O QUE É A MISE EN SCÈNE?
por Alexandre Astruc
Não é necessário ter feito muitos filmes para dar-se conta de que a mise en scène não existe, que os atores se dirigem muito bem sozinhos, que qualquer operador de câmera sabe onde colocá-la para obter um enquadramento conveniente, que o acordo entre os planos faz-se sozinho, etc. Mizoguchi e Ophüls devem ter compreendido isso muito rápido para passar logo ao que lhes interessava. Observar as pessoas agirem? Não exatamente. Apresentá-las, observá-las tanto ao agir como ao mesmo tempo serem levadas à ação.
A diferença do cinema para não importa o quê, incluso o romance, é primeiramente a impossibilidade da mentira; em segundo, a absoluta certeza, partilhada por espectador e autor, que na tela tudo se arranjará com o tempo. Se o metteur en scène, o realizador, intervém em qualquer coisa na realização de um filme, ele intervém nisto, antes de tudo. Ele se aventura entre estas duas evidências: a da imagem por onde ele espreita e a da duração pela qual ele a conclui.
Com isto, todavia, ele não destrói: a lenta erosão da verdade, que é a arte de um Proust, ou a explosão desta como em Faulkner, pressupõe que o romance seja escrito com palavras, fragmentos de eternidade. Se ele fixa o real, é à custa de um constante esforço de decomposição, destruição de formas, marcha de encontro a um vocabulário cujos detritos serão levados pelo rio.
A câmera fixa não transcende, observa: é preciso ser ingênuo para crer que o uso sistemático de lentes 18,5 mudará o rumo das coisas. Em troca disso, ela não mente. O que é surpreendido pela objetiva é o movimento dos corpos, imediatamente revelador, como tudo o que é físico, a dança, um olhar feminino, uma alteração de ritmo nos passos, a beleza, a verdade etc.
O cinema supõe uma certa confiança feita ao mundo tal como ele é. Mesmo em meio à feiúra, mesmo em meio à miséria. Ele revela esta estranha e cruel ternura, a doçura terrível de Hiroshima, onde, após a evocação de tantos horrores, são suficientes alguns travellings rápidos no coração de uma cidade e uma voz de mulher para que muito naturalmente as linhas de uma paisagem se organizem segundo uma perspectiva humana, como se muito naturalmente e por qual estranha armadilha tudo aquilo que aqui era ansiado fosse um dia resolvido.
Um dos mais belos filmes do mundo foi realizado por um velho metteur en scène japonês, autor de quase uma centena de filmes, feitos sem dúvida com nenhum outro desejo senão o de exercer bem o seu trabalho. Após cinco minutos de projeção, Contos da Lua Vaga fazem compreender claramente o que é a mise en scène - ao menos para alguns: um meio de prolongar os elãs da alma nos movimentos dos corpos. Ela é um canto, um ritmo, uma dança. Mizoguchi sabe que aquilo que se exprime pela violência corporal é algo com o qual não se pode mentir: não o caráter, não a compreensão de si, mas este irresistível movimento adiante que prossegue sempre nos mesmos caminhos em busca da plenitude - ou da destruição. Imagino que o interesse dele - após tantos filmes - já não está nesse espetáculo, mas no fato de não conseguir desviar os olhos do mesmo: um autor escreve talvez para libertar-se; para um cineasta, nunca é assim. Na ternura ou no horror do universo que ele explora, ele deverá encontrar aquilo a que chama-se uma certa complacência ou uma cumplicidade, mas que para o artista não é nada senão a fonte da grandeza que o obceca e que ele acredita poder revelar.
O que acontece então à técnica? Ela deixa de ser uma forma de mostrar - ou de esconder. Estilo não é uma maneira de deixar belo o que inicialmente é feio e vice-versa: nenhum cineasta no mundo fará confiança à fotografia, se sua ambição não for concorrer com Yvon. Ela não será sequer uma tomada de consciência: travellings não são notas, nem referências no rodapé da página. Parece-me que a técnica só tem por função fazer nascer esta distância misteriosa entre o autor e seus personagens, cujas oscilações e deambulações pela floresta parecem acompanhadas muito fielmente pelos movimentos de câmera.
