítimo do gerente que pretende se vingar do seu meio-irmão.

Melhor afirmar de antemão: Mulher Cobiçada é uma obra-prima do cinema francês. Primeiramente, o roteiro elaborado por Jean Anouilh é perfeito. As relações dos cinco personagens principais com a psicologia e com as origens sociais variadas são pacientemente seguidas e seus destinos são sutilmente entrelaçados até uma inevitável tragédia. Não há exatamente o bem e o mal: cada um tem suas razões, e mesmo uma personagem de vadia, prolífica no cinema francês da época, conhece o seu instante de grandeza, quando é tocada por um tipo de ternura nupcial. Perdoa-se facilmente o responsável pela linguagem às vezes muito apurada dos diálogos em vista de uma aplicação dramática tão fina e implacável. Além disso e sobretudo, o estilo de Jean Grémillon, entre realismo folclórico e romantismo venenoso, confere a essa história romanesca um caráter absolutamente único.

Longe de se limitar a uma decupagem plano-a-plano como faria um artesão da “qualidade francesa”, Grémillon pensa cada uma das cenas de forma a insuflar o máximo de naturalidade e/ou de lirismo. Por isso, as numerosas seqüências iniciadas por um travelling lateral que, antes de se focalizar sobre a ação dramática, apresenta o contexto geográfico e social desta. A Bretanha nunca fora tão bem filmada como aqui, apesar de Mulher Cobiçada ser desprovido de todo adereço decorativo ou pitoresco. Mais que qualquer outro realizador francês dos anos 40 (salvo Jacques Becker e Roger Leenhardt), Grémillon merece ser chamado de « metteur en scène », pois seu trabalho põe em evidência a influência do meio sobre o drama como ninguém o fazia então. Ver ainda esse plano-seqüência extraordinário que interrompe o casamento para mostrar o meio-irmão seguir o cortejo nupcial desde a falésia.

Solidamente realista, a obra flerta regularmente com a fantasia gótica sem jamais se abandonar por lá, pois é sempre conduzida pelo firme rigor do cineasta normando. Inúmeras passagens são de uma poesia extraordinária. Uma serva corcunda admira-se sozinha no seu quarto, portando o vestido suntuoso que lhe ofereceu um senhor; uma jovem casada é atirada de uma falésia na noite de núpcias; uma velha carrega uma jovem enquanto colhe ervas no interior para servir os desígnios sombrios de seu filho... Todas passagens a serviço da narrativa e admiravelmente servidas pelas sombras da fotografia de Phillipe Agostini e de uma utilização lírica e insólita da música (assinada por Elsa Barraine).

Os atores estão excelentes, porém dois jovens “semi-debutantes” se distinguem particularmente. De partida, há Michel Bouquet em seu primeiro papel importante no cinema, compondo admiravelmente um personagem de meio-louco que poderia facilmente ter compadecido na caricatura. Depois, há Arlette Thomas como uma apaixonada humilde e encantada. Ela é adorável. Seu olhar profundo e sua voz tão doce conferem toda uma espessura a um fim sublime do qual a secura só faz acentuar o lirismo, lirismo desolador, lirismo revelador no sentido mais profundo do que é um magnífico poema de amor louco.

(originalmente publicado no blog Avis sur des films [em http://films.nonutc.fr/2012/02/20/pattes-blanches-jean-gremillon-1949/], mantido pelo próprio autor. Traduzido por Matheus Cartaxo)


 

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