Parecem: pois a força e a grandeza deste universo que reaparece de obras em obras advém do autor dominar constantemente seus elementos. Ele os curva, talvez não à sua visão própria - Mizoguchi é um cineasta, não um romancista -, mas a uma certa necessidade de assumir um recuo em relação a eles: sabedoria, ou vontade de sabedoria. Assim o poema trágico adquire sua força na insensibilidade ou frieza aparente do artista, que parece instalado em sua posição, câmera à mão, na curva do rio, vigiando a planície de onde despontarão os atores do drama.
A requintada e tocante doçura dos Contos da Lua Vaga consiste, como em alguns westerns, desta lentidão irremediável que carrega, seja através da violência ou da cólera, um punhado de indivíduos cujos destinos são insignificantes.
No entanto, Mizoguchi bem sabe que importa pouco se esses filmes terminam bem, não mais que o cuidado em saber se, entre ele e seus personagens, os laços mais fortes serão de ternura ou de desprezo. Ele é como o voyeur que busca o lampejo de prazer no rosto daqueles que ele espreita, ainda que não seja somente esse o lampejo que ele procura: talvez seja tão simplesmente a confirmação reconfortante de algo que ele conhecia desde sempre, mas que ele não pode se impedir de verificar.
Desse modo, eu imagino a mise en scène como um meio de dar a si mesmo o espetáculo - embora todo artista saiba, instintivamente, que o que é visto importa menos, nem tanto do que a forma como é visto, mas que de uma necessidade de ver e mostrar.
Entre a tela e as coisas que o obcecam, a mão do pintor adiciona não uma maneira diferente de vê-las, mas uma nova dimensão. Um quadro de Manet não é a “natureza vista por um temperamento”; é a zona de passagem de uma vontade estética, irredutível tanto aos temas quanto às motivações secretas do artista, dos quais ela talvez se alimente, mas que jamais a esgotam. A mise en scène não é necessariamente a vontade de conferir um sentido novo ao mundo, mas, nove a cada dez vezes, ela se organiza em torno da secreta certeza de deter uma parcela de verdade, primeiro sobre o homem, em seguida sobre a obra de arte - indissoluvelmente ligados. Mizoguchi usa da violência, da ganância ou do desejo sexual para colocar na tela tudo aquilo que ele não pode exprimir sem o reencontro com esses elementos. Mas seria absurdo dizer que a violência seja o tema dos seus filmes: se ele precisa dela, é como o alcoólatra precisa beber: para alimentar sua embriaguez, não para saciá-la. Nele, como nos outros grandes mestres do cinema, o que importa nunca é a intriga, a forma ou o efeito, nem ainda a possibilidade de colocar personagens loucos em situações extremas: Mizoguchi, como todos os orientais, caçoa da psicologia e da verossimilhança. Ele precisou da violência como uma alavanca para adentrar outro universo. Mas como na pintura barroca, a tempestade que cai sobre esses rostos conturbados e esses corpos desmantelados anuncia o apaziguamento. Além do desejo e da violência, o mundo do diretor japonês, como aquele de Murnau, deixa recair o véu da “indiferença” pelo qual, num cinema que poderia ser descrito como “exótico”, a metafísica faz uma súbita intrusão.
Há alguma diferença entre um realizador japonês suficientemente hábil no seu trabalho para que lhe seja oferecido por Hollywood um contrato de sete anos, e que mais assemelha-se a um engenheiro pago por mês, e um poeta “maldito” do fim do século XIX? O ópio de Baudelaire e o trabalho de Mizoguchi têm definitivamente a mesma função: servem de pretexto, como a asma e a homossexualidade de Proust, como o amarelo que intoxicava Van Gogh - mas quem dirá que o amarelo foi alguma vez o tema da obra de Van Gogh, seu propósito? O artista procura, lá onde ele pensa poder achá-las, as condições de sua criação; o realizador, no estúdio, no bordel ou no museu...
O universo do artista não é aquele que o condiciona, mas aquele do qual ele tem necessidade para criar e transformar-se perpetuamente em alguma coisa que o obceca mais ainda do que aquilo pelo qual ele já é obcecado.
A obsessão do artista é a criação artística.
(Cahiers du Cinéma nº 100, outubro 1959, pp. 13-16. Traduzido por Matheus Cartaxo)
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